Tornado nas imediações de São José do Norte em 27 de março de 2009. Site Papareia |
Navio Altair que naufragou em 1976 (foto do Autor). |
As matérias retiradas
do Diário do Rio Grande, relatam um intenso
temporal ocorrido entre a noite do dia 14 até a manhã do dia 15 de maio de 1856
na costa sul do Rio Grande do Sul com grande impacto nos navios que buscavam
acesso a Barra do Rio Grande. O naufrágio de várias embarcações e as mortes
ocorridas, número não esclarecido no jornal, evidencia a difícil arte da
navegação num período em que não havia previsão meteorológica de alertas de mau
tempo e nem comunicação a bordo dos navios. Hoje que o acesso via internet a
canais do tempo e o uso de vários sistemas de comunicação poderia acionar o
socorro que é prestado pelo serviço de salvamento da Marinha do Brasil, mudando
radicalmente o cenário para a ocorrência de naufrágios em nossa costa. Em 1856, a sensibilidade do
piloto e do capitão para mudanças meteorológicas e a habilidade em navegar sob
mau tempo eram essenciais para a sobrevivência.
O próprio
jornal Diário do Rio Grande demonstra
ter pouco conhecimento do que realmente aconteceu, pois as notícias chegam aos
poucos e esparsas, sendo necessário até diligências pelo delegado e
funcionários da Alfândega para percorrer o litoral e buscar vestígios dos
naufrágios. Neste sentido, fica a dúvida se realmente o número de embarcações
naufragadas não é ainda maior do que as informações que chegam. Havia uma
preocupação das autoridades com o destino da carga que chegava a praia para
evitar a apropriação dos bens por moradores ou aventureiros, reduzindo a
credibilidade no Porto do Rio Grande. Apenas cinco anos após esta série de
naufrágios, ocorreu, durante um temporal em 1861, o desastre com um navio
inglês que daria origem ao famoso Caso Christie que colocou Inglaterra e Brasil
em clima de guerra. Neste naufrágio ocorrido no Albardão, além da perda da
carga, vários tripulantes foram encontrados mortos na praia surgindo a dúvida
de que eles teriam sido mortos a fim de roubarem a carga.
A seguir a
cobertura jornalística do temporal que segundo os antigos moradores da cidade
do Rio Grande, era o maior do século até então.
“Há
três dias que chove constantemente e ao amanhecer para ontem levantou-se uma
ventania forte que durou até as 11 horas da manhã. Para logo soubemos que o
temporal tinha derrubado um dos bancos da propriedade que o sr. José Gabriel
Ferreira está edificando na rua da Alfândega, e a tarde pelo bote Caramuru chegado da Vila de São José do
Norte, fomos sabedor da perda de dois navios, o Empreendedor ao norte da Barra, e encalhado na praia do sul outro ,
que supõe-se seja estrangeiro. O patrão do Caramuru
diz que na Vila do Norte foram dar três pretos marinheiros que pertenciam à
tripulação do Empreendedor”
(16/05/1856).
“Confirmamos
as tristes notícias que ontem apresentamos, originadas pelo temporal que caiu
na noite de 14 para 15. Mais bem informados hoje temos a acrescentar que o
navio encalhado era a escuna sueca Arethuza
procedente de Cabo Verde com 42 dias de viagem, carregada de sal e vários
gêneros, a consignação da casa comercial desta praça do sr. Claussen &
Bertran. Este navio naufragou ao amanhecer do dia 15 a duas milhas ao norte
d’Atalaya despedaçando-se pouco depois. Morreram dois homens da equipagem
escapando-se com muito custo o resto da gente. O capitão deslocou um pé e teria
morrido se não fossem os socorros prestados pelo cozinheiro da mesma escuna. Os
infelizes náufragos a proporção que vinha à praça eram conduzidos em carretas
para terra por não poderem andar, aonde encontravam roupa para mudar, comprada
pelo digno comandante da praticagem, que muito se prestou. Tem vindo a praia
alguns fragmentos que se estão arrecadando debaixo da vigilância da Alfândega.
O brigue Empreendedor do Rio de
Janeiro, com destino a Porto Alegre, trazia 16 dias, com a sua perda , que foi
também total, morreu o capitão Manuel Inácio Pereira, o passageiro único que
trazia Antonio José da Costa e Silva, e treze pessoas mais da tripulação, salvando-se apenas
três pretos marinheiros. O temporal foi despropositado, tanto que, no
ancoradouro da barra algumas embarcações perderam os ferros, sendo uma delas a
barca nacional Planeta”.
(17/05/1856).
“Além dos
dois naufrágios de que já demos notícia, acaba de chegar ao nosso conhecimento
mais dois, vítimas do temporal da noite de 14; o da escuna hamburguesa Orion, capitão Huges, vinda de Newcastle,
carregada de carvão, à consignação da casa dos srs. Lind & Cia, este navio
deu à costa em S. Caetano ,
distante três léguas da Vila do Norte. O outro é um brigue que se acha
encalhado na praia dos capões em frente à casa do sr. Saraiva, o qual supõe-se
que seja inglês, procedente de Liverpool, com fazendas consignadas a casa dos
srs. Aveline Macrae & Cia.” (17/05/1856)
“Os
prejuízos causados pelo temporal da noite de 14 do corrente, não ficam nos
quatro navios naufragados e desmoronamento de propriedade da rua da Alfândega.
Cinco são os navios perdidos sobre a costa do Norte! Brigue Empreendedor; escuna Arethusa; escuna Orion; brigue inglês Ada,
de Liverpool; Capitão Gray,
naufragado nos Capões em frente a casa do sr. Saraiva e o brigue Feliz Viajante. Este último navio vinha
da Bahia, carregado com 140 pipas de cachaça e 400 barricas de açúcar, a
consignação da casa do sr. Domingo Soares Barbosa e estava em 14 braças d’água
quando recebeu o temporal, que rugindo com a impetuosidade do inferno, para logo
o desarvorou do gurupés e dos dois mastros, fez um rombo no fundo e foi a pique
vinte milhas ao E d’Atalaya, salvando-se na lancha o seu capitão sr. Francisco
Gomes d’Oliveira e toda a tripulação; os quais vieram à praia no dia 16, e
ontem chegaram a este porto. Da costa sul nada sabemos, mas já há quem diga que
no Albardão, existe um navio encalhado. Não temos exemplos de tantos naufrágios
em um só dia, mas também segundo dizem os antigos moradores do Rio Grande não
há lembrança de um tufão tão forte e prolongado. O comércio acha-se paralisado
com tão sensíveis perdas, cujo valor calcula-se em seiscentos contos”.
(18/05/1856).
“Alguma
carga do Empreendedor tem dado à
praia e já se tem salvado 60 pipas e 40 barris de vinho, bem como 40 pipas de
azeite, havendo, porém, dentre estes cascos, alguns vazios. Da carga de açúcar
nada tinha aparecido”. (18/05/1856).
“Temos
notícia de mais um navio perdido, vítima do temporal da noite de 14 do
corrente. A 3 léguas ao norte da costa de Mostardas, naufragou o patacho inglês
Edina, procedente de Newcastle
carregado de carvão à consignação da casa dos srs. Lind & Cia desta praça.
Puderam salvar-se o capitão, o piloto e um moço do navio, perecendo o resto da
tripulação. Os náufragos andaram dois dias sob o mar, nus e sem comer, até que
um pescador da costa de Mostardas os recolheu a sua pobre choupana. O portador
desta notícia diz que encontrou em vários portos daquela praia, barricas vazias
com letreiro – Pernambuco – e bem
como uma peça d’algodão”. (24/05/1856).
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