Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O CARNAVAL

Bloco Só Sai de Dia (1937). Acervo: Papareia.


Grupo Carnavalesco Arara em 1914. Acervo: Papareia.

Banho à fantasia do Clube Regatas. Acervo: Papareia.

           A festa mais popular do Brasil teve outras versões históricas no Egito, Grécia, Roma e inclusive na Idade Média, com a tentativa de disciplinarização do festejo profano pela Igreja Católica que tolerou a festa antes do jejum da quaresma. Mas em nosso país, a festa assumiu características e dimensões que projetam o carnaval brasileiro em todo o planeta. 
O antropólogo Roberto da Matta interpreta o carnaval brasileiro como um rito de inversão, uma subversão das hierarquias cotidianas que transforma os pobres em faraós, os ricos em mascarados, os homens em mulheres e o recato em luxúria. 
O carnaval atual, do Rio de Janeiro, com seus regulamentos rigorosamente estabelecidos para os desfiles das escolas de samba, tiveram uma história muito diferente quando do seu surgimento.  O carnaval carioca teve a participação ativa dos grupos de foliões e dos habitantes de ruas centrais da cidade que ali passaram a promover a festa. A implantação definitiva de uma nova forma de brincar durante do carnaval ocorreu no ano de 1855, com a criação no Rio de Janeiro, por um grupo de amigos, de uma sociedade chamada de Congresso de Summidades Carnavalescas que tinha por objetivo passear pelas principais ruas do centro com carruagens decoradas nas quais cidadãos da elite exibiam fantasias vindas de Paris. Afinal, após a Independência do Brasil em 1822, a elite brasileira começa a se distanciar dos modelos culturais de Portugal e aproxima-se dos modelos franceses. Esta nova festa carnavalesca seria um divertimento moderno e elegante, diferente das festas populares do entrudo ligadas à tradição portuguesa.
Conforme Felipe Ferreira, doutor em Geografia Cultural, o costume de comemorar o período imediatamente anterior à Quaresma, denominado entrudo, já existia em terras brasileiras desde as primeiras décadas do século XVI. Apresentada de diferentes formas, a depender da época ou do lugar, a brincadeira era inicialmente muito semelhante às balbúrdias medievais conhecidas como charivaris. Em nosso país esse costume encontraria um solo fértil, espalhando-se de norte a sul. Com o passar das décadas, os principais centros urbanos iriam desenvolver jeitos próprios de brincar nesse período do ano. Em finais do século XVIII, a principal característica do entrudo era o costume de as pessoas lançarem, umas nas outras, pós e líquidos, geralmente perfumados. Sem se concentrar em um só local, a brincadeira acontecia dentro das casas, em sua versão familiar, ou nas ruas, na forma de Entrudo Popular. Durante três séculos, essa foi à manifestação característica do carnaval, no Brasil, quando jogava-se cabaças com farinhas e bexigas de água nas pessoas. Os viajantes estrangeiros relatavam com indignação estas manifestações carnavalescas pedindo a sua proibição.
Para Ferreira, entre outras ações, buscava-se implantar uma festa carnavalesca capaz de refletir o gosto da nova elite ascendente. Bailes, como os da Ópera de Paris, e desfiles de carruagem ao estilo italiano tomavam conta da folia da capital da França e passavam a ser copiados pela burguesia brasileira. Importantes pontas-de-lança do carnaval que a burguesia brasileira desejava implantar por aqui, esses bailes eram eventos isolados, realizados dentro de salões ou teatros. As ruas das cidades ficavam, portanto, entregues ao grosseiro entrudo, que o novo carnaval procurava sufocar com sua sofisticação. Ocupar as ruas passou a ser um dos principais objetivos da elite, ao organizar grupos de foliões dispostos a desfilar a céu aberto.
Em Rio Grande, no século 19, entre proibições e liberações do festejo, o entrudo ainda se fazia presente nos espaços públicos fazendo com que cartas indignadas fossem enviadas para os jornais. Senhores e senhoras acabavam encharcados pelas bexigas arremessadas, que não necessariamente, continham água. Conforme Célio Soares (Ecos do Passado. Rio Grande: 2010) há registros de que em princípios da década de 1880 clubes carnavalescos como o Saca-Rolhas (1876), o Diógenes e o Boêmios já levavam a folia para as ruas da cidade. Já no século 20, o carnaval rio-grandino ampliou-se, com a criação de blocos, cordões, ranchos e clubes formados por operários e funcionários públicos e do comércio. Na década de 1930, existiam os cordões O Paquetá, Braço é Braço, Arara e Sae só de dia, além das chamadas grandes sociedades, que desfilavam com vistosos carros alegóricos. O carnaval já estava consolidado na rua Marechal Floriano, no trecho fronteiro à praça Xavier Ferreira. Estas grandes sociedades eram compostas dos carros alegóricos, fanfarra e vários figurantes, além da rainha e sua corte. Em Rio Grande as festas carnavalescas tiveram por muitos anos a participação destes grupos, estando entre os mais famosos o Grupo Carnavalesco Arara (1901-1950) constituído pela alta sociedade, o Saca-Rolhas (dos mais antigos do Brasil), os Anjinhos da Terra e os Irresistíveis (1930), o último a encerrar as atividades, comandado pelo ator e carnavalesco Coriolano Benício.
Dos bailes carnavalescos mais concorridos até o final da década de 1940 estava o do Cinema Politeama. As 1.500 cadeiras do Politeama eram retiradas transformando-se o local num imenso salão de baile. Célio Soares também afirma que a primeira escola de samba do Rio Grande do Sul foi criada na cidade em dezembro de 1945, a Escola de Samba General Vitorino, que fez sua estréia triunfal nos festejos da vitória dos aliados frente ao Eixo no carnaval de 1946. De fato era um bloco formado por homens vestidos de calça branca, camisa de malandro e chapéu de palha, e as pastoras, moças trajando saia e blusa do mesmo padrão. Não existia enredo nem as alas, que já predominavam no carnaval carioca. Diga-se que, o início dos desfiles das escolas de samba do Rio, ocorreu a partir de 1928.
Outra prática carnavalesca que perdurou até a década de 1960 foram os banhos à fantasia, na chamada terça-feira gorda. Na parte da tarde, aconteciam no cais do Porto Velho e também no Cassino. No Porto Velho, próximo ao prédio da Alfândega, participavam clubes náuticos como o Regatas e o Honório Bicalho, que tinham intensa participação nas atividades carnavalescas.
Em tempo um aviso aos carnavalescos: a festa termina hoje. Amanhã começa o jejum da quaresma... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário