Fotografia do centro da cidade do Rio Grande por volta de 1890. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
Um exemplo é o de um articulista anônimo que
cria um personagem que num navio fictício chega a Rio Grande adentrando a Barra
se chocando 17 vezes nos baixios e ancorando no Porto Velho carregado de
objetos em seu interior. Aquilo que o navio traz eram as reivindicações não
realizadas como a deficiência na iluminação pública, um novo cais, calçamento
da rua da Boa Vista (Riachuelo), obras na praça municipal (atual Xavier
Ferreira), gás de qualidade etc: “Assim que a galera deu fundo, o capitão fez a
sua competente entrada na Alfândega, onde foi recebido com especial agrado por
todos os empregados e deu ao manifesto os seguintes gêneros: -A Câmara
Municipal 75 lampiões para o complemento da iluminação da cidade; -A Associação
Comercial 12.000 toneladas de carvão de pedra para concluir a escavação do
ancoradouro em todo o litoral; -Aos proprietários da rua da Boa Vista 20.000
quintais de pedras, para o calçamento da mesma; -Aos fiscais da cidade 4
caixões com 400.000 bolas de estricnina para matar a cachorrada que vagueia
pelas ruas e mesmo a de lenço no pescoço; -Ao arrematante da estacada da praça
municipal 500 linhotes de tramanduba
para o começo da obra; -Ao arrematante da iluminação 10 pipas de gás de
primeira qualidade para substituir o gás que não o é; -Ao comandante da
guarnição 50 praças para o destacamento da fronteira e de um quartel-mestre
para renderem a Guarda Nacional; -Ao empresário da companhia dramática 1
caixote com o seguinte repertório de dramas e comédias: O Teatro Ratoeira ou o Velhado do Dono, Os Faniquitos de uma Atriz ou Recordação da Ilha das Cobras...”
(08/06/1855).
Obras
no Teatro Sete de Setembro valorizaram a saída pela atual Praça Júlio de
Castilhos a qual era chamada de Praça de S. Pedro e era utilizada para venda de
produtos por quitandeiros (chegou a ser chamada de praça das Carretas) e
despejo de dejetos: “A obra do Teatro. O Teatro vai sofrer alteração que, dando
maiores dimensões e comodidades à caixa, serve ao mesmo tempo para aformosear a
praça de S. Pedro. Vimos o elegante e singelo desenho dessa obra oferecido pelo
hábil artista o sr. Lopes de Barros, e a nosso ver, uma vez levada a efeito
ficará o edifício do teatro com melhores fundos do que de frente (...) Oxalá
para o completo aformoseamento da praça de S. Pedro, aos srs fiscais se
lembrarem de que não é ela lugar próprio para o despejo de imundícies, nem para
paragem de ambulantes quitandas de nauseabundo peixe-frito” (25/05/1855).
Jogatina e cooptação de menores por
ratoneiros: “Consta que em uma das tabernas da praça S. Pedro ou suas
imediações, costumam reunir-se, mormente de noite, alguns jovens de bens verdes
anos, aí atraídos por ratoneiros que infelizmente abundam na sociedade, com o
dúplice fim de industriá-los no jogo, e nas devassas torpezas que germinam na
mente de tais indivíduos. Compete a polícia examinar o grau de veracidade desta
notícia e de suas pesquisas resultará pelo menos afugentar os vadios, e evitar
a muitas famílias pobres, mas honestas, o desgosto de verem seus filhos
prostituídos e quiçá encerrados nos muros de uma prisão”. (16/06/1855)
Baile à fantasia que muitas vezes acabava em
excessos por parte de alguns participantes afugentando as famílias. “Teatro
Sete de Setembro. Nos dias 23 e 24 do corrente mês, vésperas do dia de São
João, terão lugar os bailes masqués com grande orquestra, não faltando os
timbales, humbalo, pratos e guizos. Em frente ao portão do teatro grandes
fogueiras aquecerão aos amáveis máscaras”. (18/06/1855).
Crise na pecuária e em toda economia
provincial era fortemente sentida em 1855 reduzindo as atividades no porto:
“Era o gado vacum a matéria-prima de que sortiam os diversos ramos, que
constituíram sempre o grosso trato comercial na nossa província, e do qual
resultava a boa receita, com que ela contribuía para o Estado. Consumidos em
larga escala esses gados, não havendo já como dantes, a concorrência deles,
somos como que unicamente fornecidos pelo Estado Oriental, circunstância esta
que de per si, seria bastante para
elevar os preços a uma sensível altura, mas ainda aí não está tudo. A
longitude, em que eles nos fica, as dificuldades e riscos das conduções e a
concorrência das charqueadas, daquele estado, contribuem hoje poderosamente
para a escassez que se sente, para o preço despropositado porque vem a ficar os
gados nas nossas charqueadas, e finalmente para o consumo do pouco que nos
resta” (25/05/1855).
Ironia e irreverência evidenciam que os
malandros e desonestos já estavam bem radicados no tempo dos nossos bisavós ou
tataravós:
Mixórdia (Cantiga
dos Gaiatos da Ilha dos Paios)
O taverneiro que vende,
Por café, milho torrado,
Enganando assim o povo
Sem medo de ser multado
Sova nele!
O ourives que de liga
Na prata põe a metade
E diz ao pobre freguês
Ser de boa qualidade
Sova nele!
O açougueiro que usa
Da balança aladroada;
Vendendo carne mui magra
E essa mesmo cansada
Sova nele!
O mentiroso alfaiate,
Que ao freguês traz enganado,
Dizendo estar pronto o fato,
Não estando ainda cortado,
Sova nele!
O armador que arruma igrejas,
E também fúnebres caixões,
Vendendo por ouro-fino,
Falsificando galões,
Sova nele!
O festeiro que recebe
Do povo maquia grossa,
Pra fazer festa pomposa,
E faz festinha da roça,
Sova nele!
A mulher dona de casa
Que o dia passa a janela
Sem se lembrar da costura
E menos do arranjo dela,
Sova nela!
O jornal fanfarrão,
Que quer o povo entreter,
Com mau tipo e maus artigos,
Que a custo se podem ler,
Sova nele!
Os vendelhões em geral,
Toda mestrança de ofício;
Toda a casta de vivente
Que de velhaco da indício,
Sova neles!
Sova neles! (08/06/1855)
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