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Os jornais
são preciosas fontes para o estudo da História. Notícias ou debates travados pela
imprensa nos permite acompanhar acontecimentos do dia-a-dia, evidenciando
práticas culturais que muitas vezes identificamos com outras roupagens no
presente.
O jornal Diário do Rio Grande sistematicamente
fazia denúncias contra descomposturas cotidianas obtendo resposta dos ditos insultados através de outros
jornais. As disputas partidárias entre liberais e conservadores ou questões
pessoais se expressavam nestes confrontos. Interessante é observar que nestas
notícias vinham à tona certas práticas sociais que buscavam ser moralizadas ou
banidas. No dia 24 de janeiro de 1867, o Diário
do Rio Grande assim se manifesta: “ Queixam-se alguns moradores próximos a
uma tasca com nome de Paraíso, à rua
Paisandu, que depois das horas de silêncio, há ali grandes orgias até alta
noite, que incomodam toda vizinhança. Chamamos a atenção da polícia para ela e
para os vagabundos que a freqüentam há tais horas”. O jornal O Artista publicou um a pedido
contestando o Diário o qual responde
de forma ácida e irônica a intromissão: “Foi só ontem, e por acaso pegando no
pequeno jornal Artista de sábado,
pois, nem sempre nos damos ao trabalho de lê-lo, que deparamos com uma
asquerosa descompostura contra nós, firmada por Antonio Bento da Silva Braga,
pelo fato de termos chamado a atenção da polícia para a tasca que esse
indivíduo tem na rua Paisandu e que é só freqüentada por marujos e vagabundos,
como o sr. delegado não deve ignorar. Bento Braga que tem tão torpemente nos
ofendeu, é um pobre homem, rústico, analfabeto e que deixou de ser puxador de
carroça nesta mesma cidade para se estabelecer no propósito de ficar rico
ligeiro, com essa cova de caco! Sabia
o público disso para que não fique em dúvida a verdade, e melhor se aprecie quem
ele seja. Mas como Braga bem nos conhece, e deve melhor que ninguém ter
consciência que sua bodega é uma verdadeira casa de jogo e de orgias. Devia-nos
respeitar mais, medir à distância que nos separa e não prestar seu nome para
injuriar-nos; portanto, para que sofra as conseqüências impostas pelas leis que
nos regem, só procuraremos o recurso nelas, embora tenhamos certeza que ele
assinou de cruz esse escrito, elaborado em boa hora para O Artista, por alguns freqüentadores desta tasca, a que tão
epigramaticamente dá o pomposo nome de hotel!” (Diário do Rio Grande,
29/01/1867).
Despejo de
material fecal (tigres) era proibido mas comum e despertava a ira dos vizinhos:
“Na rua Zalony, esquina da Paisandu, existem ainda os vestígios de um tigre que
foi enterrado na noite passada, dizem que pelas duas horas! O mau cheiro que
tem exalado, não só atordoa os vizinhos como os transeuntes; portanto, o fiscal
respectivo procederia com justiça se se trata de saber quem é o autor de tais
porcarias e falta de respeito às leis” (23/02/1867).
Colocar
anúncio em jornal sobre o desaparecimento de um animal de estimação é algo
recente. Certo? Errado! Matérias sobre animais perdidos estão presentes a mais
de 140 anos nos jornais. “Desencaminhou-se da rua Pedro II esquina da do Poço,
uma cachorrinha Terra Nova, preta, com peito branco e coleira de metal amarelo
ao pescoço; quem achá-la e levar ao Dr. Martins, será gratificado, se exigir”
(13/01/1867).
Amigos do
alheio pululam pela cidade há séculos! Quando esses amiguinhos assumem o perfil mais ostensivo de assaltantes, podem
até usar artimanhas simples mas espirituosas para praticarem o ilícito: “A
polícia fez anteontem pelas 11 horas da noite uma prisão à rua Zalony, aliás
bem curiosa. Um sr. Manuel Antonio da Siqueira mais conhecido por tira-fora, pretendia surpreender a uma
família disfarçado em trajes de mulher e com o rosto pintado de preto; porém, a
polícia que não tinha recebido aviso para tão espirituosa surpresa, conhecendo
pelo andar o marmanjo, que era muito desajeitado para pertencer ao sexo
feminino, o conduziu para a cadeia. O sr. Camboin não obstante os trajes da tal
senhora, fez recolhê-la ao xadrez destinado para os homens” (09/01/1867).
Antes a prisão do que a prisão do casamento?: “Temos
notícia de um caso passado na cadeia desta cidade que se torna célebre pela sua
extravagância. Eis como nos foi relatado: Pela volta do meio-dia de 13 deste
mês, apresentou-se na cadeia desta cidade uma senhora no verdor dos anos, em
busca do carcereiro. Levada a presença deste declarou-lhe – Senhor! Recolhei-me
a vossa prisão onde desejo ficar para sempre. –E porque senhora? Tendes
cometido algum crime, trazeis ordem de alguma autoridade para serdes atendida
por mim?, lhe disse o carcereiro. –Não, continuou a jovem, mas é que não desejo
encontrar-me com meu marido, de cuja companhia eu fujo e fugirei sempre. Fazei
o que vos peço, ou (puxando uma faca), com esta degolar-me-ei!
–Esperai
senhora, disse o carcereiro, dai-me esta faca, que eu vou dar parte ao dr. delegado
e pedir-lhe licença para vos conservar aqui. Vós sereis satisfeita. –Pois bem
respondeu ela, aqui tendes a faca, ide e vinde tranqüilizar-me. O carcereiro
segue apressado à delegacia, e dando conhecimento ao sr. delegado do ocorrido,
entrega-lhe a faca, e pede as suas ordens a respeito. –‘Faça-me vir a minha
presença’, foi à primeira resolução do delegado. -Já a quis trazer, senhor, e
ela recusou vir, declarando que não sairá da cadeia e V. S. poderia ir lá caso
quisesse. O sr. Delegado então ordenando ao carcereiro que a deixasse estar na
cadeia, passa logo a indagar quem era a mulher e a quem pertencia. Só a tarde
apareceu o marido, dirigindo-se a dar
parte a delegacia do desaparecimento de sua mulher. Informado do ocorrido
declara que sua esposa é digna de seu amor, que nenhum motivo de queixa havia
entre o casal, e que reclamava a sua mulher, pois que seguramente, tinha sido
assaltada de algum ataque cerebral. –Não senhor, contestou-lhe o sr. delegado,
é prudente que não lhe apareçais. Mandai antes vossa comadre F. em cuja casa,
já sei que vós a haveis deixado, para que vá reduzi-la a voltar para a mesma
casa e depois aparecei-lhe. Tratai-a bem, e procurai viver em paz com a mãe do
vosso filho. –‘Bem, senhor delegado, tomarei esse conselho’, disse o marido e
retirou-se. O mais que se passou não sabemos, mas, sabemos que a comadre foi a
cadeia e a mulher que se perdia volveu com ela e entregou-se ao esposo”
(18/05/1856).
Para
encerrar, reproduzo o jornal A Imprensa
que noticia uma cena que atualmente seria bem retrata por Stephen King e foi
vivenciada por três indivíduos que viram-se trancafiados no Cemitério do
Bomfim. O jornal registrou...: “Fatos Diversos. Ontem, dia de São Pascoal Bailão,
pelas 5 e meia horas da tarde, passeavam três indivíduos nas imediações do
cemitério e a convite de um, entraram todos nessa respeitável habitação dos que
deixaram este mundo. Achava-se encostado a porta o alto, fornido e bem
apessoado Sr. José, cuja dignidade nessa mansão dos mortos, supomos ser a de
coveiro. Pois bem, teriam estes três indivíduos apenas dado uns vinte passos,
quando o Sr. José fechou o portão e foi-se para a sua casa, naturalmente.
Imagine-se o dissabor dos passeantes ao verem a grade fechada, sem esperança de
poder abri-la, e se poderem saltar os muros, apesar da enorme e pesada escada
que todos os três arrastaram para o conseguirem!. Em menos de cinco minutos,
mil idéias, vieram a mente dos três indivíduos, dos quais um, já se contentava
de achar uma catacumba aberta, em que se pudesse abrigar do frio que começava a
sentir-se intensamente. Finalmente, foram todos três para a grade, quais presos
na cadeia esperar o caritativo caminhante, que pude-se socorrê-los, mas com bem
pouca esperança de sucesso, quando após imensa maçada, surge um preto que devia
dar-lhe a liberdade. Esse pobre filho das matas africanas, mediante a promessa
de alguns cobres, dispo-se a ir procurar o pachorrento Sr. José, o qual
chegando ao fim flexuosamente à porta, abriu-lhe a grade, e os livrou do susto
de passarem uma péssima noite, mas prometeram não voltar ao cemitério, sem a
certeza de que o Sr. José esteja menos preocupado e em estado de ver quem entra
nele” (A Imprensa, 18/05/1855).
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