Pôster do Governo Brasileiro no contexto da Guerra. Acervo: Casa da FEB. |
No mês de agosto de 1942, o Brasil declarava guerra ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão),
passando a fazer parte do maior conflito militar já ocorrido na história da
humanidade. Iniciado em 1 de setembro de 1939, quando da invasão da Polônia
pela Alemanha nazista, a II Guerra Mundial ampliou o cenário para cerca de 70
países envolvidos até o seu encerramento em setembro de 1945. No total, foram
mais de 70 milhões de mortos. Disputa de mercados, ideologias, nacionalismos
exacerbados, vários fatores levaram a este quadro devastador.
Sob forte pressão
popular, o governo brasileiro colocou-se ao lado dos Aliados, após vários
navios mercantes serem afundados por submarinos alemães e mais de 500
brasileiros terem morrido nestes naufrágios. O país, em 1944, enviou mais de
25.000 homens da Força Expedicionária Brasileira para combater na Itália, os
chamados ‘pracinhas’. Já no território brasileiro, para vigiar a extensa linha de
praia, foram convocados cerca de 100 mil homens para garantir a segurança do
litoral.
Enquanto nos
cinemas ‘Leão XIII’ e ‘Imperial’, estava em cartaz o famoso filme de Charles
Chaplin ‘O Grande Ditador’ (brilhante crítica a Adolf Hitler), o jornal ‘Rio
Grande’ denuncia o nazifascismo, como se observa nesta manchete: “Agora Basta –
protestos de ordem moral não tem serventia pois, os governos da Alemanha, da
Itália e do Japão não conhecem a moral”. Mas o momento culminante, que conduziu
a entrada na Guerra foi o afundamento de mais cinco navios: “O Brasil, mais uma
vez, profundamente ferido pelos covardes piratas da trindade maldita. Afundados
os navios Baependi, Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arará. O povo
brasileiro, indignado, exige represálias contra a corja de bandidos que quer
dominar o mundo” (18 de agosto).
E
as represálias ocorreram em várias cidades brasileiras, com a destruição de
casas comerciais e residências, além de agressões a súditos do Eixo ou
descendentes: “O povo protesta. Verdadeira massa popular, cheia do mais são
patriotismo, percorreu as ruas da cidade, num eloqüente protesto contra o
banditismo dos totalitários (18 de agosto).
Os excessos
de patriotismo converteram-se em vandalismo que promoveu o saque de inúmeras
casas comerciais e até residências. Rio Grande esteve neste trajeto de
destruição devido à expressiva presença de comerciantes e industriais de
origem/descendência, especialmente, alemã: “O povo num justo e compreensível
movimento de repulsa pelos crimes praticados pelos nazistas contra os nossos
marinheiros, soldados e indefesas crianças e mulheres, apedrejou diversas casas
comerciais pertencentes a alemães, italianos, conhecidos quinta colunistas e
simpatizantes da trindade maldita integrada por Hitler, Mussolini e Hiroíto.
(...) Todas essas sinceras manifestações patrióticas são, entretanto, apenas
uma pequena advertência aos traidores quinta-colunas, para que eles constatem
de que será capaz o bravo povo brasileiro, em caso de um chamamento da Pátria”
(19 de agosto). Em Porto
Alegre , a devastação de casas comerciais, especialmente na
Rua da Praia, foi absurda e fugiu ao controle das autoridades. Em Rio Grande , as
manifestações também foram intensas: “O Povo protesta! Durante a manhã de ontem
era desusado o movimento na urbs, quando o nosso povo, ainda possuído da mais
alta indignação pelos últimos acontecimentos que vieram ferir profundamente os
sentimentos pátrios do Brasil, andava pelas ruas da cidade, dando expansões a
sua justificada indignação. (...) Os manifestantes, sempre aos vivas ao Brasil,
ao Presidente Vargas e fortes morras aos sombrios tiranos do Eixo e a traidora
quinta-coluna, encaminharam-se para a Radio Rio-grandina (ZYC-3). (...) E assim
dentro de um são e ardoroso patriotismo, o povo da gloriosa terra de Tamandaré,
Marcilio Dias e Conde de Porto Alegre, manifestou, de público e raso, a sua
repulsa pelos monstros que infestam a terra, pretendendo anular a Civilização e
matar o que a Humanidade possui de mais sagrado – a Liberdade!” (20 de agosto).
Foi
necessário estabelecer normas repressivas aos excessos de ‘patriotismo’: “Para
Manter a Ordem. Determinações do Chefe de Polícia do Estado. A– Todos os bares
e botequins cerrarão as suas portas as 20 horas. B- A população deve
recolher-se as suas residências até as 22 horas, excluídas as pessoas que, em
virtude das atividades que exercem, necessitem locomover-se depois daquela
hora. C- Todas às diversões terminarão as 22 horas. Tendo a população já expandido
suficientemente os seus sentimentos de desagravo patriótico, o próprio decoro
do Brasil exige que não se adotem os métodos brutais de represália que
caracterizam a selvageria de nossos inimigos. Ass. Aurélio da Silva Py,
tenente-coronel Chefe de Polícia.” (21 de agosto).
A
cidade passa a conviver com os exercícios de ‘blackout’ fazendo com que o
cenário cotidiano de bombardeios aéreos na Europa, fosse projetado para a Barra
do Rio Grande. O policiamento, para evitar sabotagens na Refinaria Ipiranga ou
no complexo industrial e portuário, fez com que houvesse um forte controle da
circulação nestas áreas. Inclusive para pescar nos molhes, era necessário um
visto policial. São instalados baterias de canhões em São José do Norte e junto
ao Molhe Oeste, além um grupo de artilharia ser deslocado do Rio de Janeiro
para Rio Grande (atual 6º GAC). As orientações publicadas eram a seguintes: “Ao
povo rio-grandino. Os exercícios de blackout ontem iniciados nesta cidade, vão
ser continuados e mesmo ampliados. Para que dêem os resultados esperados,
mister se torna a irrestrita colaboração da população civil. Deve ser
restringida, ao máximo possível a iluminação no interior das casas e suprimidas
as lâmpadas externas. Todas as vidraças devem ser vedadas, baixando-se os
postigos ou pintando os vidros de negro. No decorrer da noite um avião deverá
sobrevoar a cidade para observar os efeitos das providências recomendadas. Como
a cidade deve ficar parcial ou inteiramente as escuras, convém que todos se
recolham cedo as suas casas. Rio Grande 23 de agosto de 1942, Major Comandante
da Praça Pedro da Costa Leite”.
A Guerra ao nazifascimo passa a ser a palavra mais repetida na
cidade, tendo este assunto preenchido o mês de agosto daquele ano. Entre indignação,
revolta, medo e atos nem sempre patrióticos, a cidade sofreria uma drástica
mudança no convívio democrático com outras etnias que aqui estavam desde o
século XIX. De cidadãos rio-grandinos para inimigos em guerra... Aquele
agosto foi de extremo desgosto...
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