Casal no centro da cidade por volta de 1900. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
O
tempo é constituído por experiências históricas. Alguns destes eventos
ocorridos no passado ficaram registrados em documentos ou jornais. Estas
informações fragmentadas são a fonte para buscar um diálogo com o tempo
passado, através de um profissional habilitado para isso que é o historiador.
Algumas
destas experiências construídas na cidade do Rio Grande ao longo de sua
existência podem ser convertidas numa cronologia, ou seja, numa datação.
Eventos hoje destituídos em importância, em sua época original, poderiam
significar grandes avanços ou inovações para setores da população. Interrogar o
tempo é uma atividade reflexiva que nos liga com o passado das gerações e que
nos faz lembrar que o nosso tempo também está repleto de experiências que se
projetam no passado.
Muitos
acontecimentos de mais de um século atrás continuam atuais porém outras
experiências sociais caíram no esquecimento e nem vestígios materiais deixaram.
Um exemplo é o chafariz que existiu na Praça Sete de Setembro desde janeiro de
1874 e que desapareceu sem deixar vestígios. Terá sido abduzido? Porém, os
outros chafarizes ainda existem materialmente, apesar de talvez serem meros
desconhecidos da maioria: o segundo foi instalado em 25 de dezembro de 1875 na Praça
Xavier Ferreira; o terceiro na praça Barão de São José do Norte e o quarto e último na Praça Tamandaré em
janeiro de 1878. Este último não está mais no local original, pois quando da
construção do monumento a Bento Gonçalves da Silva que foi inaugurado em 1909,
o chafariz foi para a morada que hoje ocupada no lago da praça. O chafariz
enquanto materialidade ainda existe mas ao longo do tempo ocupou diferentes
espaços e teve diferenciadas funcionalidades e importância. Para algumas
gerações os detalhes estéticos faziam parte do cotidiano e para outras são
peças sem representatividade. O fato é que os valores, os olhares, as
apreciações estéticas e comportamentais ligadas ao lúdico e a ética do espaço
público mudam com as sociedades. Mas não podemos também esquecer que o
pertencimento a um local faz parte de um processo de reposição de memórias que
passam pelos objetos privados e públicos, pelos pontos de referência nas ruas e
edificações. Se o momento que vive a cidade onde de forma intensa está ocorrendo
a imposição do stress urbano e a brutalização no convívio diário, é necessário
repensar as raízes e não esquecer que o cotidiano é feito de ritualizações que
se forem perdidas ficara apenas a barbárie da luta diária pela sobrevivência.
Algumas coisas avançam e depois retrocedem.
Havia muitas queixas em janeiro de 1832 do Exmo (esselentissimo) Correios que
levavam dez dias entre Rio Grande e Porto Alegre. Como atualmente, por
experiência própria, as contas chegam atrasadas e uma encomenda vinda de São Paulo
levou trinta dias para ser entregue, observamos que na era do avião um pangaré
do século 19 obtinha uma performance mais convincente na entrega de
correspondências. E o pessoal já considerava um tempo absurdo...
Se
estivéssemos sem atividades para o dia 1 de janeiro de 1858, não poderíamos
perder um grande evento que era as enfermarias da Sociedade Portuguesa de
Beneficência, no Largo da Geribanda, estarem abertas para visitação. Um ano
antes a Sociedade Portuguesa de Beneficência deliberou construir um hospital em Rio Grande para os
“sócios enfermos e socorrer um ou outro infeliz que se faça merecedor de sua
caridade pelo seu estado de pobreza”(25/01/1857). Quando da construção original
a fachada do prédio era diferente da atual. Num momento de grandes dificuldades
no setor do atendimento hospitalar que grande demanda legada pelo Pólo Naval e
aumento da população, a falência desta Sociedade foi um fato lamentável.
No
ano de 1850 foi colocada a pedra fundamental para construção do Hospital da
Santa Casa. Porém, a primeira cumieira do novo prédio do hospital da Santa Casa
ficou pronta em abril de 1864.
A preocupação com a assistência hospitalar no século 19
fez com que em 1 de fevereiro de 1880 fosse inaugurado o novo hospital da Ordem
3ª do Carmo, à rua Uruguaiana próximo a Praça 7 de Setembro. Algumas décadas
após ocorreu a falência do hospital o qual foi demolido quando da construção da
Escola Juvenal Muller.
Em
janeiro de 1879 estava iniciando a demolição das trincheiras, uma linha militar
edificada em alvenaria que deveria garantir a segurança da cidade em caso de
ataque por terra. Formara-se desde a década de 1820 uma cidade dentro dos muros
das trincheiras e um espaço extra-muros. Com o crescimento urbano esta linha
precisa ser rompida para o surgimento da planificada Cidade Nova ou cidade
extra-muros. A partir de 1880
a cidade se expande extinguindo dunas e alagadiços num
processo contínuo até o presente. Pouco tempo depois em 25 de janeiro de 1882,
ocorre a demolição dos muros do cemitério do BomFim com o objetivo de abrir a
atual rua Duque de Caxias. Por mais estranho que pareça o cemitério ocupava
parte da rua estendendo-se até a rua dos Andradas. Com o surgimento do
cemitério extra-muros em 1855, encerram-se os enterramentos no BomFim. Digasse
que na pracinha onde existe desde 1937 o monumento ao Obreiro Desconhecido,
situava-se parte do cemitério onde foram enterradas mais de cinco mil pessoas.
Constatando
as mudanças do espaço ao longo do tempo, podemos lembrar que o Largo Dr. Pio
onde a partir de 1947 começou a ser construído o prédio dos Correios e
Telégrafos teve outras ocupações desde o século 18. A igreja de São Pedro foi
construída em 1755 e em seu interior e parte externa eram realizados
enterramentos. Portanto, estamos num amplo cemitério. A utilização desta praça
da Matriz no século 19, que em 1897 passou a se chamar Largo Dr. Pio, foi a de
apresentação de circo de cavalinhos, parque de diversões, festividades do
Espírito Santo etc. Na segunda metade do século 19, na área foi construída uma
grande escola para os padrões da época. Uma construção lenta e interminável que
teria dado um outro destino para a área. Porém, um incêndio consumiu o prédio
antes de sua finalização sendo posteriormente demolido. Na década de 1940 este
local apresentava as esculturas de Tonietti, os guris que foram levadas para o
lago da Praça Xavier Ferreira e também do lago desapareceram. E finalmente, com a construção do prédio dos
Correios e Telégrafos duas grandes árvores que estavam neste local foram
cortadas. Nos últimos anos, tem ocorrido debates sobre demolição, novas funcionalidades e persistência do abandono do prédio. Pois é, a história é um movimento contínuo rumo a um futuro que ainda não
aconteceu. Quais serão os próximos capítulos?
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