Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Pôster do Governo Brasileiro no contexto da Guerra. Acervo: Casa da FEB. 

 
No mês de agosto de 1942, o Brasil declarava guerra ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão), passando a fazer parte do maior conflito militar já ocorrido na história da humanidade. Iniciado em 1 de setembro de 1939, quando da invasão da Polônia pela Alemanha nazista, a II Guerra Mundial ampliou o cenário para cerca de 70 países envolvidos até o seu encerramento em setembro de 1945. No total, foram mais de 70 milhões de mortos. Disputa de mercados, ideologias, nacionalismos exacerbados, vários fatores levaram a este quadro devastador.
Sob forte pressão popular, o governo brasileiro colocou-se ao lado dos Aliados, após vários navios mercantes serem afundados por submarinos alemães e mais de 500 brasileiros terem morrido nestes naufrágios. O país, em 1944, enviou mais de 25.000 homens da Força Expedicionária Brasileira para combater na Itália, os chamados ‘pracinhas’. Já no território brasileiro, para vigiar a extensa linha de praia, foram convocados cerca de 100 mil homens para garantir a segurança do litoral. 
Em Rio Grande, cidade industrial e de elevada importância estratégica devido a Barra e Porto do Rio Grande, a guerra foi sentida desde o seu início. No mês de agosto de 1942, as matérias do jornal ‘Rio Grande’ já permite visualizar o clima de confronto: “Longa já vai se tornando à medida que o tempo flui e, com ele, esta tremenda e inexorável guerra que devasta o mundo e enche de horror a humanidade, a lista dos atentados da pirataria nazifascista contra a marinha mercante brasileira. Divulga hoje o ‘Diário de Notícias’ através de nota oficial, fornecida a imprensa pelo DIP, mais um torpedeamento de navio nosso em águas do Atlântico. Desta vez, foi o Tamandaré do Loyde Brasileiro, posto ao fundo nas proximidades da ilha de Trindade, às 6 horas do dia 26 do corrente mês” (1/8/1942).
Enquanto nos cinemas ‘Leão XIII’ e ‘Imperial’, estava em cartaz o famoso filme de Charles Chaplin ‘O Grande Ditador’ (brilhante crítica a Adolf Hitler), o jornal ‘Rio Grande’ denuncia o nazifascismo, como se observa nesta manchete: “Agora Basta – protestos de ordem moral não tem serventia pois, os governos da Alemanha, da Itália e do Japão não conhecem a moral”. Mas o momento culminante, que conduziu a entrada na Guerra foi o afundamento de mais cinco navios: “O Brasil, mais uma vez, profundamente ferido pelos covardes piratas da trindade maldita. Afundados os navios Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arará. O povo brasileiro, indignado, exige represálias contra a corja de bandidos que quer dominar o mundo” (18 de agosto).
         E as represálias ocorreram em várias cidades brasileiras, com a destruição de casas comerciais e residências, além de agressões a súditos do Eixo ou descendentes: “O povo protesta. Verdadeira massa popular, cheia do mais são patriotismo, percorreu as ruas da cidade, num eloqüente protesto contra o banditismo dos totalitários (18 de agosto).
Os excessos de patriotismo converteram-se em vandalismo que promoveu o saque de inúmeras casas comerciais e até residências. Rio Grande esteve neste trajeto de destruição devido à expressiva presença de comerciantes e industriais de origem/descendência, especialmente, alemã: “O povo num justo e compreensível movimento de repulsa pelos crimes praticados pelos nazistas contra os nossos marinheiros, soldados e indefesas crianças e mulheres, apedrejou diversas casas comerciais pertencentes a alemães, italianos, conhecidos quinta colunistas e simpatizantes da trindade maldita integrada por Hitler, Mussolini e Hiroíto. (...) Todas essas sinceras manifestações patrióticas são, entretanto, apenas uma pequena advertência aos traidores quinta-colunas, para que eles constatem de que será capaz o bravo povo brasileiro, em caso de um chamamento da Pátria” (19 de agosto). Em Porto Alegre, a devastação de casas comerciais, especialmente na Rua da Praia, foi absurda e fugiu ao controle das autoridades. Em Rio Grande, as manifestações também foram intensas: “O Povo protesta! Durante a manhã de ontem era desusado o movimento na urbs, quando o nosso povo, ainda possuído da mais alta indignação pelos últimos acontecimentos que vieram ferir profundamente os sentimentos pátrios do Brasil, andava pelas ruas da cidade, dando expansões a sua justificada indignação. (...) Os manifestantes, sempre aos vivas ao Brasil, ao Presidente Vargas e fortes morras aos sombrios tiranos do Eixo e a traidora quinta-coluna, encaminharam-se para a Radio Rio-grandina (ZYC-3). (...) E assim dentro de um são e ardoroso patriotismo, o povo da gloriosa terra de Tamandaré, Marcilio Dias e Conde de Porto Alegre, manifestou, de público e raso, a sua repulsa pelos monstros que infestam a terra, pretendendo anular a Civilização e matar o que a Humanidade possui de mais sagrado – a Liberdade!” (20 de agosto).
Foi necessário estabelecer normas repressivas aos excessos de ‘patriotismo’: “Para Manter a Ordem. Determinações do Chefe de Polícia do Estado. A– Todos os bares e botequins cerrarão as suas portas as 20 horas. B- A população deve recolher-se as suas residências até as 22 horas, excluídas as pessoas que, em virtude das atividades que exercem, necessitem locomover-se depois daquela hora. C- Todas às diversões terminarão as 22 horas. Tendo a população já expandido suficientemente os seus sentimentos de desagravo patriótico, o próprio decoro do Brasil exige que não se adotem os métodos brutais de represália que caracterizam a selvageria de nossos inimigos. Ass. Aurélio da Silva Py, tenente-coronel Chefe de Polícia.” (21 de agosto).    
         A cidade passa a conviver com os exercícios de ‘blackout’ fazendo com que o cenário cotidiano de bombardeios aéreos na Europa, fosse projetado para a Barra do Rio Grande. O policiamento, para evitar sabotagens na Refinaria Ipiranga ou no complexo industrial e portuário, fez com que houvesse um forte controle da circulação nestas áreas. Inclusive para pescar nos molhes, era necessário um visto policial. São instalados baterias de canhões em São José do Norte e junto ao Molhe Oeste, além um grupo de artilharia ser deslocado do Rio de Janeiro para Rio Grande (atual 6º GAC). As orientações publicadas eram a seguintes: “Ao povo rio-grandino. Os exercícios de blackout ontem iniciados nesta cidade, vão ser continuados e mesmo ampliados. Para que dêem os resultados esperados, mister se torna a irrestrita colaboração da população civil. Deve ser restringida, ao máximo possível a iluminação no interior das casas e suprimidas as lâmpadas externas. Todas as vidraças devem ser vedadas, baixando-se os postigos ou pintando os vidros de negro. No decorrer da noite um avião deverá sobrevoar a cidade para observar os efeitos das providências recomendadas. Como a cidade deve ficar parcial ou inteiramente as escuras, convém que todos se recolham cedo as suas casas. Rio Grande 23 de agosto de 1942, Major Comandante da Praça Pedro da Costa Leite”.
        A Guerra ao nazifascimo passa a ser a palavra mais repetida na cidade, tendo este assunto preenchido o mês de agosto daquele ano. Entre indignação, revolta, medo e atos nem sempre patrióticos, a cidade sofreria uma drástica mudança no convívio democrático com outras etnias que aqui estavam desde o século XIX. De cidadãos rio-grandinos para inimigos em guerra... Aquele agosto foi de extremo desgosto...

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