Porto do Rio Grande em 1908

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segunda-feira, 11 de novembro de 2019

A GUERRA AO AEDES AEGYPTI

Aedes aegypt. Acervo:www.md.saude.com


        
Há cem anos o Brasil estava envolvido no maior conflito externo que já participou: a Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança. No dia 24 de maio de 1866 ocorreria a Batalha de Tuiuti quando mais de 50.000 brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios lutaram encarniçadamente, resultando no mais sangrento confronto militar ocorrido na América do Sul. O nome do General Osório se projetou na organização dos efetivos da Tríplice Aliança.
No mês de fevereiro de 2016, as Forças Armadas do Brasil foram para as ruas para divulgar a necessidade de manter uma guerra contínua contra o mosquito Aedes aegypti buscando a conscientização da população brasileira para a prevenção. Este mosquito já provou que pode ser mais devastador que uma guerra convencional, sendo um vetor de transmissão de doenças como a dengue, a febre chikungunya e o zika vírus. Mosquitos já são indesejados e até insuportáveis por sugarem o sangue numa vampirização sistemática dos seres humanos. Porém, além de irritantes eles são das mais eficientes formas de disseminação de doenças graves. No caso do Aedes aegypti a sua história no Brasil nos remete ao século 16 no contexto das grandes navegações.  Originário do Egito, o Aedes se difundiu no Novo Mundo por meio dos navios que realizavam o tráfico de escravos da África. Portanto, o Brasil passou a ter contato com este mosquito que foi descrito cientificamente em 1762 e denominado de Aedes aegypti em 1818.
Na forma de epidemia, o primeiro registro foi feito no Peru, no século 19. A dengue foi descrita no Brasil no final do século 19 em Curitiba e no início do século 20 em Niterói. Nesta época o mosquito era transmissor da febre amarela, doença de elevada gravidade tendo apresentado inclusive, neste período, casos em Rio Grande. O mosquito foi descrito cientificamente por Antonio Peryassú no Rio de Janeiro em 1908 (Instituto Oswaldo Cruz), constando sua reprodução em focos de água. Com a luta para combater a febre amarela, o Brasil considerou que o Aedes aegypti estava erradicado em 1955. Porém, no final da década de 1960 o mosquito voltou a ser registrado e hoje está presente em todos os estados brasileiros. A primeira ocorrência de dengue documentada laboratorialmente ocorreu em 1981 em Roraima. Em 1986, uma epidemia de dengue assolou o Rio de Janeiro e capitais da região Nordeste assinalando um avanço sem precedentes do vetor causador da dengue, o Aedes (o vírus fica alojado na saliva do mosquito que tem um ciclo de vida de um a dois meses). Portanto, este problema da difusão grave do mosquito não é recente, mas já se arrasta há 30 anos e vem se tornando cada vez mais grave devido aos casos de Zika vírus.  Talvez possamos até fazer uma reflexão irreverente de que a erradicação dos corruptos e do Aedes sejam os dois maiores desafios a serem enfrentados pelos brasileiros.
O virologista Pedro Vasconcelos da Organização Mundial de Saúde (OMS) comentou em entrevista a Folha de São Paulo (08-02-2016) que a afirmação do Ministro da Saúde de que o Brasil estava perdendo a guerra contra o mosquito é parcialmente correta: “Eu diria que o mundo está perdendo a guerra. Não é só no Brasil que isso ocorre simultaneamente. Todos os países hoje sendo anunciados com zika também têm dengue e chikungunya. Há perda global da espécie humana para a espécie Aedes aegypti. É difícil dizer onde houve erro. As nossas cidades são pouco limpas. O sistema de coleta de lixo não é eficiente. O de fornecimento de água também não. Há acúmulo de água nas casas e de lixo nas ruas. Tudo isso num país tropical onde chove muito, o que tende a aumentar os criadouros do mosquito”, afirmou Vasconcelos. Segundo ele, a declaração de emergência mundial em saúde pela OMS, permitirá maiores recursos e a busca de uma integração de esforços no combate ao Aedes e no desenvolvimento de uma vacina (num prazo de até cinco anos). Ele reitera que a dengue está sendo subestimada: “a OMS estima a ocorrência de 300 milhões de infecções por dengue por ano, das quais 100 milhões com sintomas. Aproximadamente 50 mil doentes morrem por ano. A dengue é negligenciada. Parece banalizada no mundo todo. Mas é mais grave que chikungunya e zika juntos”.
O Zika, que colocou vários países em alerta devido à associação com casos de microcefalia (questão polêmica entre os especialistas) apresentou a primeira epidemia nas Ilhas Yap na Micronésia no ano de 2007. Não chamou a atenção devido ao aparente caráter “benigno” do vírus. Porém, o Brasil se tornou uma referência internacional na literatura médica frente à gravidade dos casos. As formas de transmissão também são preocupantes, pois o vírus pode sobreviver na urina, no sêmen e no sangue. A Organização Pan-Americana de Saúde projeta quatro milhões de novos casos nas Américas. Em termos mundiais, em apenas 24 horas o vírus pode se difundir pelo planeta a bordo de aviões com pessoas contaminadas. A hipótese mais forte da chegada do Zica ao Brasil foi através do tráfego aéreo que é um eficiente transmissor de agentes virais e infecciosos.
No presente devemos nos mobilizar para uma guerra persistente, travada no cotidiano de cada residência, de cada rua, com o olhar crítico para cada objeto com água que seja um possível criadouro de larvas, num esforço coletivo em prol da saúde. O poder público tem uma função imensurável de higienizar os espaços sob sua responsabilidade e de desenvolver políticas de educação preventiva de combate ao mosquito. Afinal, cem anos depois da Guerra da Tríplice Aliança, o Brasil está travando a Guerra da Tríplice Epidemia: Dengue, Zica e Chikungunya.   
Matéria publicada no Jornal Agora no dia 23 de fevereiro de 2016. 

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