Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

terça-feira, 22 de outubro de 2019

O CEMITÉRIO DE NAVIOS


Catraia na Barra do Rio Grande em 1847. Atalaia à direita. 


Vento pampeiro (1824). Jean Debret.
          Segundo Hugo Neves, a Barra do Rio Grande foi denominada de cemitério de navios, sendo durante longo período criticada a sua insegurança e pouca profundidade, isto até a realização das obras pela Companhia Francesa ligadas a construção dos Molhes da Barra do Rio Grande na década de 1910.[1] O autor constatou que entre 1847 e 1889 ocorreu o naufrágio de 73 navios na Barra, tendo entrado 24.581 embarcações e saído 24.358. Dos navios que entraram, o maior número de naufrágio foi o de transporte de sal (20 navios) pois era um produto básico para as charqueadas. Na saída, navios levando couro e charque foram os mais perdidos. Dos afundamentos 38% dos navios eram brasileiros e 22,6% eram navios ingleses. Neves afirma que a denominação de cemitério de navios é exagerada, pois ocorreu um navio perdido para 2.435 saídas através da Barra.
Se considerarmos o período de 1839 até 1889, ou seja, ao longo de meio século, 250 pessoas perderam a vida nestes naufrágios. Em relação a procedência das embarcações, predominou o sal, com vinte e cinco navios perdidos, dos quais onze do porto espanhol de Cadiz, seguido do carvão de pedra, com quinze navios, açúcar em dez e vinho em cinco navios afundados”.[2]
A intensa movimentação marítima com portos brasileiros, com o Uruguai, Argentina, Chile e Estados Unidos, além de portos europeus na Inglaterra, Portugal, Espanha, França, Itália, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Suécia, Noruega, Áustria e Alemanha, exigiam um cuidado redobrado no acesso a Barra do Rio Grande. Neste sentido, “o serviço da Praticagem da Barra, na maior parte do período, demonstrou eficiência como aparece nos artigos dos jornais, quando sobreviventes dos sinistros agradecem as autoridades, elogiando a atuação dos práticos e seus ajudantes”.[3]
A relação a seguir exemplifica alguns dos naufrágios ocorridos na Barra do Rio Grande:
15 de janeiro de 1832: bergantim nacional Flor do Brasil, procedente de Santa Catarina, 11 dias de viagem, carregamento de sal, arroz e melado, encalhou e naufragou no banco. Mestre Jacinto de Sousa Nunes. Salvou-se a tripulação.
23 de outubro de 1832: bergantim inglês Northumberland procedente do Rio de Janeiro, 11 dias de viagem, lastro areia, naufragou no cabeço sudoeste da barra. Mestre Turner William. Salvou-se a tripulação.
05 de setembro de 1835: patacho português Angélica, procedente do Porto, 74 dias de viagem, carregamento sal. Mestre Antonio Gomes da Silva. Salvou-se a tripulação.
 03 de outubro de 1839: naufragou uma catraia, perdendo a vida oito tripulantes. A catraia estava conduzindo o barco a vapor Paquetá do Norte, que transportava 130 praças de infantaria para Santa Catarina.
13 de setembro de 1843: brigue sardo São José, procedente de Montevidéu conduzindo quarenta e sete passageiros e treze tripulantes, naufragou juntamente com o brigue nacional Prazeres de Pelotas, em conseqüência de um forte temporal. Perderam a vida vinte e sete pessoas.
27 de setembro de 1851: escuna inglesa Elisa Francis, ao sair da barra, naufragou no banco do sul. Salvou-se a tripulação. Parte do carregamento foi salvo e leiloado: 4345 couros salgados e de novilhos, 3391 couros cavalares, 13142 chifres e 6 toneladas de unhas de boi.
22 de abril de 1855: patacho nacional Santa Cruz, com 19 dias de viagem, procedente de Pernambuco, carregamento açúcar, consigando a Thomas Aquino Ribeiro. Salvou-se a tripulação.
01 de fevereiro de 1857: brigue nacional Encantador, carregamento de charque, saindo do Porto do Rio Grande, bateu no banco naufragando frente a São José do Norte.
02 de maio de 1857: patacho holandês Erato, procedente de Liverpool, carregamento carvão de pedra, investiu a barra e naufragou. Salvou-se a tripulação.
03 de novembro de 1858: patacho nacional Philintho, procedente do Rio de Janeiro, carregamento diversas mercadorias. Encalhou no Lagamar, começou a desmanchar-se após um tufão, morrendo quatorze pessoas: doze tripulantes e dois passageiros.
27 de junho de 1875: a Presidência da Província, considerando que o vapor Gomos, encalhado na barra, ocasionou o naufrágio dos navios também ingleses Gerent e Ada, ordenou que os restos do Gomos fossem imediatamente destruídos.
03 de julho de 1879: brigue alemão Henriette, carregamento de trilhos de ferro, consignados ao engenheiro da estrada de ferro do norte desta província, encalhou e afundou no cabeço SE da barra. Salvou-se a tripulação.
09 de julho de 1882: brigue alemão Ida e o patacho alemão Tiger, procedentes de Hamburgo, carregamento de vários gêneros, consignados a Warneck & Dorken, encalharam e foram ao fundo posteriormente. Salvaram-se as tripulações.
19 de janeiro de 1868: escuna prussiana Eitea, procedente de Hamburgo, carregamento carvão de pedra, consignado a Rannirger & Titzk e ainda 55 colonos. Encalhou e posteriormente foi ao fundo, légua e meia ao sul da barra. Salvaram-se os tripulantes e os colonos.
11 de julho de 1887: vapor nacional Rio Apa, procedente do Rio de Janeiro com destino a Corumbá. Teria sido a quarta vítima do temporal do ‘Carpinteiro da Praia’ pois outras três embarcações naufragaram neste dia. No Rio Apa morreram 112 pessoas, na tragédia de maior perda humana da história da Barra do Rio Grande.


[1] NEVES, Hugo. A insegurança e os naufrágios na Barra do Rio Grande (1822-1889). In: ALVES, Francisco das Neves. Náufragos e Naufrágios no Litoral do Rio Grande. Rio Grande: FURG, 2001, p.28.
[2] NEVES, Hugo. Naufrágios no litoral sul-rio-grandense (1822-1889) In: ALVES, Francisco das Neves. Náufragos e Naufrágios no Litoral do Rio Grande. Rio Grande: FURG, 2001, p.75.
[3] NEVES, Hugo. A insegurança e os naufrágios na Barra do Rio Grande (1822-1889). In: ALVES, Francisco das Neves. Náufragos e Naufrágios no Litoral do Rio Grande. Rio Grande: FURG, 2001, p.53.

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