Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 22 de outubro de 2019

TEMPORAL DE MAIO

Tornado nas imediações de São José do Norte em 27 de março de 2009. Site Papareia

Navio Altair que naufragou em 1976 (foto do Autor). 


       As matérias retiradas do Diário do Rio Grande, relatam um intenso temporal ocorrido entre a noite do dia 14 até a manhã do dia 15 de maio de 1856 na costa sul do Rio Grande do Sul com grande impacto nos navios que buscavam acesso a Barra do Rio Grande. O naufrágio de várias embarcações e as mortes ocorridas, número não esclarecido no jornal, evidencia a difícil arte da navegação num período em que não havia previsão meteorológica de alertas de mau tempo e nem comunicação a bordo dos navios. Hoje que o acesso via internet a canais do tempo e o uso de vários sistemas de comunicação poderia acionar o socorro que é prestado pelo serviço de salvamento da Marinha do Brasil, mudando radicalmente o cenário para a ocorrência de naufrágios em nossa costa. Em 1856, a sensibilidade do piloto e do capitão para mudanças meteorológicas e a habilidade em navegar sob mau tempo eram essenciais para a sobrevivência.
O próprio jornal Diário do Rio Grande demonstra ter pouco conhecimento do que realmente aconteceu, pois as notícias chegam aos poucos e esparsas, sendo necessário até diligências pelo delegado e funcionários da Alfândega para percorrer o litoral e buscar vestígios dos naufrágios. Neste sentido, fica a dúvida se realmente o número de embarcações naufragadas não é ainda maior do que as informações que chegam. Havia uma preocupação das autoridades com o destino da carga que chegava a praia para evitar a apropriação dos bens por moradores ou aventureiros, reduzindo a credibilidade no Porto do Rio Grande. Apenas cinco anos após esta série de naufrágios, ocorreu, durante um temporal em 1861, o desastre com um navio inglês que daria origem ao famoso Caso Christie que colocou Inglaterra e Brasil em clima de guerra. Neste naufrágio ocorrido no Albardão, além da perda da carga, vários tripulantes foram encontrados mortos na praia surgindo a dúvida de que eles teriam sido mortos a fim de roubarem a carga.
A seguir a cobertura jornalística do temporal que segundo os antigos moradores da cidade do Rio Grande, era o maior do século até então.
         “Há três dias que chove constantemente e ao amanhecer para ontem levantou-se uma ventania forte que durou até as 11 horas da manhã. Para logo soubemos que o temporal tinha derrubado um dos bancos da propriedade que o sr. José Gabriel Ferreira está edificando na rua da Alfândega, e a tarde pelo bote Caramuru chegado da Vila de São José do Norte, fomos sabedor da perda de dois navios, o Empreendedor ao norte da Barra, e encalhado na praia do sul outro , que supõe-se seja estrangeiro. O patrão do Caramuru diz que na Vila do Norte foram dar três pretos marinheiros que pertenciam à tripulação do Empreendedor” (16/05/1856).
“Confirmamos as tristes notícias que ontem apresentamos, originadas pelo temporal que caiu na noite de 14 para 15. Mais bem informados hoje temos a acrescentar que o navio encalhado era a escuna sueca Arethuza procedente de Cabo Verde com 42 dias de viagem, carregada de sal e vários gêneros, a consignação da casa comercial desta praça do sr. Claussen & Bertran. Este navio naufragou ao amanhecer do dia 15 a duas milhas ao norte d’Atalaya despedaçando-se pouco depois. Morreram dois homens da equipagem escapando-se com muito custo o resto da gente. O capitão deslocou um pé e teria morrido se não fossem os socorros prestados pelo cozinheiro da mesma escuna. Os infelizes náufragos a proporção que vinha à praça eram conduzidos em carretas para terra por não poderem andar, aonde encontravam roupa para mudar, comprada pelo digno comandante da praticagem, que muito se prestou. Tem vindo a praia alguns fragmentos que se estão arrecadando debaixo da vigilância da Alfândega. O brigue Empreendedor do Rio de Janeiro, com destino a Porto Alegre, trazia 16 dias, com a sua perda , que foi também total, morreu o capitão Manuel Inácio Pereira, o passageiro único que trazia Antonio José da Costa e Silva, e treze  pessoas mais da tripulação, salvando-se apenas três pretos marinheiros. O temporal foi despropositado, tanto que, no ancoradouro da barra algumas embarcações perderam os ferros, sendo uma delas a barca nacional Planeta”. (17/05/1856).
“Além dos dois naufrágios de que já demos notícia, acaba de chegar ao nosso conhecimento mais dois, vítimas do temporal da noite de 14; o da escuna hamburguesa Orion, capitão Huges, vinda de Newcastle, carregada de carvão, à consignação da casa dos srs. Lind & Cia, este navio deu à costa em S. Caetano, distante três léguas da Vila do Norte. O outro é um brigue que se acha encalhado na praia dos capões em frente à casa do sr. Saraiva, o qual supõe-se que seja inglês, procedente de Liverpool, com fazendas consignadas a casa dos srs. Aveline Macrae & Cia.” (17/05/1856)
“Os prejuízos causados pelo temporal da noite de 14 do corrente, não ficam nos quatro navios naufragados e desmoronamento de propriedade da rua da Alfândega. Cinco são os navios perdidos sobre a costa do Norte! Brigue Empreendedor; escuna Arethusa; escuna Orion; brigue inglês Ada, de Liverpool; Capitão Gray, naufragado nos Capões em frente a casa do sr. Saraiva e o brigue Feliz Viajante. Este último navio vinha da Bahia, carregado com 140 pipas de cachaça e 400 barricas de açúcar, a consignação da casa do sr. Domingo Soares Barbosa e estava em 14 braças d’água quando recebeu o temporal, que rugindo com a impetuosidade do inferno, para logo o desarvorou do gurupés e dos dois mastros, fez um rombo no fundo e foi a pique vinte milhas ao E d’Atalaya, salvando-se na lancha o seu capitão sr. Francisco Gomes d’Oliveira e toda a tripulação; os quais vieram à praia no dia 16, e ontem chegaram a este porto. Da costa sul nada sabemos, mas já há quem diga que no Albardão, existe um navio encalhado. Não temos exemplos de tantos naufrágios em um só dia, mas também segundo dizem os antigos moradores do Rio Grande não há lembrança de um tufão tão forte e prolongado. O comércio acha-se paralisado com tão sensíveis perdas, cujo valor calcula-se em seiscentos contos”. (18/05/1856).
“Alguma carga do Empreendedor tem dado à praia e já se tem salvado 60 pipas e 40 barris de vinho, bem como 40 pipas de azeite, havendo, porém, dentre estes cascos, alguns vazios. Da carga de açúcar nada tinha aparecido”. (18/05/1856).
“Temos notícia de mais um navio perdido, vítima do temporal da noite de 14 do corrente. A 3 léguas ao norte da costa de Mostardas, naufragou o patacho inglês Edina, procedente de Newcastle carregado de carvão à consignação da casa dos srs. Lind & Cia desta praça. Puderam salvar-se o capitão, o piloto e um moço do navio, perecendo o resto da tripulação. Os náufragos andaram dois dias sob o mar, nus e sem comer, até que um pescador da costa de Mostardas os recolheu a sua pobre choupana. O portador desta notícia diz que encontrou em vários portos daquela praia, barricas vazias com letreiro – Pernambuco – e bem como uma peça d’algodão”. (24/05/1856).

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