Rio Grande recebeu desde o final do século XVIII, devido a sua localização
portuária com rotas nacionais e internacionais, o aporte de experiências
multifacetadas oriunda de diversos países. O comércio interoceânico catalizou a
vinda de cidadãos de várias nacionalidades que deixaram registros sobre a
constituição urbana da localidade.
Entre os estrangeiros que por aqui passaram ou radicaram-se, está o italiano
nascido em Milão, Henrique Schutel Ambauer (1840-1899) que atuou como professor
de música e residiu por vários anos no Rio Grande do Sul. Publicou A
Província do Rio Grande do Sul: descrição e viagens (Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. t. 51, 2ª parte. Rio de Janeiro: IHGB,
1888), voltado a observações, especialmente, da zona costeira do Rio Grande do
Sul.
A parte sul da zona costeira era conhecida do autor, que teve por longos
anos uma casa de música na cidade do Rio Grande. Em relação à parte norte, utilizou
escritos anteriores, dos quais inclusive transcreveu longos trechos. O
pesquisador Abeillard Barreto constatou que quando de sua presença na cidade do
Rio Grande, chegou a organizar um projeto de colonização do município, o qual
foi publicado no ano de 1883.
Conforme o historiador Francisco das
Neves Alves que realizou um estudo sobre Ambauer no livro Visões do Rio Grande. Rio Grande: FURG, 2008, a primeira
perspectiva traçada pelo autor sobre a cidade constituiu um brevíssimo histórico
e uma descrição geográfica da localidade, com destaque para o acesso, a
hidrografia, o relevo e o conjunto de ilhas no entorno da urbe. Os riscos da
costa gaúcha estão presentes na narrativa do escritor que descrevia que, entre
o 29º e o 33º austral e 49º e 53º ocidental estava uma costa baixa, árida,
monótona e triste, a qual o cauteloso navegante evitava, se não se dirigia ao
único Porto acessível da região. Sobre esta faixa litorânea, relatava que as
correntezas, os ventos, os descuidos e as espertezas tinham dado a essa costa e
ao seu Porto uma reputação pouco lisonjeira, num quadro em que, todas essas
circunstâncias promoviam a demora do desenvolvimento da navegação de alto bordo
para a Província, impedindo assim a ela tomar rapidamente o grau de adiantamento
que poderia atingir.
A respeito do acesso à comunidade portuária, Ambauer destacava que o Rio
Grande era o único que permitia a entrada de navios que não demandassem mais de
18 palmos, e isso nem sempre, sendo mais regular de 14 a 15. Explicava que,
dificultavam a passagem pela da Barra dois bancos que lhe obstruíam a entrada,
formando-se entre eles um canal mutável segundo a direção mais longa dos ventos
e correntezas. Narrava ainda que a massa das águas que escoava pela Barra do
Rio Grande seria mais que suficiente para ter um canal de franca navegação, se
ela não tivesse perdido o declive nos dois lagos internos e na bacia que os
recebia, de maneira que o nivelamento, que formava esse espraiamento das águas
fluviais, paralisava um tanto o seu curso e apenas o escoamento com diminuta
força permitia a conservação desse pequeno Canal da Barra. Refletindo uma das
maiores aspirações rio-grandinas, o escritor explicava que era de desejar que,
para o futuro, se encontrasse meio de aumentar a profundidade do canal, para
que a Província do Rio Grande pudesse conseguir a afluência de uma navegação
mais desenvolvida, enriquecendo-se na grande permuta internacional. O serviço
de praticagem, a sinalização náutica, as embarcações de apoio e os pontos de desembarque
também se faziam presentes na narrativa do italiano.
Com referência à organização econômica e urbana, o autor destacava que,
comercialmente a cidade do Rio Grande era considerada o interposto geral, sendo
o ponto no qual convergem tanto o comércio exterior como o interior. Nesse
quadro, relatava que a parte mais importante da cidade era o seu litoral, em
linha quase reta, de leste a oeste, no qual duas linhas de embarcações corriam
na mesma direção, deixando entre si um canal de poucas braças de largura, por
onde transitavam as embarcações que demandavam o ancoradouro. Fazia referência
ainda ao fato de que as casas que margeavam o litoral, como eram quase todas de
sobrado de um e dois andares, algumas elegantes com graciosos mirantes, davam
agradável aspecto ao panorama visto do mar, seguindo-se, porém, algumas ruas
paralelas e outras transversais, que não valeriam à primeira, havendo apenas
algumas praças e casas particulares de aparência regular. Descrevia também que
a cidade possuía uma alfândega e um excelente cais para o serviço da mesma,
tendo uma praça de comércio, onde funcionava igualmente o correio, casa da câmara,
mercado, um enorme edifício – hospital de caridade – que, segundo sua
concepção, poderia ser menor e ter mais acomodações. As praças, as chácaras, o
incômodo com as areias e o abastecimento de água são outros temas abordados por
Ambauer, para quem era fora de dúvida que a cidade do Rio Grande viria a ser
uma das mais importantes das do Sul da América, quando um caminho de ferro a
ligasse com a fronteira da Província.
Conforme a análise de Alves, o escritor fazia alusão a certa rivalidade
existente entre os habitantes da cidade do Rio Grande e os de Pelotas, a qual,
segundo ele, não tinha razão de ser, ligadas como estavam ambas pelos
interesses mútuos, que, unindo o capital do comércio do Rio Grande ao produto
especial da indústria especial de Pelotas, facilitava os meios de riqueza e o
bem-estar dos moradores das duas cidades. De acordo com essa perspectiva o
autor apontava para o caráter complementar daquelas que eram duas das
principais comunidades sul-rio-grandenses de então, quer seja, a produção
pecuário-charqueadora concentrada no contexto pelotense e o porto de escoamento
dessa “indústria”, representado pelo Rio Grande.
Para Alves, as apreciações de Ambauer sobre a cidade do Rio Grande
refletiam a perspectiva de um morador que permaneceu largo tempo junto à
comuna, prestando um testemunho in loco
que traz em si o significado do registro histórico da urbe portuária numa época
de amplas transformações como o foi a virada do século XIX para a seguinte
centúria.
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