Cartão da Praça Xavier Ferreira em 1939. Acervo: Walter Albrecht. |
Um exercício
destas histórias de vida pode ser feito a partir do século 21 e recuando até o
século 19, resgatando brevemente a historicidade de personagens que, como
tantas outras famílias, contribuíram para a construção da história da cidade do
Rio Grande. A memória dos acontecimentos muitas vezes só sobrevive na oralidade
a qual infelizmente vai se perdendo ou sendo distorcida ao longo dos anos. O
registro histórico destas memórias permite a preservação de informações que
podem contribuir para o conhecimento da sociedade passada. Neste sentido, após
conversar com o sr. Walter Albrecht (que forneceu o material documental e
fotográfico desta matéria) constatei da importância da memória que ele ainda
preserva de acontecimentos para a elaboração do saber histórico.
Vamos fazer um movimento ao passado relatando
algumas referências biográficas de bisavós, avós e pais de Walter Albrecht, um
senhor que atualmente 88 anos de idade e uma aguçada memória de acontecimentos
e personagens que fizeram a história local. Durante 66 anos membros da família
pertenceram a Diretoria da Câmara do Comércio da Cidade do Rio Grande, a qual
foi fundada em 1844.
O primeiro
recuo temporal nos remete a primeira metade do século 19. Conforme Albrecht,
referindo-se ao seu bisavô, “o cidadão português Antonio da Silva Ferreira, que
em sua juventude parece ter sido de gênio bastante tempestuoso, por tal razão
mereceu de seu padrinho o apelido de “Tigre”. Tendo aparecido no Rio Grande outro
Antonio da Silva Ferreira (talvez com comportamento não tão ilibado), o nosso
ancestral resolveu identificar as coisas e incorporou ao seu nome o final
Tigre, tornando-se o Comendador Antonio da Silva Ferreira Tigre. Cidadão
proeminente, citado freqüentemente nos diversos órgãos da imprensa do Rio
Grande por suas inúmeras atividades, foi hospedeiro de todas as figuras
importantes que passavam pela cidade. Quando D. Pedro II esteve no Rio Grande,
em 02 de novembro de 1865, foi o Comendador Tigre quem o saudou em nome do
Corpo Consular da cidade”.
Antonio da Silva Ferreira Tigre foi um dos
homens de maior destaque no comércio da cidade do Rio Grande no século 19.
Nasceu em Póvoa do Varzim em 23-11-1825 e faleceu em 16-09-1885, sendo
enterrado no cemitério católico. Em Pelotas, casou em 25-01-1847 com Emilia
Vizeu Tigre (12-01-1830/23-11-1880) com quem teve 14 filhos. Em 1855 ocupou o
cargo de Vice-Cônsul da Sardenha; em 1865 o de Vice-Cônsul da Itália; em 1875 o
de Vice-Cônsul de Portugal; em 1876 foi agraciado por S.M. Fidelíssima D. Luiz
I, Rei de Portugal, com o título de Fidalgo Cavaleiro de sua Real Casa; em 1881
o de Cônsul Honorário de Portugal. Foi secretário da Câmara do Comércio da
Cidade do Rio Grande entre 1850-52, aparecendo freqüentemente nos jornais da época
pela participação em atividades culturais e religiosas, inclusive como
Imperador em festividades do Divino Espírito Santo.
Tigre
trabalhava como atacadista e com negócios de exportação de charque, residindo
no sobrado da rua General Netto esquina da rua Marechal Floriano, parte
superior, sendo o térreo ocupado para atividade comercial. Até alguns anos
atrás ainda havia na parte dos fundos do térreo uma dependência cuja janela era
protegida por barras de ferro, constituindo-se provavelmente na senzala urbana.
Este prédio é a atual Prefeitura Municipal, imóvel vendido pela família Tigre à
Intendência Municipal em 1894, sendo reformado alterando o estilo colonial para
o neoclássico em 1900.
O avô,
Manoel Inácio de Lacerda Werneck, natural do Rio de Janeiro, foi engenheiro da
Comissão das Obras da Barra do Rio Grande, da Estrada de Ferro Bagé/Uruguaiana,
da Estrada de Ferro Porto Alegre/Uruguaiana e da Companhia Francesa das
Estradas de Ferro. Foi nomeado Intendente Municipal em 07 de março de 1896,
tendo permanecido no cargo até o seu falecimento em 09 de outubro de 1899.
Werneck casou com a filha do Comendador, Branca Tigre com quem teve os filhos:
Elisa, Raul, Mário, Celina, Manoel Filho, Dora e Branca Filha. Branca Tigre de
Lacerda Werneck mandou construir em 1909 o palacete à rua Andrade Neves nº 189,
ao lado da Igreja Nossa Senhora da Conceição. Ali passou a residir com os
filhos vindo a falecer em 1926.
E os pais de
Walter Albrecht? Segundo o seu próprio relato “Carlos Albrecht Junior, nascido
nesta cidade do Rio Grande, concluiu sua educação na cidade de Hamburgo
(Alemanha) onde se apaixonou pela fotografia. São de autoria dele fotografias
das obras da Barra e do Porto Novo do Rio Grande. Casou em primeiras núpcias
com Celina Werneck, 4ª filha do casal Manoel Ignácio/Branca, de cujo casamento
nasceu o filho Carlos Henrique. Tendo falecido sua esposa Celina, Carlos
Albrecht Junior voltou a casar, desta vez com a 6ª filha do casal Manoel
Ignácio/Branca, Dora, sendo descendentes deste casal os filhos Walter, Ernesto
e Lotte.”
Recuamos no tempo ao Comendador Tigre, ao
engenheiro/Intendente Municipal Manoel Ignácio de Lacerda Werneck e a Carlos
Albrecht Junior. Inúmeros personagens da família de Walter Albrecht podem
ampliar esta história que remonta ao período de consolidação do comércio
charqueador, a edificação dos caminhos de ferro que escoavam a produção gaúcha
em direção ao Porto do Rio Grande nas duas últimas décadas do século 19 e ao
período de expansão das relações capitalistas de produção nas primeiras décadas
do século 20, com as grandes obras da Companhia Francesa, além de experiências
inovadoras como as ligadas à aviação comercial no Brasil. A História processo é
alimentada e encontra sentido na Memória enquanto experiência subjetiva e
familiar que projeta o acontecer humano no tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário