Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O OURO AZUL

Área central da cidade do Rio Grande. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 

         Rio Grande está inserida no ecossistema costeiro do extremo sul do Brasil. O convívio histórico com as águas fez parte da cultura local desde o século 18. A localização estratégica junto ao estuário da Lagoa dos Patos e da Barra do Rio Grande foi decisivo para o povoamento da localidade. O fator do surgimento de inúmeros povoamentos inclusive de algumas das maiores cidades do planeta, tiveram o seu nascimento junto a cursos de água ou a deltas (com o do Rio Nilo). As águas representam ao longo da história humana, fertilidade para a agricultura e pecuária; abastecimento da população do líquido essencial para a vida do corpo; a navegação que transporta a produção e amplia as áreas de atuação geopolítica das nações; o crescimento urbano promovido pela criação de pólos industriais que absorvem grande mão-de-obra; além de serem espaços lúdicos no contexto da indústria turística. Conforme ressaltou o historiador Christophe Courau (História Viva, Duetto Editorial, n. 90, abril de 2011), a busca pela água é uma das mais antigas atividades humanas. Ao longo dos séculos, os homens desenvolveram técnicas cada vez mais sofisticadas para controlar cursos fluviais e armazenar seu conteúdo, chegando a guerrear por eles. A abundância do líquido é também um dos fatores responsáveis pelo nascimento das grandes civilizações antigas.
         Às primeiras formas de domesticação da água foi para o uso na agricultura nas antigas civilizações que transferiram a água dos rios para as lavouras: os babilônios, no atual Iraque, e os egípcios, que são os inventores das primeiras barragens e da hidrologia. Na ilha de Creta, a 2.500 a.C., já existia um sistema de canais que levava água até as casas. Na mesma época, a civilização harappeana, no atual Paquistão, possuía casas com chuveiros e latrinas. Na cidade de Roma, 400 anos antes de Cristo, foi inaugurado o seu primeiro sistema de esgotos. O primeiro aqueduto, chamado de Aqua Appia, começou a levar água até a cidade através de canais de alvenaria 100 anos antes de Cristo. No final do Império Romano, havia 11 aquedutos, tendo o maior deles 68 km de extensão. Estes dados não indicam que havia abundância no fornecimento de água ou condições de higiene sofisticadas na antiguidade ou período posteriores. São dados indicadores de técnicas e tentativas de avanço na captação do precioso líquido.
Na Idade Média a escassez de água potável torna-se crônica. Além do consumo, a água tem a função de escoamento do esgoto cloacal. Com a ausência de obras de esgoto para este fim, as famílias jogavam os detritos nas ruas, onde permaneciam até que a chuva os levasse, num cenário que persistiu no cotidiano do Brasil Colonial e Imperial. No século 19, enfatizou-se a função higiênica da água a partir do olhar  científico da medicina. A água poluída passa a ser fator explicativo para doenças que assolavam as cidades da época. É o caso de Paris que contava com 1 milhão de habitantes em 1850 e recebia um pequeno volume de água potável para esta população. A epidemia de cólera no ano de 1854 matou mais de 11.000  pessoas nesta cidade, uma doença transmitida na água contaminada pelo vibrião colérico.  Duas décadas depois, Paris estava servida com ampla rede de esgotos e de fornecimento de água, estruturas utilizadas até hoje.
         Este “ouro azul” é indispensável para a vida humana e para as atividades produtivas. No Oriente Médio, o seu controle é um dos motivos do atual conflito árabe-israelense, pois 60% da água consumida no Estado judeu provém dos territórios palestinos. Conflitos étnicos na África estão relacionados à disputa pela água. Várias áreas de tensão no conflito pela água poderão desencadear enfrentamentos diplomáticos e militares nos próximos anos. A tendência é a situação agravar-se pois o consumo tem subido intensamente. Não esqueçamos que a população mundial já passou dos 6 bilhões habitantes. A falta de água tratada ainda é fator da mortalidade de milhões de pessoas contaminadas por microorganismos.
Conforme Christophe Courau, em apenas um século o consumo mundial foi multiplicado por sete. Esse fenômeno é conseqüência de fatores como o aumento da atividade agrícola e industrial, a melhoria do conforto doméstico e o crescimento demográfico. Para produzir um quilo de trigo são necessários 1.500 litros de água; 4.500 litros para um quilo de arroz; 40.000 litros de água para um quilo de carne. Entre 65% e 70% de toda a água consumida pelo homem se destina à irrigação de lavouras e pastos; as atividades industriais utilizam entre 20% e 25% e 10% são voltados ao uso doméstico. A batalha pelo “ouro azul” também pode ser travada sob outros olhares: a manutenção de um campo de golfe nas proximidades do mar Mediterrâneo consome 500 mil m³ por ano, o suficiente para abastecer uma cidade de 13.000 habitantes...
         No Brasil, que possui um dos maiores potenciais hídricos do planeta, até o ano de 2015, 55% dos atuais 5.565 municípios terão problemas de abastecimento de água. Incluindo grandes capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre e o Distrito Federal. Segundo o Atlas Brasil – Abastecimento Urbano de Água, elaborado pela Agência Nacional de Águas (ANA), serão necessários investimentos de R$ 22 bilhões para evitar a escassez do precioso líquido. Não esqueçamos que a população brasileira tem aumentado em torno de 2 milhões de pessoa a cada ano. Somente nos últimos 40 anos, são 100 milhões a mais de brasileiros que hoje somam 190 milhões. Os recursos do planeta são finitos ou infinitos... A projeção é que o “ouro azul” se tornará nas próximas décadas um bem cada vez mais precioso.

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