Porto do Rio Grande em 1908

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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O SETE DE SETEMBRO

Cartão comemorativo do Sete de Setembro de 1860. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. 


        A Independência brasileira não teve o seu epílogo no dia 7 de setembro de 1822. Esta é a data oficial que inicia o processo de afirmação da Independência. Este processo não foi um presente, mas uma conquista. A noção de nacionalidade brasileira também não era um senso comum dos brasileiros na época de D. Pedro I e de José Bonifácio de Andrada. As décadas posteriores, durante o período regencial onde ocorreram inúmeros conflitos entre províncias e o governo central, são evidencias que identidade e nacionalidade são construções. Rememorar os episódios através de datas significa ritualizar eventos tidos como fundamentais para a caminhada de sociedades humanas que possuem um referencial histórico em comum. Como fugir a escravidão do colonizador e conquistar a liberdade pode significar luta e até a morte, as datas de Independência das nações são das mais comemoradas nos calendários nacionais.
A resistência portuguesa a declaração de Independência do Brasil provocou um conflito militar que provocou muitas mortes. Mas a resistência é um fator de criação de identidades básicas para construir um pacto de união na superação da dialética do senhor e do escravo (na acepção de Hegel). 
Em Rio Grande, a figura da Independência se expressa de forma dramática em personagens como o padre Bernardo Viegas e Francisco Xavier Ferreira, que militaram numa sociedade que defendia independência nacional contra grupos recolonizadores na primeira metade da década de 1830. Não havia certeza naquela época que o Brasil realmente manteria a sua Independência. A noção de conquista e mobilização era fundamental para aqueles homens.
Em períodos de conflito de fronteira se acentuava a noção de união pela causa nacional (como na Guerra do Paraguai ou na Segunda Guerra Mundial) e atenuava em períodos de paz. Mas como era comemorada a Independência do Brasil em Rio Grande num período não tão afastado de 1822? O jornal Diário do Rio Grande deixou registrado algumas das atividades comemorativas que eram realizadas.
No mês de julho de 1859, estava sendo construído com tábuas um forte que concentraria as atividades públicas. O local era a antiga Praça do Poço, já denominada neste ano de Praça Sete de Setembro. Mesmo local que em suas proximidades existiu o Forte Jesus-Maria-José. Existia na cidade a Sociedade Sete de Setembro que era responsável pelas festividades alusivas ao “37° aniversário da Independência do Brasil”. Conforme a matéria “às 12 horas da noite do dia 6 deverão achar-se reunidos no paço da câmara municipal todos os sócios que compõe a sociedade Sete de Setembro e em assim todos os brasileiros residentes nesta cidade, que a isso se quiserem prestar, para na hora indicada saírem a percorrer as principais ruas da cidade, levando no centro o pavilhão nacional conduzido por figuras da América e precedido de uma banda de música dando entusiásticos vivas etc., tendo por fim este solene aparato anunciar a proximidade do majestoso dia da nossa emancipação. Este bando será acompanhado também por coro de jovens vestidos a caráter (figuras de América ou como for mais próprio) que cantarão acompanhados da música o Hino da Independência em diferentes lugares da cidade sendo um deles na praça Sete de Setembro. Ao amanhecer do dia 7, na praça Sete de Setembro será saudada a aurora deste dia com uma salva de 21 tiros de canhões que estarão assentados em um forte, que para esse fim se achará elegantemente construído na dita praça,  o qual se denominará – Ipiranga. Em todas as outras praças há mesma hora indicada, se farão subir grandes girândolas de foguetes, logo que dispare o primeiro tiro de canhão, do forte que será o sinal para que em todas as praças ao mesmo tempo soltem as mencionadas girândolas. Às 11 horas do dia na igreja Matriz ao Te Deum mandado entoar pela câmara municipal deverá a ele comparecer uma comissão de 12 membros por parte da sociedade, como determina o parágrafo do artigo dos estatutos. À tarde percorrerão pelas ruas bandos de máscaras acompanhados de música também vestidos a caráter. Às 7 horas da noite haverá na praça Sete de Setembro uma suntuosa e brilhante iluminação –Diamantina –em cuja hora, os máscaras subirão para o tablado para dançarem, cantando antes no mesmo tablado o coro de jovens o Hino da Independência, o qual será no fim correspondido por uma salva de 21 tiros do forte – Ipiranga. A música tocará em coreto independente da peça da iluminação, enquanto durar a mesma. As iluminações terão lugar nos dias 7, 8 e 9 e a sociedade convidará os habitantes da cidade e, com especialidade, os da praça Sete de Setembro por anúncios para iluminarem as suas casas, tornando assim mais aparatosa à festividade. O forte – Ipiranga – no dia 7 além da salva da madrugada, salvará à 1 hora da tarde e ao pôr do sol (...) O bando de máscaras andará precedido de um pequeno carro triunfante conduzindo a figura da América. Em cada noite de iluminação subirá ao ar da praça Sete de Setembro um lindo e vistoso balão, em horas indeterminadas. Na última noite de iluminação arderá um pequeno, porém vistoso fogo de artifício. Haverá um tablado para dançarem os máscaras e um coreto para a música, na praça Municipal – 10 de julho de 1859”.
No ano seguinte, o Diário do Rio Grande noticiava a chega de João Simões Lopes e família, vindos de Pelotas, para prestigiarem as festividades do Sete de Setembro. O editorial do Diário enfatizava “Sendo assim tudo assim, a nós brasileiros, herdeiros e ascendentes de tantas glórias, possuidores do mais belo e do mais rico país do mundo, cabe com estrépito, com ênfase e com o orgulho do entusiasmo, cortejarmos com delírio o dia glorioso de nossa nacionalidade grandiosa! ...” (7 de setembro de 1860).
As festividades do ano de 1861 identificam outros espaços para os festejos: “Teatro Sete de Setembro. Companhia Lírica Italiana. Sábado, 7 de setembro, recita extraordinária em grande gala, em festejo ao glorioso aniversário da Independência do Brasil. Logo que a orquestra tiver executado uma brilhante ouverture; subirá o pano e cantar-se-á o Hino da Independência perante a efígie de Sua Majestade, o Imperador, seguindo-se logo depois a ópera em 4 atos” 6 de setembro de 1861.
         Sociedades ‘bailantes’ também participavam das comemorações: “Um baile numerosamente concorrido na noite de 6 nos salões da Euterpina e duas representações líricas nas noites de 7 a 8, ambas repletas de amadores, chamaram o aparecimento patriótico que era de esperar dos habitantes desta cidade, que sobretudo almejam a prosperidade e o engrandecimento da pátria, cuja emancipação política naquele faustoso dia celebravam. A imperial sociedade Instrução e Recreio não foi indiferente a estas demonstrações. Depois da meia noite de 6, reunidos nos salões da mesma, um grande número de cavaleiros que ali esperavam por outros que deveriam vir do baile, saíram pelas três horas da noite com archotes e o pavilhão nacional acompanhados de música, e ao troar de dezenas de foguetes a percorrerem as ruas até amanhecer havendo antes cantado o Hino da Independência nas praças Sete de Setembro e Municipal. A Câmara mandou cantar o clássico Te-Deum, que foi concorrido como sempre; os navios surtos no porto conservaram-se embandeirados e a noite iluminaram-se os edifícios públicos e algumas casas” 8 de setembro de 1861.
         Com tantas referências ao Hino da Independência, fica uma curiosidade histórica: se o Hino, por estar relacionado à D. Pedro I (apesar de não ser o único autor...), caiu em desuso após a abdicação do Imperador em 1831, qual será a letra e a música do Hino, que tanto a imprensa faz referência? Ou será que em Rio Grande, teve continuidade a execução do Hino de D. Pedro I ? Será que a letra era algo próximo a “Brava gente brasileira!/ Longe vá... temor servil:/ Ou ficar a pátria livre/ Ou morrer pelo Brasil”?

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