Hermann von Ihering. Fotografia de 1919. Acervo: www.gap.en.entddub.org |
Hermann Friedrich
Albrecht von Ihering nasceu em Kiel, na Alemanha, em 9 de outubro de 1850 e
faleceu em Gieben, Alemanha, em 24 de fevereiro de 1930. Foi um cientista que
buscou analisar diversos objetos de investigação ligados a zoologia, medicina,
antropologia, história natural etc. As observações sobre a Lagoa dos Patos no
ano de 1885 em suas dimensões físicas, biológicas, geológicas e sócio
econômicas foram pioneiras em termos de amplitude e tentativa de síntese. A ele
está associado o primeiro estudo ecológico do ecossistema Lagunar dos Patos.
Formado em Medicina, estudou Zoologia e Geologia, obtendo o título de doutor em
1876. Atuava como professor de Zoologia na universidade de Leipzig, quando veio
ao Brasil no ano de 1880, dedicando-se às pesquisas financiadas pelo governo
Imperial Brasileiro. Inicialmente, residiu em Taquara e, posteriormente, em Pedras Brancas
(atual município de Guaíba). Morou em Rio Grande entre 1884-1885, São Lourenço do Sul (1885)
e viveu durante sete anos na “Ilha do Doutor”, como era chamada a ilha em que
residiu junto a foz do Rio Camaquã. Em 1892 mudou-se para São Paulo, onde
organizou o Museu Paulista. Somente na língua alemã publicou trezentos e vinte
e um artigos.
No que diz respeito a Rio Grande, o seu estudo Die Lagoa dos Patos, apresentou uma
visão de conjunto da Lagoa dos Patos, numa motivação de pesquisa que ele mesmo
expressou: “...eu me entrego à esperança de que esta exposição também desperte
em outros o interesse que teve para mim o estudo das relações físicas e faunísticas
dos maiores lagos continentais brasileiros e de sua antiga extensão. E que
esses outros também estimulem os muitos amigos da investigação geológica que
vivem nesta Província, à observação e divulgação de fatos correspondentes”. Ao
celebrar seus 70 anos de idade, era membro honorário ou correspondente de 30
sociedades e academias, tendo construído uma sólida carreira científica.
Em sua permanência de 11
meses em Rio Grande ,
entre 1884 e 1885, fez importantes observações geológicas e faunísticas.
Destacou os peixes do estuário da Lagoa dos Patos e a importância econômica da
pesca na região. Além disto, não lhe escapou a atenção, em sua visão
multifacetada, os sítios arqueológicos existentes nas imediações da cidade do
Rio Grande.
O relato a seguir foi
tirado do livro A Lagoa dos Patos no
século XIX na visão do naturalista Hermann Von Ihering. Rio Grande: Ecoscientia,
2003. A
tradução é de Clarisse Odebrecht. Neste relato, observa-se a agudeza de Hiering
na análise de vestígios de ocupações humanas. A área que ele pesquisou, nas
imediações da Hidráulica, uma estrutura importada da Bélgica na década de 1870,
corresponde a proximidade da localização da antiga fortificação militar de Nossa
Senhora de Sant’Ana, construída em 1738 e abandonada na primeira metade da
década de 1750. Era a maior concentração de tropas da Barra do Rio Grande quase
formando um novo núcleo urbano em relação ao povoado do Porto junto ao forte
Jesus-Maria-José. Material arqueológico luso-brasileiro e indígena foi coletado
nos últimos 80 anos nesta área antes de sua completa urbanização no presente.
Conforme Hiering: “Fui
explorar uma colonização pré-histórica próximo da Hidráulica, distante poucos
quilômetros do Rio Grande. A pequena colina em questão, entrecortada em parte
pela via férrea, apresenta em sua superíficie uma camada grossa, entre 0,5-1m,
de areia clara, igual à da praia, que deve ter sido trazida pelo vento. Sob
essa areia, coberta escassamente por gramíneas, segue uma camada espessa de
50-60cm, de terra gordurosa marrom escura. Uma camada semelhante também se
encontra em todas as colinas vizinhas, apenas mais arenosa e clara. A coloração
tão escura na primeira colina indica que, além dos arbustos e outras plantas,
ainda devia ter havido uma outra fonte para a transformação da terra arenosa em
uma massa de húmus. Essa fonte não poderia ter sido outra do que as massas de
resíduos alimentares que a população que aqui residia juntava no chão. Este está
totalmente inpregnado com ossos e espinhas de peixes, conchas de gastrópodos,
carvão, cacos de urnas etc. Nas camadas superiores ainda são encontrados, em
alguns pontos, restos de moradias, tijolos, instrumentos de ferro e cacos de
potes vitrificados. Nas camadas mais profundas, no entanto, tais indícios da
cultura européia estão ausentes. Além disso, os cacos de potes grosseiros,
queimados desigualmente e sem verniz, também indicam a presença de uma povoação
de índios de outrora, como também um machado afiado e polido de pórfiro, ou
seja, rochas do tipo pórfiro. Assim sendo, moravam aqui primeiramente os
habitantes nativos primitivos, seguidos dos imigrantes portugueses. Pesquisas
posteriores evidenciaram que, de fato, antes da fundação da atual cidade do Rio
Grande, existia naquele local a colonização de Santa Anna, e que o estrato de
areia cobriu somente no início deste século as colinas mais baixas, antigamente
cobertas por arbustos. Se houvesse como saber exatamente quanto tempo é
necessário para transformar a camada de areia em terra fértil a partir de uma
vegetação escassa e o transporte moderado de areia pelo vento, então a idade
exata dessa camada de 60 cm ,
abaixo da qual segue a areia do mar, firme e pura, poderia ser calculada. Nas
baixadas, essa última camada é atingida muito rapidamente e ja numa
profundidade de 20-30 cm
a areia apresenta uma coloração levemente escurecida devido aos sinais da
vegetação rala. Talvez as áreas mais altas ja estivessem habitadas, enquanto as
baixas ainda se mantinham submersas.
Cheguei a essas ideias,
a respeito do povoado indígena, pela circunstância de que debaixo dos restos
alimentares também se encontravam inúmeras conchas quebradas de Voluta angulata e Voluta brasiliensis. Tenho encontrado vestígios indígenas
semelhantes em vários outros pontos e colinas próximo do Saco da Mangueira,
naturalmente sem os restos da cultura moderna. Se esses gastrópodos grandes
serviam de alimento aos índios, então essa época a água do Saco da Mangueira
ainda estava fortemente salgada e habitada por animais marinhos, o que então
indicaria uma distribuição de terra e mar diversa da atual. Talvez as
observações aqui mencionadas, possam ao menos servir como um aceno para o
minucioso da costa do Rio Grande e do próprio nome das conchas encontrado ali, denominado sambaqui. As
observações obtidas até o presente momento ainda não permitem conclusões
definitivas”.
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