Centro de São José do Norte em 1920. |
No
dia 26 de março de 2010 foi ar o episódio O
Abrigo das Almas Perdidas da série Histórias Extraordinárias da RBSTV. O
tema foi uma possível epidemia de peste bubônica na cidade de São José do Norte
no ano de 1900 e a reação popular que levou ao incêndio do Lazareto do
Cocuruto. Como participei do episódio, várias pessoas fizeram questionamentos
evidenciando a existência de dúvidas sobre a realidade dos fatos. A seguir será
feito um relato breve daqueles acontecimentos.
Na época
havia o medo de que a febre amarela chegasse a São José do Norte com o
desembarque de passageiros e tripulantes que fossem levados a este hospital de
isolamento, oriundos de Santos e do Rio de Janeiro. Relatório da Intendência
Municipal de São José do Norte já destacavam a apreensão da população em 1895,
com a presença do Lazareto do Cocuruto. Neste período era também muito temida a
chegada da peste bubônica (peste negra) que se fazia presente na Índia
dizimando populações inteiras e que ainda não tinha formas eficientes de
tratamento. Casos de peste começavam a surgir no Rio de Janeiro e Santos,
podendo ser trazida nos navios que aportavam na Barra do Rio Grande. Uma área
de quarenta e isolamento poderia significar a rápida chegada de um mórbus epidêmico até o núcleo urbano em São José do Norte, sendo
a peste bubônica o fator imediato para a reação da população. Em Rio Grande , no ano de
1902, os casos de peste bubônica começaram a proliferar. Após o incêndio o
Lazareto foi transferido para a localidade da Barra (jornal O Rio-grandense
17/6/1900), mais distante do centro urbano nortense.
O jornal São José do Norte de 30 de maio de 1926, uma
matéria escrita por Sérgio Júnior, traz a tona os acontecimentos do dia 11 de
junho de 1900: “Bem antes da benemérita cruzada que levou a imortalidade
Oswaldo Cruz, muitas e preciosas vidas foram ceifadas e incalculável prejuízo
acarretou materialmente ao nosso país, surgindo de vez em vez, terrífica,
apavorante, a febre amarela, de preferência em Santos e no Rio de Janeiro. Era
comum darem fundo ao aportamento, navios com doentes, cujo mal insidioso,
traiçoeiro, irrompera, de inóspito a bordo, sujeitos como indispensável medida
de precaução, as exigências de quarentena. Desejando remediar de alguma forma,
as delongas que eram, por efeito, compelidas, por períodos mais ou menos
dilatados as embarcações suspeitas, sujeitas a demorada observação sanitária, o
que tanto vem prejudicar o intercâmbio comercial, resolveu o governo fazer
construir um lazareto e, com esse fim adquiriu no Cocuruto a precisa área do
terreno, que foi logo levado a termo. Não recebeu bem a população desta vila
este propósito do governo federal. Comentava-se então que nos altos poderes
públicos, jamais se lembravam deste município (...). E o nosso povo sempre
ordeiro naturalmente pacato e bom de índole, cedo se conformou com a sorte e ao
que haviam deliberado em sua alta sabedoria os supremos dirigentes desse departamento
que é saúde pública. Meia dúzia de anos adiante quando no país notificado foi
os primeiros casos do mal indiano, a peste bubônica, emergiram medidas de
prevenção e repressão foi dito com insistência impressionante, que o lazareto
do Cocuruto seria também o ponto de internação dos pestosos. Foi um choque.
Alarmou-se com razão o povo, galvanizado, depois de concorrido comício frente
do paço municipal na tarde de 11 de junho de 1900, pelas duas da tarde,
aproximadamente, ausente em luto doloroso, o governador da comuna, a velar a
irmã a quem a morte tomara, resolveu-se a destruição do lazareto, que a todo
mundo se afigurava já, semeador de desgraças. Então numa rapidez surpreendente,
foram palmilhados os 3
quilômetros que medeia dos casarões que formavam a vila
e quando ainda tínhamos em ontiva o vozerio da turba, já enormes, densas,
alterosas, fumaradas, faziam certo que alastrava incêndio. E releva notar, que
antes do fato consumado foi permitido ao encarregado deste próprio federal, de
retirar e acautelar quanto lhe era de propriedade particular, garantindo
destarte e a famílias em suas pessoas e bens, amparados, coadjudados, todos
pelos que lá foram e que assim se mostravam animados de elevadas intenções.
Compunha-se a massa popular de cerca de 300 pessoas, quase todas as camadas
sociais, coeficiente assaz avultado em proporção ao número global da população
da vila. Iniciou-se como de mister, o
respectivo processo e como derivante de confortante e inquebrantável
solidariedade, apenas 22 foram colhidos em suas malhas. Daí forçada viagem a
capital, alguns dias de incomoda reclusão na penitenciária e aguardar o veredictum, e logo após a plena e
merecida absolvição. Satisfeita interminis,
a exigência da lei, algum tempo após vieram à reintegração de família e amigos,
os nossos patrícios recebidos com ruidosas manifestações e grande regozijo de
toda a gente. E sentam-se bem com a sua consciência e para esta tranqüilidade
lhes sobejavam razões por isso que nobres foram os seus instintos. Do lazareto
restam hoje apenas meia dúzia de eucaliptos testemunhas mudas do relato que
fizemos, e uma ou outra cova, sepultura de alguns infelizes anônimos ali mesmo
inumados longo dos seus, sem uma lágrima, sem os carinhos da família, que
talvez lhe ignore o paradeiro”.
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