Porto do Rio Grande em 1908

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terça-feira, 22 de outubro de 2019

TEMPOS DE BRUTALIDADE

Na rara fotografia da rua Marechal Floriano (1865-1870) observa-se à direita, em primeiro plano, a rua Ewbank e os fundos do prédio da Alfândega (construído em 1827-29 e demolido entre 1870-74).
Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.


      Contrabandistas, escravistas arrogantes, assassinos de aluguel, oportunistas de plantão de ambos os sexos, são personagens que com diferentes roupagens pululam nas páginas da história. Denúncia e ironia caracterizam o jornal O Noticiador que em suas páginas dão vida a alguns destes personagens que estavam bem enraizados no distante ano de 1834...
         Brutalidade e arrogância?: Francisco Soares Andréa e Lamenha teriam sido comandantes na cidade e responsáveis por “crueldades que ainda estão bem patentes aos olhos daqueles que foram vítimas da férrea mão desses dois tigres com figura humana”, 18 de janeiro de 1834. “Ficamos sabendo que o nome do Sr. Brigadeiro (Andréa) se tornou histórico, e pertence ao catálogo dos pro cônsules que comandavam a turca e tinham a sua disposição ferros, troncos, argolão, cinto de couro, rodas de pau etc. O Sr. Andréas ficará pasmado de ver os miseráveis restos do traquete roto, isto é, os pulverizados vestígios das trincheiras que supomos se fizeram na memorável época do seu comando, para de nenhuma economia, mais de quarenta contos de réis; crescerá a admiração de S.S. quando vir que até os verdes e mimosos salsos que o seu trabalho só desvelo havia feito plantar (segundo nos informam) para maior segurança e fresca sombra dos sitiados quando chegassem a esse extremo, não existem, nem ao menos um para consolo do provido cultor”, 21 de janeiro de 1834.
Notícias de corrupção: “Entrou uma embarcação da Bahia e traz a seu bordo trinta pretos, já se sabe ladinos e bem ladinos; vieram de cabinda há muito tempo; ninguém dirá que são novos. Srs. Fiscais de Política e Fazenda acordem, pois que os perversos contrabandistas e seus colaboradores de gancho não tem pejo; ainda bem não se tem saído de uma, já despejadamente se preparam para outras”, 22 de fevereiro de 1834.
Arrogância dos traficantes de escravos: “Correspondência – Ilmo. Sr. Participo a V. S. (Administrador da Mesa Fiscal do Norte) que hoje uma hora da manhã rondando o Rio, e na altura do canal da Barca, encontrei a José da Silva Neves, em uma tanxa, com tripulação de oito homens, conduzindo a seu bordo três escravos novos, como o mesmo viesse armado e a sua força fosse maior do que a que me acompanhava, e mesmo por que não me era possível abandonar outra diligência de grande importância que me havia incumbido o Juiz da Alfândega, e como o sobredito Neves se obrigou a apresentá-los a qualquer autoridade no dia de hoje, anui a sua promessa, isto por não ter meios nem forças com que o obrigasse entregá-los”, 22 de março de 1834. *Nos dias seguintes, por ter feito a denúncia, o funcionário sofreu constrangimentos e ameaças do truculento traficante de escravos.
Desinteresse ou sadismo do carcereiro?: “A prisão civil é segura; porém, não tem as comodidades que a constituição prescreve, por isso que tem pouco espaço e os presos de correção estão juntos com os facinorosos, além disso, a pouca atividade dos encarregados de sua limpeza, a tornam quase sempre imunda, resultando disso não só terríveis infectações aos infelizes presos, como até ao público. A comida além de mal feita é mui pouca, que mal chega para comerem uma vez em 24 horas e isto mesmo mal administrado, pela irregularidade das horas, cuja falta julgamos ser do Carcereiro, ou de quem o deve fiscalizar; por tanto a Comissão julga de seu dever lembrar a esta respeitável Câmara o aumento das rações aos miseráveis presos, assim como espera que o sr. procurador da mesma, olhe para estes infelizes com aquela filantropia que é própria a uma alma bem formada. A sobredita prisão contém 9 presos, 3 sentenciados, 2 para correção e 4 para diversas averiguações (Comissão encarregada de visitar as prisões e estabelecimentos de Caridade)”, 30 de abril de 1834.
Águas da charqueada: “Chamamos a atenção da Câmara Municipal sobre uma charqueada, que se estabeleceu na extremidade desta vila, no mesmo lugar onde ela mandou construiu uma cisterna para as embarcações fazerem aguada e no sítio que se faz lavagem pública (...) exala pútridos miasmas”, 14 de maio de 1834.
Tentativa de suborno e tráfico humano: “É voz pública que a embarcação Cinco de Maio conduzia ladinos; nós julgamos de nosso dever noticiar (...) porque o culpado nos havia brindado com uma negra para nos calarmos”, 14 de maio de 1834.
Ironia quanto à descarga ilícita de produtos e gentes: “Qual seria a razão porque todos os navios nacionais e estrangeiros querem ancorar ao norte do Trapiche e encostados ao Cais, havendo para o sul um largo tão grande e melhor fundeadouro? Problemas estes que se deseja resolvido pelos melhores náuticos do País”, 17 de maio de 1834.
O contrabando de moedas: “É de vós geral tanto nesta Vila como na de S. José do Norte e na de S. Francisco de Paula [Pelotas], que a poucos dias entrara por esta Barra uma Embarcação Americana, que a seu bordo conduzia moedas de cobre (...) o contrabando de cobre e de escravos faz-se há com tanta facilidade e descaramento”, 12 de fevereiro de 1834.
Moedas mais leves...: “Tenham os nossos co-provincianos muito cuidado com a nova moeda de cobre, introduzida a poucos dias nesta Província; as moedas de 80rs são do ano de 1830 a 1832; as de 40rs são do ano de 1827; a maior parte de ambas tem menos de peso”, 19 de fevereiro de 1834.
Saída estratégica: “Fugiu o Mestre do Navio Americano que a seu bordo conduziu os cento e tantos contos de réis de moeda de cobre...”, 2 de abril de 1834. *Em 1834, 100 contos era dinheiro suficiente (aproximadamente) para comprar 50.000 bois, ou 10.000 cavalos, ou 500 escravos. Muito dinheiro...
Indignação do Cônsul americano em Rio Grande, George Peack: “o cap. Do Bergantim Americano ‘Le Ganges’ está sofrendo uma detenção, além do usual em sua viagem, ocasionada por irregularidades permitidas pela Repartição de S.S., importando no mesmo que na violação dos direitos e privilégios de Cidadãos Americanos”. Ao juiz da Alfândega do Rio Grande, 5 de abril de 1834.
Refinada ironia na resposta da Alfândega do Rio Grande datada de 20 de março de 1834. “Se ao conhecimento de seu governo chegar o comportamento deste seu súdito e de outros muitos despresadores das ordens das autoridades constituídas e importadores de moeda de cobre falsa, fato bem recente praticado pelo mestre do Bergantim Brow, vindo de Boston, seguramente serão por ele premidos, pois aquele governo é sábio na pena a contrabandistas...”. 5 de abril de 1834.

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