Construção dos Molhes da Barra se observando o .Titan ao fundo Por volta de 1914. Acervo: Fototeca Municipal Ricardo Giovaninni. |
O historiador Gunter Axt, elaborou competente matéria sobre a segura às dificuldades da navegação no litoral do Rio Grande do Sul e no acesso a temida “barra diabólica”. O artigo “Desastres de outrora” foi publicado em julho de 2009 na revista eletrônica voto (http://www.revistavoto.com.br) e dada sua relevância e pertinência para os estudos sobre a história da cidade do Rio Grande, é transcrita aqui reproduzida na íntegra.
Houve tempo em que
chegar ou partir do Rio Grande do Sul era uma aventura incerta. A ferrovia que
nos conectava a São Paulo foi inaugurada apenas em 1910. Com estradas de
rodagem precárias, o porto de Rio Grande era nossa porta de comunicação com o
mundo. Porta era eufemismo, pois os navios precisavam vencer a barra
maldita.
O dia 11 de julho de
1887 marcou, durante muito tempo, uma lembrança macabra no Rio Grande do Sul.
Nesse dia, sumiu entre as vagas que se agigantavam próximas à barra do Rio
Grande o vapor “Rio Apa”. Às nove horas da noite, uma violenta tempestade de
inverno fustigou a costa sul e surpreendeu a embarcação que fazia a rota Rio de
Janeiro a Montevidéu e Mato Grosso, com escala em Rio Grande. Pereceram
no naufrágio todos os 40 tripulantes e os 67 passageiros. A consternação foi
geral. Exéquias solenes foram celebradas em sufrágio das vítimas por todos
os recantos. À catedral, dirigiram-se todas as autoridades superiores da
Província. O comércio fechou as portas, e a bandeira foi hasteada em funeral
nos prédios públicos e muitos particulares. Por semanas, os jornais seguiram
mencionando detalhes do desastre e nominando as vítimas. Em Rio Grande , fizeram-se
procissões à praia, de onde a população pranteada lançava flores ao mar.
A tempestade na qual
sucumbiu o “Rio Apa” tragou também os vapores “Cavour” e “Rio Jaguarão”, o
patacho “Dona Guilhermina”, a escuna “Évora” e a barca “Bedmar”. Mas tais
desgraças não se circunscreviam em um hausto. Tragédias como essa se repetiam
na costa gaúcha e, especialmente, na embocadura da barra. Notícias de
naufrágios e encalhes se sucediam. Para o viajante francês Auguste
Saint-Hilaire, a barra e o porto de Rio Grande ofereciam uma visão melancólica:
“Destroços de embarcações semienterradas na areia lembram terríveis desastres,
e nossa alma enche-se pouco a pouco de melancolia e terror”. O umbral de
entrada da Província, a sua porta de comunicação com o mundo, era um sinistro
gargalo, sorvedor de vidas; um registro espectral. A navegação lacustre no Rio
Grande do Sul era uma das mais importantes do Brasil. O primeiro navio a vapor
singrara as águas interiores da Província no ano de 1832. Até então, o percurso
pelas lagoas dos Patos e Mirim era feito por sumacas (espécie de embarcação
pequena com dois mastros), iates, brigues (embarcações de dois mastros, dos
quais o maior é inclinado para trás), patachos e escunas (embarcações ligeiras,
também de dois mastros). Os rios Jacuí e Taquari eram navegados por canoas. O
navegar era penoso, pois na subida dos rios ou na falta do vento, os
marinheiros agarraram-se nas retorcidas árvores que cresciam nas barrancas para
impulsionar suas embarcações. As estiagens, os bancos de areia, os galhos
submersos conspiravam para tornar estas rotas ainda mais difíceis. O primeiro
vapor veio trazer alento. Chamava-se “Liberal” e fora adquirido por um grupo de
empreendedores de Pelotas e Rio Grande. A navegação fluvial tomou impulso com o
êxito da experiência de colonização no Vale do Sinos. Já a partir de 1825,
registram-se os primeiros lanchões de colonos fazendo a rota para Porto Alegre.
Em torno do binômio comércio e navegação, surgiram aos poucos empresas ligadas
a famílias de imigrantes. A partir de 1850, esta rota foi melhorada com a
introdução de navios a vapor. Assim, o tempo do percurso entre São Leopoldo e
Porto Alegre diminuiu de cinco dias, ida e volta, para 24 horas. Aos poucos, a
influência do capital comercial de origem colonial foi se estendendo para os
outros rios. Os lanchões começaram a fazer a rota pelo Rio Jacuí para Rio Pardo
e Cachoeira do Sul, em 1843. Em 1875, alguns lanchões ainda sobreviviam
navegando pelo Rio Taquari.
Foi só com um acordo
firmado em 12 de setembro de 1906, sob o governo do presidente Affonso Penna,
com o engenheiro Elmer Corthell, especialista em obras hidráulicas que
trabalhara na fixação da barra do Rio Mississipi, nos Estados Unidos, que o
problema da barra de Rio Grande começaria a ser encaminhado. Ao projeto de
desobstrução da barra e de construção dos molhes, foi também associado o
direito de exploração das instalações portuárias, que seriam encampadas pelo
governo do Estado em 1920. Dificuldade de ordem financeira, bem como a tortuosa
engrenagem administrativa da empresa concessionária protelaram o início
definitivo dos trabalhos na barra e no porto para o ano de 1909. Incidentes
imprevistos, como a ação de um violento vendaval na região em 1912, impuseram
morosidade ao andamento das obras. A progressão do molhe leste sobre as águas
encontrou ainda obstrução na escavação produzida pela arrebentação das vagas
junto à sua extremidade. Em 1915, o molhe leste foi completado com 3.940 m e prolongado até a
extensão de 4.012 m
em forma de dique submarino; o molhe oeste foi ultimado com a extensão de 4.012 m , com um
prolongamento submarino de 288
m . Em 15 de março daquele ano, a passagem pelo canal da
barra da corveta “Benjamim Constant”, com calado de 6,40 m , determinava a
desobstrução definitiva. Em 15 de novembro, a primeira seção do novo porto
entrava em operação. Foi
só a partir de então que as rotas marítimas para Rio Grande tornaram-se mais
seguras.
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