Militar luso-brasileiro atuante em Rio Grande no século XVIII. Autor: José Carlos Espíndola. |
André Ribeiro Coutinho foi o segundo
comandante militar do Rio Grande de São Pedro que tinha jurisdição sobre todo o
Rio Grande do Sul português daquela época. O primeiro comandante militar e
governador foi José da Silva Paes que desembarcou em Rio Grande em 19 de
fevereiro de 1737. Ainda no ano de 1737, por indicação do governador do Rio de
Janeiro Gomes Freire de Andrade, assume André Ribeiro Coutinho perdurando no
cargo até 1740. Em Portugal no ano de 1751, Coutinho publicou os dois volumes
do livro O Capitão de Infantaria
Portuguesa, demonstrando a sua capacidade intelectual e o estilo barroco na
narrativa. Um de seus escritos referente a sua administração em Rio Grande é a Memória
dos serviços prestados pelo Mestre-de-campo André Ribeiro Coutinho, no Governo
do Rio Grande de São Pedro, dirigida a Gomes Freire de Andrade (1740). Este escrito traz informações sobre os
primeiros e difíceis anos da ocupação luso-brasileira na Barra do Rio Grande.
Faz referência à chegada de famílias para o povoamento civil e também a criação
dos Dragões do Rio Grande. A preocupação da defesa era fundamental sendo relatada
a fortificação do Estreito (atual proximidade da Hidráulica) e a fortificação
do Porto (Forte Jesus-Maria-José). O comandante também faz uma defesa ética de
seu governo (probidade administrativa) afirmando que enfrentou as noites
tempestuosas e as horas incertas, esperando o dia nascer na muralha do forte.
“No ano de 1738, mandou Vossa Excelência para
o Rio Grande muitos casais, que tinham evacuado a Praça da Colônia [do
Sacramento]: alguns desta cidade e outros da Vila da Laguna; além de muita
outra gente de ambos os sexos, para com todos se criar uma Povoação; para o
qual fim levantei casas à maior parte dos Povoadores; dei aos lavradores
terras, sementes e instrumentos de agriculturas. A alguns ajudei com gado
proporcionado às suas famílias; a todos sustentei com mantimentos de farinha e
carne e dei materiais para casas. Assisti com justiça natural a seus muitos
litígios; ajustei muitas diferenças, para não chegarem a ser contenciosas:
tratei os Povoadores com benevolência protegi os mais pobres e cuidei na
conservação de todos; e para pôr na ordem e sossego das povoações antigas 2,
que formei no porto e Estreito daquele Domínio, que em breve tempo se fizeram
consideráveis; expedi muitas ordens e publiquei vários bandos, pela observância
dos quais fui inflexível, o que pareceria duro só àqueles, que pela dissolução
de seus costumes, não couberam nas diferentes terras, donde saíram.
Com as levas, que Vossa Excelência ao mesmo
tempo mandou das Minas, Rio de Janeiro, S. Paulo e Santos com alguns presos da
Bahia, e com um destacamento da Colônia e todos os que se achavam das Praças do
Brasi1 naquele Domínio, formei o casco do Regimento de Dragões, a que a 5 de
janeiro de 1739 vieram guarnecer os oficiais com o seu Coronel Diogo Osório
Cardoso. Para a economia, disciplina e conservação deste corpo e para a pronta
defesa de toda a surpresa na Fortificação do Estreito, fiz seus quartéis de 120
palmos cada um, em linha paralela ao parapeito e em frente das golas dos
baluartes, meios baluartes e redutos, desde as águas do Rio Grande até as da
Mangueira; 3 quartéis para os oficiais de Infantaria e 2 para os de Artilharia;
uma pequena casa de pólvora e para cômodo da mais gente, arrecadação da Fazenda
Real e expediente de tudo o que era preciso a um estabelecimento novo, fiz uma
vedoria e Casa para o comissário de mostras, de 70 palmos; casa para o Governo;
outra para o Coronel de dragões, outra para o Sargento-mor; fiz um corpo da
guarda de 100 palmos, um armazém, um Hospital e uma casa para o Tesoureiro e
oficiais de carpinteiros, cada um de 150 palmos. No Porto comecei uma Igreja,
em que já se tinham celebrado os ofícios divinos, de 92 palmos de comprido,
incluído Cruzeiro e Capela-mor e 40 de largo; um corpo de guarda de 34 palmos;
4 quartéis pequenos para os soldados; um armazém para a courama de 105 palmos;
uma Ferraria, uma casa para o Armeiro e um armazém da parte do norte. No Forte
de S. Miguel, em Taim, Albardão e Mangueira, quartéis para os oficiais e
soldados de suas guarnições. Nas estâncias reais de Tororitama [Torotama] e
Bogerú [Bojuru], casas para os Maiorais, peões e Domadores, que tratam das
cavalhadas e vacaria; e todos os sobreditos quartéis, armazéns e mais obras de
pau a pique e barro; e as dos oficiais assoalhadas e forradas.
Para os Fortes, Redutos, e Passos, passei
ordens, segundo os novos casos, que com o curso do tempo sucedido; e para o de
S. Miguel, além das ordens, que achei do Brigadeiro acrescentei as que pareceram
precisas e fiz uma instrução para a forma da sua defesa e comunicação com o
Governo, em caso de sítio e ataque. E porque previ, que da desordenada e
bárbara extração da courama que naqueles campos se fazia, devia naturalmente
resultar a total extinção do gado; e por conseqüência infalível sobrevinha a
falta daquele mantimento, para manutenção do Povo, e gente militar, tirei
informações das pessoas mais práticas naquela matéria; e sabendo que já não
haveria mais que de 10 a
14.000 cabeças, porque vão se comendo no dito campo a carne de touros, de que
se fazia a courama, se matavam as vacas, só para se comer a melhor parte e as
vezes não mais, que para lhe tirar o leite e fazer outras atrocidades, chamei a
Conselho e com o parecer uniforme de todos os oficiais proibi, a 22 de dezembro
de 1738 as corredorias de toda a campanha e passei ordem para que se postassem
3 guardas de Dragões, encomendados a um cabo, que as visitasse continuamente na
distancia de 22 léguas, nas quais não havia entrada, pela costa da grande Lagoa
de Mery [Mirim] e que se desse mantimento a todos os que cursassem as ditas
campanhas, para irem e virem às guardas de Chuí e Forte de S. Miguel; o que se
executou enquanto não larguei interinamente aquele governo.
Igual cuidado pus na condução que os homens
de negócio queriam fazer de cavalhadas, para a Capitania das Minas, pela Serra dos
Tapes, em direitura á vila da Curitiba, da jurisdição da Cidade e Capitania de
S. Paulo, do que dando a V. Ex.a conta, me ordenou tirasse de direitos
de cada cabeça, exceto vacas e éguas, 10 tostões; mas porque ao tempo, em que
chegou esta resolução, se achavam os Tropeiros prontos a subir a serra, e sem
dinheiro algum, ajustei em conselho, que V. Exa aprovou, pagarem-se os ditos
direitos na Curitiba aos oficiais da Fazenda Real da Praça de Santos (...) Fui
tão assíduo, que nem doente e sangrado faltei mais que um dia e por nenhuma de
minhas enfermidades, ainda com o notório perigo de vida, tomei cama (..) Na
minha casa não entrou presente, nem cousa alguma, que não fosse comprada, nem
fiz ou entrei em negócio, por mim ou por interposta pessoa e se contra esta
integridade V. Ex.a tiver dúvida, mas que seja por testemunho falso, que se me
impusesse, estou pela voz pública, porque não tenho outro documento por ora. (...)
Sem descompor o nascimento ou estado de cada um, ensinando o serviço de Praça
fechada e trabalho de fortificações, dando-lhes exemplo com a minha contínua
assistência a tudo, fazendo por tempestuosas noites a minha ronda efetiva e
ainda que por horas incertas, esperando o dia na muralha e sobretudo dando a V
Ex.a individuais contas, do que se passou e havia naquele Domínio e executando pontualissimamente
as ordens de V. Ex.a me deu a felicidade de conservar o dito Domínio sem
alteração, até o entregar a 22 de dezembro de 1740 ao Coronel de Dragões Diogo
Osório Cardoso, com as ordens, que havia recebido de Vossa Excelência”.
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