Residência de Francisco Xavier Ferreira na rua General Bacelar com rua 24 de Maio. Fotografia por volta de 1900-1910. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
O primeiro impresso rio-grandino remonta ao
ano de 1831, quando na tipografia de Francisco Xavier Ferreira foi publicado o “Hino
que se cantou na noite do dia 24 do corrente, pela feliz notícia da Gloriosa
Elevação do Sr. Dom Pedro II ao Trono do Brasil”. O sentido da publicação
foi expressar a expectativa em torno do novo monarca, então com apenas seis
anos de idade, o qual poderia assegurar a manutenção da independência do Brasil
frente às pretensões portuguesas de recolonização e da organização política dos
restauradores. A Independência do Brasil não foi um processo pacífico mas
complexo, como provou o período regencial quando eclodiram conflitos em várias
províncias. A preocupação com os restauradores (Brasil voltar ao controle português)
não era mera ficção. O padre Bernardo Viegas que redigiu o jornal “O
Noticiador”, impresso na Tipografia de Xavier Ferreira, foi assassinado na
porta da Capela de São Francisco no contexto deste confronto. O próprio Xavier
Ferreira morreu durante a Revolução Farroupilha quando de sua participação
ativa do lado dos farrapos. Portanto, o contexto do surgimento da primeira
tipografia e da imprensa em
Rio Grande foi de conflitos e assassinatos políticos, tendo
um destino sangrento, pelo menos dois de seus fundadores.
Essa primeira publicação tipográfica da então
Vila do Rio Grande, foi analisada por Ana Cristina Pinto Matias no artigo
Francisco Xavier Ferreira e o Início da Imprensa no Extremo-Sul na “Revista
Mafuá” (n.12, 2009). A autora, faz uma leitura crítica da publicação e
contextualiza a produção textual frente aos acontecimentos políticos que
abalavam o Brasil no ano da abdicação de D. Pedro I.
Conforme Ana Cristina, “composto por sete
quadras e mais um“coro”, também de quatro versos, o hino intitulado
“Os ferros da escravidão” prega o fim do reinado de Dom Pedro I e exalta a
passagem do trono a Dom Pedro II, pois o Brasil era visto como escravo de
Portugal e a partir de então se liberta da posição de colônia portuguesa.
No nosso Pátrio Horizonte
Dourado assoma o clarão
Que anuncia já desfeitos
Os ferros da escravidão.
Triunfamos, Brasileiros,
Dessa perjura facção
Que lançar-nos projetava
Os ferros da escravidão
Nestas duas primeiras estrofes, o eu lírico
usa o pronome na primeira pessoa do plural (“nós”), o que dá voz a todo o
conjunto de brasileiros, mostrando o triunfo alcançado perante a imagem de
escravidão até então vivida no Brasil e, de forma extremamente negativa, o
regime monárquico instalado por Portugal. Presente, o maniqueísmo é visto a
partir dos primeiros versos, em que o nosso pátrio horizonte é dourado e os
outros, os portugueses, são classificados como “perjura facção”, em tempo
passado, o que concluímos que, naquele momento, a nação brasileira está livre.
O Augusto Herdeiro ao Trono
D’Brasil, Honra e Brasão
Salva a Pátria aniquilando
Os ferros da escravidão
Esta estrofe mostra a imagem tomada por Dom
Pedro II perante o povo, que era visto como um herói, pois sua ocupação no
trono tornaria o país livre do regime português, entrando o período regencial
que dava início ao império. A figura “Augusto” demonstra uma imagem muito
positiva, representando a esperança do herdeiro ao Brasil e mantendo o
maniqueísmo entre as duas nações e continentes.
Se há séculos suporta a Europa
Do despotismo o grilhão,
No Brasil nem um momento Os ferros da
escravidão
Vingou-se a Pátria insultada
No Campo d’aclamação
Lá mesmo foram quebrados
Os ferros da escravidão
No terreno Americano
Nunca mais vegetarão
Ditames do despotismo
Os ferros da escravidão
Nestas últimas estrofes, é destacado o desejo
pelo novo, pois o trecho “Se há séculos suporta a Europa” contrapõe ao trecho
“No terreno americano/ Nunca mais vegetarão”, em que o velho é deixado para
trás através da investidura de Dom Pedro II, já que era nascido no Brasil, e o
poder estaria nas mão de um brasileiro e não mais por um português como ocorreu
no período de Dom Pedro I, marcando também a oposição entre Europa e América e
confirmando a existência da lusofobia. O “Campo da aclamação” era o local dado
a tais cerimônias ocorridas na época, sendo também palco do momento da
proclamação da Independência.
Viva a Assembleia Geral
A Brasileira Nação
O Jovem Pedro Segundo
Pátria Constituição.
Sendo assim, no coro apresentado acima está
implícito o sentimento de prisão à Europa, expressando o seu fim, como
conquista a primeira constituição do país exaltado no coro como feito por D.
Pedro II, juntamente com a assembleia geral.
Após o período de Independência do Brasil de
Portugal, em 1822, surge o sentimento de pátria a ser exaltada pelos
brasileiros e por quem aqui vivia, como podemos destacar no verso “Vingou-se a
Pátria insultada/ No Campo d’aclamação”, o que é notadamente expresso neste
hino.
De modo que em geral, o tom elogioso à nação
brasileira tornava-se fonte de inspiração em composições literárias, como no
tom positivo dos versos do coro apresentado, em que o triunfo do Brasil, ao
romper com a ligação com Portugal, glorifica este feito e apresenta um
sentimento de heroísmo, o qual é atribuído a D. Pedro II. Assim, é dada a
construção de formação de uma “comunidade imaginária”, típica da época, através
da imaginação e criação o que é visto de forma maniqueísta no ponto de vista
poético”.
Para concluir, a autora afirma reitera: “A
obra de Francisco Xavier Ferreira é de suma importância para a história e
literatura do Rio Grande do Sul, como fundador da primeira tipografia e do
primeiro jornal na cidade de Rio Grande, que não difundiu apenas notícias e a
política, mas colaborou e difundiu a produção literária da região. Sua
dedicação à cidade de Rio Grande, nos mais diversos campos de atuação,
contribuiu com o crescimento da mesma e ao início da consolidação da literatura
sul-rio-grandense”.
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