Porto do Rio Grande em 1908

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domingo, 20 de outubro de 2019

OS LEÕES DA PRAÇA TAMANDARÉ: CENTENÁRIO DO MONUMENTO-TÚMULO A BENTO GONÇALVES DA SILVA (II)

 Fotografia dos restos mortais de Bento Gonçalves no ano de 1900 os quais foram colocados junto ao monumento. Acervo: Papareia. 



         Outra dificuldade para inauguração do monumento a Bento Gonçalves foi com o prazo de entrega que estava fixado para março de 1905, prolongando-se até meados de 1909. O acréscimo dos dois leões, não previstos no projeto original, encareceu o preço final da obra. Frente às críticas recebidas pelo atraso do escultor Teixeira Lopes este escreveu: “Ilmos e Exmo. Srs. É a primeira vez que me dirigem tal censura! A comissão deveria ter tido de princípio uma idéia nítida do que desejava para que não houvesse coisas a acrescentar e a cortar constantemente no projeto. As demoras e delongas são devidas exclusivamente à Comissão. Eu por meu lado já teria mandado tudo para lá e teria entrado no embolso completo da quantia que custa o tal monumento. V. Exas. Sabem, porém que, acima do negócio, ponho eu a minha reputação mais do que a ninguém (Carta de Teixeira Lopes à Comissão promotora, 23 de setembro de 1906). Desde 1901, no dia 20 de setembro, era inaugurado uma parte do conjunto que receberia a obra, a qual só foi inaugurada nove anos após as primeiras iniciativas, transcorrendo o período de uma Revolução Farroupilha. Em maio de 1909 a obra foi transportada pelo transatlântico alemão Santa Catarina e ficou retida na Alfândega do Rio Grande por um período superior ao previsto, sendo negociado e obtido pela Comissão a isenção de impostos. Datas de inauguração chegaram a ser marcadas para os dias 11 de junho (Batalha do Riachuelo) e especialmente no dia 14 de julho, comemoração da Revolução Francesa e também da Constituição Política do Rio Grande do Sul. A estátua foi assentada em 2 de junho, ficando proibida a circulação pública em seus arredores sendo inaugurada em 20 de setembro data do início da Revolução Farroupilha no ano de 1835. Grande parte da população mobilizou-se enfeitando residências e casas de comércio com as cores da bandeira rio-grandense. O Intendente Municipal Juvenal Miller, um dos entusiastas e apoiadores do monumento, faleceu no dia 9 de setembro, poucos dias antes da inauguração. Conforme o Echo do Sul do dia 21 de setembro de 1909: “O 20 de Setembro no Rio Grande, este ano, foi, sem dúvida, um dia memorável, destoando completamente dos dias comuns, em que a vida local é a mesma, sol a sol, dia a dia, sem mudanças nem sensações, como só é acontecer em todos os centros, cujo bulício é o trabalho, o da atividade produtora. A alma popular sentiu, ontem, a sensação de um espetáculo novo, isto quanto ao que concerne à superficialidade festiva com que revestiram o fato. Quanto ao verdadeiro valor dele foi ensejo bastante para que o povo sentisse, embora em religioso respeito, os mais justos entusiasmos pela grandeza da nossa história e pela fortaleza do nosso civismo”.

O SIGNIFICADO DO MONUMENTO
         A Comissão organizadora buscou construir um monumento que se ressalta a figura de Bento Gonçalves da Silva e também os feitos heróicos farroupilhas. Nas laterais do pedestal foram colocados dois baixos-relevos representando a Proclamação da República Rio-Grandense pelo General Netto e a outra a David Canabarro e a Expedição à Laguna destacando a passagem dos lanchões por terra. A primeira alegoria está ligada à justificativa do movimento revolucionário republicano e a segunda assinalaria o apogeu da República que se expandiu até Santa Catarina. Porém, graças à influência da comunidade italiana que também no dia 20 de setembro comemora a unificação italiana, foi colocado um medalhão em homenagem a Garibaldi e não a Canabarro. O culto ao indivíduo é inserido no contexto maior de cultuar a epopéia farroupilha. Ressalte-se que a Comissão não tinha opinião unânime quanto à simbologia a ser representada, sendo o caso de Alfredo Ferreira Rodrigues que buscava exaltar mais o indivíduo retratado e não a dimensão republicana, posição dos políticos castilhistas que acabou sendo majoritária. No andamento do trabalho faltaram verbas para a conclusão do monumento que teve um custo final (artista, encaixotamento, transporte, barcagem, despacho etc) de 7 contos de réis. Deste montante mais de 50% refere-se à alegoria dos Leões, os quais não constavam no projeto inicial e tiveram a insistência do escultor Teixeira Lopes para figurarem na obra. A Comissão propôs retirar esta alegoria mas o escultor afirmou que em janeiro de 1905 o trabalho estava quase concluído e que executaria a cobrança dos Leões. Conforme carta do escultor os Leões representavam uma visão da Revolução Farroupilha onde o leão superior representaria a monarquia brasileira; já leão em posição inferior deitado ou “derrubado pelo mais forte levanta-se, encarando o opositor em atitude serena, mas ameaçadora” representando a República Rio-Grandense.  Apesar de estar caído, o leão republicano demonstrava e resistência e altivez republicana que chegaria ao poder em 1889. Além da resistência republicana o ornamento remete a Paz Honrosa que assinalou o final da Revolução Farroupilha. A simbologia do leão assinala a qualidades e defeitos, podendo enfatizar o poder, a valentia, a sabedoria e a justiça; mas também, o orgulho, o poder excessivo, a tirania. Daí a presença da monarquia e da república. Porém, as polêmicas foram inesgotáveis desde o local até a simbologia, e antes de ser inaugurada a obra já acumulava inúmeras críticas: a posição ocupada pelos leões não agradou aos castilhistas; a ausência do símbolo do centauro dos pampas que seria estar Bento Gonçalves montado em um cavalo e não a pé; se a Paz de Ponche Verde foi uma vitória ou derrota farroupilha; as roupas usadas por Bento Gonçalves e até a expressão facial foi criticada. O mito que estava sendo perpetuado em bronze deveria ter uma expressão tão humana e sofrida? O herói poderia ter uma expressão tão humanizada? Teixeira Lopes respondeu às críticas recebidas pela Comissão: “Se por um lado eu muito desejo ser amável com V.as Ex.as atendendo-os como pessoas de elevada educação artística nem por isso deixo de me lembrar com tristeza que o artista não deveria nunca seguir senão o que lhe é orientado pelo seu sentimento” (carta de 2 de janeiro de 1905). A expressão facial buscava dar mais ação e energia, assim como a posição da espada no braço direito e o bastião farroupilha no braço esquerdo.
         Juvenal Miller propôs ao escultor colocar logo abaixo dos leões a colocação das datas 20 de Setembro – 15 de Novembro, ressaltando o processo evolutivo em direção à República. Na parte posterior do pedestal foram colocadas alegorias de palmas (vitória, ascensão e imortalidade) e louros (luta para chegar ao triunfo).
         De certa forma a edificação do monumento tem muito da luta farroupilha pois se estendeu por quase 10 anos, gerou imensas polêmicas e mesmo a doação de antigos canhões do Exército que se encontravam no 7º Batalhão de Infantaria do Largo de Moura, no Rio de Janeiro, solicitados em 1904, só foram liberados em 1908. Destes canhões foi feito o bronze que cobre as esculturas. Entre o bronze e o granito edificou-se uma polêmica obra que já alcança 100 anos de sua inauguração. O monumento túmulo buscou perpetuar a memória do general farroupilha Bento Gonçalves da Silva e da República Rio-Grandense, se constituindo numa sala de aula de história ao ar livre, onde gerações constituíram inúmeras versões e leituras sobre a Revolução Farroupilha e seus mitos. 

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