Planta da Província do Rio Grande em 1841. Acervo: Biblioteca digital hispânica. |
A
historiadora Mariana Thompson Flores (Por Baixo dos Panos. In: Revista de História da Biblioteca Nacional
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, n.68,
2011), pesquisou uma rede de contrabando ligando a fronteira oeste do Rio
Grande do Sul até os maiores centros urbanos da Província na segunda metade do
século XIX, provocando prejuízos para os comerciantes de cidades como Rio
Grande e Porto Alegre.
A autora
analisou a atuação de um bando de vinte homens, brasileiros, argentinos e
uruguaios, que faziam o contrabando de mercadorias das margens argentinas do
Rio Uruguai para a cidade de Uruguaiana e dali para outras localidades
rio-grandenses. O carregamento ilegal atravessou o rio Uruguai de bote para ser
entregue na casa comercial dos irmãos Juan e José Comas, comerciantes
argentinos radicados em
Uruguaiana. Porém , os guardas da fronteira fazem uma
abordagem e conseguem prender alguns dos contrabandistas, inclusive os irmãos
Comas, que são indiciados como réus. Este fato ocorrido numa madrugada do mês
de novembro de 1864 evidenciou formalmente a prática do comércio ilegal. Eram
ações do cotidiano nas fronteiras do sul do Brasil e que raramente eram
interceptados pelas autoridades.
Grandes
contrabandos como este, envolvendo um grande bando e volumes consideráveis de
mercadorias, preocupavam as autoridades alfandegárias, pois comprometiam a
arrecadação de impostos e os lucros dos grupos mercantis da região mais
desenvolvida da província: Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas. Para a
historiadora, essas operações eram feitas por mercadores que queriam abastecer
suas casas de comércio com produtos importados, que eram, obviamente,
adquiridos por um custo muito menor do que os que passavam legalmente pela
fronteira. O tráfico dispunha de um aparato complexo que envolvia transporte,
bandos de homens armados para descarregar as mercadorias e escoltá-las até seu
destino e informantes que estavam sempre dando a posição dos guardas de
fronteira, além de cúmplices na própria Alfândega. Estima-se que, pela via
oficial, um comerciante tinha que desembolsar cerca de 30% a 40% do valor de
sua mercadoria para satisfazer o fisco. Já por meios ilícitos, ele pagava
apenas de 15% a 20%. O que mais deixava as autoridades em polvorosa era saber
que as mercadorias ilegais chegavam a casas de comércio muito distantes da
fronteira e, às vezes, bem próximas do porto do Rio Grande. Mas por que os
comerciantes do oeste do Rio Grande do Sul preferiam se aventurar nos mercados
argentinos e uruguaios e não no nacional? A resposta está na facilidade de
acesso a esses lugares. Navegar pelo Rio Uruguai até os portos internacionais
de Buenos Aires e Montevidéu, localizados no Rio da Prata, era bem mais fácil
do que percorrer as tortuosas estradas que ligavam as fronteiras da província à
região portuária.
Conforme
Mariana Thompson Flores outro fator que contribuiu muito para essa atividade
foi à corrupção de funcionários. Boa parte desses produtos contrabandeados
entrava no Brasil pela Alfândega. Alguns deles passavam escondidos no meio de
outras cargas por conta das boas relações que eram mantidas entre os
comerciantes e alguns empregados da repartição, que faziam vista grossa ou
declaravam a mercadoria como bagagem pessoal. Esses procedimentos também eram
facilitados pelo fato de que não costumava haver alterações no quadro de
funcionários da Alfândega de Uruguaiana e estes, sem exceção, estavam atrelados
às redes de poder locais.
A autora
conclui que os governantes do Rio Grande do Sul admitiam em seus relatórios não
haver controle sobre o contrabando praticado nas fronteiras. Dessa forma, a
Assembléia Provincial reivindicava ao poder imperial soluções para a contenção
do comércio ilícito. Os comerciantes das principais praças de negócio lícito da
província se mobilizavam por intermédio de suas associações comerciais e
jornais de comércio para tentar combater essa situação. Nesse contexto, os
contrabandistas da fronteira iam adaptando suas práticas a fim de sustentá-las
e conservá-las, impondo assim ao governo e ao comércio lícito uma verdadeira
queda de braço que ainda se estenderia pelas primeiras décadas do século XX.
Às repetidas
queixas de comerciantes radicados no Porto do Rio Grande em relação à
dificuldade de venda de suas mercadorias no mercado provincial, advém, muitas
vezes, desta concorrência com o comércio ilícito: as altas taxas alfandegárias
pagas por alguns tinham a contrapartida da sonegação por outros.
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