Porto do Rio Grande em 1908

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quinta-feira, 24 de outubro de 2019

2012 E O FIM DO MUNDO

*Matéria publicada no Jornal Agora em dezembro de 2012.


Choque de um asteróide com a Terra. Acervo: NASA.

        
Conforme previsões ligadas ao “Fim do Mundo” este mês de dezembro assinala o ocaso da civilização terráquea. Contrapondo esta visão, trarei alguns aspectos da discussão sobre este tema a partir do embasamento da ciência. Já escutei de algumas pessoas (que infelizmente tem diploma universitário) de que a racionalidade só serve para provocar dores de cabeça.  Vou fazer uma defesa da ciência não como dogma, mas como instrumento crítico na construção do conhecimento.
Desde o desenvolvimento dos fundamentos da racionalidade Ocidental na Grécia Antiga, uma longa caminhada já foi trilhada no campo da história do pensamento científico. Este pensamento não é construído por deuses, mas por homens, fazendo parte das construções ligadas ao imaginário de cada sociedade. O que diferencia este conhecimento em relação ao sobrenaturalismo abstrato é a busca de fundamentos para a argumentação, respaldados em construções teóricas que almejam ou não, a enunciação de leis a partir da experimentação e repetição de experiências. As ciências nomotéticas ou exatas (que buscam fixar leis de funcionamento dos fenômenos) e as ideográficas ou sociais (análise de fenômenos sócio-culturais sem a fixação de leis), utilizam diversificados instrumentos na elaboração do saber. Diferentes olhares sobre a sociedade permitem abordagens funcionalistas, estruturais, materialistas, culturalistas etc, que buscam olhar para os fenômenos sociais a partir de referenciais críticos e construir interpretações que nunca replicam o próprio fenômeno. O que ocorre é uma interpretação fundada no uso da racionalidade.
No campo dos fenômenos físicos, a metodologia de investigação recorre à fundamentação lógica, dedutiva, experimental, ligada as ciências físicas, químicas e biológicas. A mecânica celeste desenvolvida por Johanes Kepler e fundamentada e ampliada com a gravitação universal desenvolvida por Isaac Newton embasou grande parte do funcionamento orbital da Terra e do sistema solar. A névoa ligada ao desconhecido papel do Sol, da Lua e dos planetas sobre a vida na Terra, foi dissipada através da observação científica do funcionamento dos corpos celestes. A fase astrológica enunciadora de profecias ligadas aos fins dos tempos já poderia ser superada a partir das revoluções científicas ligadas ao renascimento. Os profetas vivos do apocalipse seriam eclipsados pelo saber. Porém, o terceiro milênio, caracterizado por uma Revolução Industrial e tecnológica avassaladora, não fez sucumbir a “picaretagem milenar dos iluminados profetas do fim do mundo”.
Que o planeta Terra não é eterno é óbvio. Que fenômenos de grande porte e devastadores ocorreram ao longo dos quase cinco bilhões de anos desde a criação da Terra, também é óbvio. Afirmar que a utilização dos artefatos nucleares que existem sob controle de algumas potências militares, uma Guerra Nuclear, provocaria um Inverno Nuclear que poderia levar a extinção de um grande número das espécies vegetais e animais do planeta e de um extraordinário número de seres humanos, também é óbvio (apesar deste cenário não fazer parte de um horizonte breve -felizmente).
Mas predizer que em tal data, um fenômeno de impacto e devastação global oriundo de um corpo físico ou fenômeno extraterrestre possa ocorrer é puro exercício de ficção ou de má-fé. Se os astrônomos detectarem que um asteróide está sendo atraído pelo campo gravitacional da Terra e se chocará com o planeta em determinado prazo, isto é uma informação a ser levada a sério. E não seria um fenômeno estranho ao longo de bilhões de anos mas a chance de acontecer em nosso tempo de existência é mínimo. A Terra não é uma esfera azul pairando estática tendo por fundo o Cosmos. Ela foi criada a partir de uma inimaginável turbulência (contendo materiais pesados do que um dia foram estrelas as quais também não são eternas) e até o presente interage com os corpos que fazem parte do sistema solar.
Mas as grandes mudanças e as mais próximas, estão no subsolo do planeta. A aparente firmeza do solo não passa de uma ilusão pois estamos em cima de placas tectônicas que estão em movimento tendo por base um oceano de lava. Por vezes, em várias partes do planeta, esta lava flui em forma de fenômenos vulcânicos. Mais comum são as placas se chocarem ou se acomodarem e provocarem os terremotos e maremotos, fenômenos que podem ser devastadores. O planeta se situa num cenário em que os humanos são a espécie que controla e dizima outras espécies. Porém, muitas vezes, ao devastar certos ecossistemas provocam a difusão mundial de doenças ou assiste a mutação de cepas de espécies não totalmente controláveis como os vírus influenza. A devastação dos recursos naturais e não renováveis e dos mananciais de água potável também são cenários preocupantes frente a uma população que já supera sete bilhões de habitantes e que continua a crescer de forma insustentável. É claro que a vantagem de um grande cataclismo astronômico (para os amantes do fim do mundo) é a devastação global e sem negociação, enquanto estes fenômenos antrópicos podem se estender por décadas com tentativas de solução através do desenvolvimento de técnicas ou grandes movimentos sazonais de grandes contingentes de população (no caso da elevação do nível dos oceanos e da inundação dos complexos urbanos e industriais situados junto à zona costeira dos continentes).  
Por mais que os apocalípticos tentem prever (e não consigam acertar datas), eles estão certo numa coisa: o planeta em algum momento do futuro sofrerá uma devastadora destruição. Não há como saber se quando isto ocorrer os seres humanos ainda estará no planeta ou terão se destruído em guerras nucleares ou convencionais. Ou se a aceleração do processo de aquecimento global (este um fator de curta e média duração gravíssimo ligado a crescente emissão de CO2 na atmosfera) leve ao desaparecimento da maioria dos habitantes após conflitos que podem lembrar o filme “Mad Max”. Ou ainda se explosões solares sem precedentes possam assar qualquer forma viva e fizer os oceanos ferverem na maior panela de pressão que possa ser imaginada. Multifacetados são os cenários...
É preciso lembrar que as formas de vida são passageiras e evolutivas, a espécie humana é uma destas formas que se constituiu como hominídeos a menos de cinco milhões de anos e como homo sapiens a pouco mais de 50 mil anos. São tempos breves em relação ao tempo cósmico que se estende por mais de 14 bilhões de anos. Os planetas, as estrelas e as galáxias, não são perenes mas estão situadas em dinâmicas de criação e destruição, num processo chamado “Big Bang” cuja fronteira final de expansão pode ser eterna.
O que nos espera no próximo dia 21 de dezembro de 2012, o dia do “Fim do Mundo”. Alguns argumentos e contra-argumentos para o fim e especialmente para o não fim do mundo neste dia, tratarei na próxima matéria.

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