Porto do Rio Grande em 1908

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terça-feira, 22 de outubro de 2019

OS JORNAIS E AS PRÁTICAS COTIDIANAS

Rua Dr. Nascimento (prédio de dois pavimentos) é o Hospital Militar. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.


Os jornais são preciosas fontes para o estudo da História. Notícias ou debates travados pela imprensa nos permite acompanhar acontecimentos do dia-a-dia, evidenciando práticas culturais que muitas vezes identificamos com outras roupagens no presente.
O jornal Diário do Rio Grande sistematicamente fazia denúncias contra descomposturas cotidianas obtendo resposta dos ditos insultados através de outros jornais. As disputas partidárias entre liberais e conservadores ou questões pessoais se expressavam nestes confrontos. Interessante é observar que nestas notícias vinham à tona certas práticas sociais que buscavam ser moralizadas ou banidas. No dia 24 de janeiro de 1867, o Diário do Rio Grande assim se manifesta: “ Queixam-se alguns moradores próximos a uma tasca com nome de Paraíso, à rua Paisandu, que depois das horas de silêncio, há ali grandes orgias até alta noite, que incomodam toda vizinhança. Chamamos a atenção da polícia para ela e para os vagabundos que a freqüentam há tais horas”. O jornal O Artista publicou um a pedido contestando o Diário o qual responde de forma ácida e irônica a intromissão: “Foi só ontem, e por acaso pegando no pequeno jornal Artista de sábado, pois, nem sempre nos damos ao trabalho de lê-lo, que deparamos com uma asquerosa descompostura contra nós, firmada por Antonio Bento da Silva Braga, pelo fato de termos chamado a atenção da polícia para a tasca que esse indivíduo tem na rua Paisandu e que é só freqüentada por marujos e vagabundos, como o sr. delegado não deve ignorar. Bento Braga que tem tão torpemente nos ofendeu, é um pobre homem, rústico, analfabeto e que deixou de ser puxador de carroça nesta mesma cidade para se estabelecer no propósito de ficar rico ligeiro, com essa cova de caco! Sabia o público disso para que não fique em dúvida a verdade, e melhor se aprecie quem ele seja. Mas como Braga bem nos conhece, e deve melhor que ninguém ter consciência que sua bodega é uma verdadeira casa de jogo e de orgias. Devia-nos respeitar mais, medir à distância que nos separa e não prestar seu nome para injuriar-nos; portanto, para que sofra as conseqüências impostas pelas leis que nos regem, só procuraremos o recurso nelas, embora tenhamos certeza que ele assinou de cruz esse escrito, elaborado em boa hora para O Artista, por alguns freqüentadores desta tasca, a que tão epigramaticamente dá o pomposo nome de hotel!” (Diário do Rio Grande, 29/01/1867).
Despejo de material fecal (tigres) era proibido mas comum e despertava a ira dos vizinhos: “Na rua Zalony, esquina da Paisandu, existem ainda os vestígios de um tigre que foi enterrado na noite passada, dizem que pelas duas horas! O mau cheiro que tem exalado, não só atordoa os vizinhos como os transeuntes; portanto, o fiscal respectivo procederia com justiça se se trata de saber quem é o autor de tais porcarias e falta de respeito às leis” (23/02/1867).
Colocar anúncio em jornal sobre o desaparecimento de um animal de estimação é algo recente. Certo? Errado! Matérias sobre animais perdidos estão presentes a mais de 140 anos nos jornais. “Desencaminhou-se da rua Pedro II esquina da do Poço, uma cachorrinha Terra Nova, preta, com peito branco e coleira de metal amarelo ao pescoço; quem achá-la e levar ao Dr. Martins, será gratificado, se exigir” (13/01/1867). 
Amigos do alheio pululam pela cidade há séculos! Quando esses amiguinhos assumem o perfil mais ostensivo de assaltantes, podem até usar artimanhas simples mas espirituosas para praticarem o ilícito: “A polícia fez anteontem pelas 11 horas da noite uma prisão à rua Zalony, aliás bem curiosa. Um sr. Manuel Antonio da Siqueira mais conhecido por tira-fora, pretendia surpreender a uma família disfarçado em trajes de mulher e com o rosto pintado de preto; porém, a polícia que não tinha recebido aviso para tão espirituosa surpresa, conhecendo pelo andar o marmanjo, que era muito desajeitado para pertencer ao sexo feminino, o conduziu para a cadeia. O sr. Camboin não obstante os trajes da tal senhora, fez recolhê-la ao xadrez destinado para os homens” (09/01/1867).
 Antes a prisão do que a prisão do casamento?: “Temos notícia de um caso passado na cadeia desta cidade que se torna célebre pela sua extravagância. Eis como nos foi relatado: Pela volta do meio-dia de 13 deste mês, apresentou-se na cadeia desta cidade uma senhora no verdor dos anos, em busca do carcereiro. Levada a presença deste declarou-lhe – Senhor! Recolhei-me a vossa prisão onde desejo ficar para sempre. –E porque senhora? Tendes cometido algum crime, trazeis ordem de alguma autoridade para serdes atendida por mim?, lhe disse o carcereiro. –Não, continuou a jovem, mas é que não desejo encontrar-me com meu marido, de cuja companhia eu fujo e fugirei sempre. Fazei o que vos peço, ou (puxando uma faca), com esta degolar-me-ei!
–Esperai senhora, disse o carcereiro, dai-me esta faca, que eu vou dar parte ao dr. delegado e pedir-lhe licença para vos conservar aqui. Vós sereis satisfeita. –Pois bem respondeu ela, aqui tendes a faca, ide e vinde tranqüilizar-me. O carcereiro segue apressado à delegacia, e dando conhecimento ao sr. delegado do ocorrido, entrega-lhe a faca, e pede as suas ordens a respeito. –‘Faça-me vir a minha presença’, foi à primeira resolução do delegado. -Já a quis trazer, senhor, e ela recusou vir, declarando que não sairá da cadeia e V. S. poderia ir lá caso quisesse. O sr. Delegado então ordenando ao carcereiro que a deixasse estar na cadeia, passa logo a indagar quem era a mulher e a quem pertencia. Só a tarde apareceu  o marido, dirigindo-se a dar parte a delegacia do desaparecimento de sua mulher. Informado do ocorrido declara que sua esposa é digna de seu amor, que nenhum motivo de queixa havia entre o casal, e que reclamava a sua mulher, pois que seguramente, tinha sido assaltada de algum ataque cerebral. –Não senhor, contestou-lhe o sr. delegado, é prudente que não lhe apareçais. Mandai antes vossa comadre F. em cuja casa, já sei que vós a haveis deixado, para que vá reduzi-la a voltar para a mesma casa e depois aparecei-lhe. Tratai-a bem, e procurai viver em paz com a mãe do vosso filho. –‘Bem, senhor delegado, tomarei esse conselho’, disse o marido e retirou-se. O mais que se passou não sabemos, mas, sabemos que a comadre foi a cadeia e a mulher que se perdia volveu com ela e entregou-se ao esposo” (18/05/1856).
Para encerrar, reproduzo o jornal A Imprensa que noticia uma cena que atualmente seria bem retrata por Stephen King e foi vivenciada por três indivíduos que viram-se trancafiados no Cemitério do Bomfim. O jornal registrou...: “Fatos Diversos. Ontem, dia de São Pascoal Bailão, pelas 5 e meia horas da tarde, passeavam três indivíduos nas imediações do cemitério e a convite de um, entraram todos nessa respeitável habitação dos que deixaram este mundo. Achava-se encostado a porta o alto, fornido e bem apessoado Sr. José, cuja dignidade nessa mansão dos mortos, supomos ser a de coveiro. Pois bem, teriam estes três indivíduos apenas dado uns vinte passos, quando o Sr. José fechou o portão e foi-se para a sua casa, naturalmente. Imagine-se o dissabor dos passeantes ao verem a grade fechada, sem esperança de poder abri-la, e se poderem saltar os muros, apesar da enorme e pesada escada que todos os três arrastaram para o conseguirem!. Em menos de cinco minutos, mil idéias, vieram a mente dos três indivíduos, dos quais um, já se contentava de achar uma catacumba aberta, em que se pudesse abrigar do frio que começava a sentir-se intensamente. Finalmente, foram todos três para a grade, quais presos na cadeia esperar o caritativo caminhante, que pude-se socorrê-los, mas com bem pouca esperança de sucesso, quando após imensa maçada, surge um preto que devia dar-lhe a liberdade. Esse pobre filho das matas africanas, mediante a promessa de alguns cobres, dispo-se a ir procurar o pachorrento Sr. José, o qual chegando ao fim flexuosamente à porta, abriu-lhe a grade, e os livrou do susto de passarem uma péssima noite, mas prometeram não voltar ao cemitério, sem a certeza de que o Sr. José esteja menos preocupado e em estado de ver quem entra nele” (A Imprensa, 18/05/1855). 

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