Fotografias do Hotel-Cassino Quitandinha em Petrópolis-RJ (1945). |
“Salão
repleto de luzes, orquestra ao fundo, brilho de cristais por todo o lado. O
crupiê distribuiu fichas sobre o pano verde, cercado de mulheres em longos
vestidos e homens de black-tie. A roleta em movimento paralisa o tempo, todos
retêm a respiração. Em breve estarão definidos a sorte de alguns e o azar de
muitos. Foi mais ou menos assim, como num lance de roleta, que a era de ouro
dos cassinos – maravilhosa para uns, totalmente reprovável para outros – se
encerrou no Brasil”. Esta passagem escrita pela arquiteta Jane Santucci (O dia
em que as roletas pararam In: História
Viva, setembro de 2006), sintoniza o fim do “Tempo dos Cassinos” no Brasil.
No dia 30 de abril do ano de 1946 os cassinos
foram proibidos. Pelo decreto-lei n.9215, assinado pelo presidente Eurico
Gaspar Dutra, a exploração de jogos de azar tornou-se contravenção. Foi nesse
dia que a última partida legalizada de roleta no Brasil ocorreu no cassino do
Hotel Copacabana Palace, o mais glamoroso
do Rio de Janeiro. Nesta época existiam cerca de 70 cassinos em funcionamento,
empregando cerca de quarenta mil pessoas.
Surgido
no período imperial, os cassinos tiveram o seu funcionamento proibido em 1917.
Durante o governo de Getúlio Vargas, no ano de 1933, foram legalizados com
apoio do governo federal. Foi a Era de Ouro dos Cassinos que perdurou até 1946.
Nos 12 anos de funcionamento, os cassinos viraram uma forte atração turística e
espaço de shows e grandes espetáculos, como as apresentações de Carmen Miranda
e diversos artistas do período.
Apesar
de utilizado de forma informal antes desta data, foi a partir da vinda da
família real portuguesa para o Brasil em 1808 que a cultura dos jogos dos
salões europeus, passou a influenciar padrões de comportamento e de
sociabilidade. Os jogos de cartas, os dados e a roleta passaram a marcar
presença nas relações sociais, inclusive, havendo a criação em 1811 da Real Fábrica de Cartas de Jogos,
vinculada a Imprensa Régia. Os jogos mais difundidos eram víspora e bilhar. Nas
últimas décadas do século 19, as loterias clandestinas e o jogo do bicho,
tiveram grande adesão das camadas populares, surgindo também os primeiros
cassinos, regulamentados pelas intendências municipais. Nas duas primeiras
décadas do século 20, o pôquer e o bacará eram jogados no interior de clubes,
enquanto o bicho teve penetração nas agremiações carnavalescas. Porém, a ênfase
de muitas autoridades e de setores católicos esteve na repressão ao jogo de
azar.
Para
Santucci, o governo Vargas regulamentou uma situação que já existia e
incentivou grandes investimentos no setor. A abertura de cassinos luxuosos se
multiplicou no período. Eles ofereciam, além do jogo, outras atrações aos
freqüentadores: grandes orquestras, danças, espetáculos de cabaré e teatro de
revista, além de restaurantes luxuosos, o que colocou o Rio de Janeiro e outras
cidades brasileiras na rota do turismo internacional.
O
mais conhecido dos cassinos ficava no Rio de Janeiro, o Cassino da Urca, o qual apresentava atrações musicais com Carmen
Miranda, Dalva de Oliveira, Edith Piaf, Amália Rodrigues e Tony Bennet. Era um
edifício à beira-mar construído na década de 1920 para ser um hotel. O
empresário Joaquim Rolla, em 1933, o transformou no mais famoso cassino
brasileiro, sendo o centro da vida noturna do Rio de Janeiro sendo freqüentado
por artistas, políticos, empresários, intelectuais, turistas, além de jogadores
inveterados. No bairro de Copacabana, dois grandes cassinos fizeram época: o do
Hotel Copacabana Palace, recebendo a elite carioca e o Cassino Atlântico, no
Posto Seis, um luxuoso local com palco giratório e também apresentando os
grandes nomes do rádio brasileiro. O maior cassino-hotel da América do Sul, o
Quitandinha, foi construído em Petrópolis, sendo projetado em estilo normando
reproduzindo o estilo de cassinos da praia da Normandia.
O
contexto do fechamento dos cassinos em 1946 foi o de denúncias de corrupção
envolvendo representantes do poder público, que estariam desviando em proveito
próprio os impostos pagos pelos cassinos. Parte da imprensa também criticava a
jogatina desenfreada e denunciava subornos e enriquecimento ilícito dos
responsáveis pela fiscalização dos cassinos. Para além da influência católica e
da pressão anti-jogo sobre o presidente Dutra, por parte de sua esposa a “dona
santinha”, a conjuntura de desgastes ligada à jogatina nos cassinos chegara num
ponto crítico. A repressão ao jogo se deu de forma violenta, policial,
recebendo o apoio da igreja e de associações familiares, que enfatizavam a
decadência moral envolvida naqueles estabelecimentos. Outro enfoque
explicativo, busca raízes mais políticas e ideológicas para o ato de Dutra. O
fechamento dos cassinos seria uma ruptura com o passado do regime do Estado
Novo criado por Getúlio Vargas. Com o fim da ditadura estado-novista em 1945, a qual permitira a
livre atuação do jogo de azar e dos cassinos, a nova ordem política ligada a
Dutra, teria buscado o rompimento das imagens e certas práticas do governo de
Vargas.
Jane
Santucci, numa conclusão interrogativa questiona: “Será que para o bem e para o
mal, esses estabelecimentos que misturavam euforia e pecado voltarão um dia a
compor o cenário de nossas cidades? Sim? Não? Façam suas apostas”.
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