Obra “Matadero Sur” (1817) do pintor inglês Emeric Essex Vidal o qual retratou os cavalos como parte indispensável do cenário platino. |
“Este é um objeto dos consideráveis para a
despesa da Fazenda Real no Continente, e também para o vexame dos povos o que
exporei. De duas formas se provém de cavalos as cavalhadas Reais que Sua Majestade
tem no Continente do Rio Grande divididas em Porto Alegre , Rio
Pardo e vila de São Pedro. A primeira forma é comprando-se os cavalos ou mulas
aos particulares; e a segunda é quintandose, ou confiscando todos os animais
que entram para as nossas terras vindos da dos Castelhanos. Tanto em uma como
em outra forma, há muitas violências que se tem executado, e que por não fazer
maior extensão deixo de repetir. Compradas ou tomadas às cavalhadas, procede-se
a marcá-los, cuja marca é cortar-lhes metade da orelha direita, a que chamam
reiunar, ficando os cavalos assim conhecidos pela denominação de – Reiunos -,
isto é, pertencentes a El-Rei. Todo o cavalo que tem esta marca (suposto que
também a viciam aguçando ambas as orelhas) é justamente privilegiado, e não se
pode vender, nem servir-se pessoa alguma dele, que não sejam os soldados do
regimento de cavalaria de Dragões ou aqueles que tem o justo título do serviço
de Sua Majestade, de licença dos Governadores, ou finalmente, os capatazes e
peões que cuidam da mesma cavalhada; porque todos os mais serão compreendidos
debaixo de pena de prisão e das outras que ficam a arbítrio dos Governadores,
estando também sujeitos as mesmas penas os fazendeiros em cujas fazendas se
acham algum detido.
Logo que qualquer cavalo tem orelha cortada,
é sem contradição que não pode sair da cavalhada Real, e sendo assim em poucos
anos está toda a cavalhada velha e inútil (como presentemente sucede), estando
os pastos que podiam servir a cavalos bons, ocupados com os cavalos velhos, que
sempre se contam em número mas não em serviço; perdendo-se a despesa que se faz
com capatazes e peões que cuidam na conservação ou guarda de semelhantes
cavalos, não sendo tão pequena esta despesa no geral.
Se averiguarmos a utilidade que se tira de
todo este trabalho e despesa, perguntaremos quantos cavalos há reiunos, quantos
capatazes de serviço e quantos inúteis, e acharemos um número infinito de
animais e deles escolhidos os capatazes de se poderem montar, acharemos que de
seiscentos cavalos, se poderão montar até sessenta, porque todos os outros não
se montam por magros, velhos e incapazes que nem podem consigo, ou por manhosos
e indignos de servirem a quem não é amansador. Se há alguns de melhor
qualidade, são reservados para os capatazes e peões que dizem necessitam andar
em bons cavalos para correr nos rodeios que fazem aos outros para se não
espalharem ou fugirem; e quando tem destruído estes cavalos, então os deixam
para servirem nas funções a que é destinada a cavalhada, refazendo-se de outros
nos novos que se compram. Se algum destes miseráveis cavalos adoece e o tempo
ou o ar os não cura, morre infalivelmente ao desamparo ou o matam antes que
morra no campo e seja consumido sem que lhes tirem as orelhas que apresentam
para descarga dos cavalos que tem a seu cargo. Quando os capatazes apresentam
as orelhas ao dar das suas contas não se lhes pergunta de que moléstia morreu o
infinito número de cavalos de que apresentam as orelhas, e se fizeram as
diligências necessárias para os curarem, mas ou morressem à necessidade, ou
porque mesmo os mataram, está se por tudo, contando que se apresentem as
orelhas; sucedendo o mesmo a respeito das diligências a que se manda cavalhada,
porque se fica algum cavalo cansado sucede pela maior parte matarem-no e
trazerem-lhe a orelha para a sua descarga. Os cavalos que servem aos dragões
tem a mesma forma de administração; e disto sucede que arbítrio dos capatazes e
peões, é que os soldados montam estes ou aqueles cavalos, sendo mui casual que
um soldado monte duas vezes um mesmo cavalo, nascendo daqui não terem os
soldados amor aos cavalos em que hão de servir, mas nem conhecimento algum
deles, o que é pior porque os faz menos aptos para qualquer ocasião que haja,
ficando muito mais desembaraçados tendo maior conhecimento dos cavalos em que
devem montar, e sendo de grande interesse que os capitães conheçam não só os
soldados da sua companhia, mas também os cavalos”.
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