Prédio da Câmara do Comércio onde ocorriam os famosos bailes (In: Fortunato Pimentel, 1943). |
Orquestra Nunes e seus rapazes, 1949 (acervo: Papareia). |
A monografia de Bacharelado em
História de Marina Krüger Pelissari Festas de Elite: sociabilidades,
costumes e diferenciação nos bailes de Rio Grande (década de 1950) FURG, 2008, faz uma análise das estratégias de construção da identidade e da
sociabilidade nos Anos Dourados.
SOCIABILIDADE E IDENTIDADE
Dos
bailes mais concorridos da cidade estavam os de carnaval. O baile do sábado
anterior ao carnaval do Clube do Comércio, os bailes infantis da Associação dos
Empregados do Comércio e o baile de segunda-feira do Clube Caixeral, eram
tradicionais. Ao longo do mês de fevereiro, os cronistas comentavam estes
eventos: “Concorridíssimos estiveram os bailes carnavalescos da Associação dos
Empregados do Comércio, para isso contribuiu a ótima Diretoria do Clube que não
mede esforços no sentido de proporcionar o máximo a seus associados e também à
orquestra que além de muito animada esteve com ótimo repertório de músicas
deste carnaval. Tradicionalmente comentado, o Clube Caixeral na segunda-feira é
sempre o líder do Carnaval riograndino, desta vez não só um lugarzinho no salão
era coisa bastante difícil, como até a entrada no Clube exigia certo respeito às
filas indianas. Os foliões sentem-se no Clube Caixeral no maior dos ‘à vontade’
e talvez seja por isso que ali encontramos verdadeiras exibições de sambistas”
(Jornal Rio Grande, 17 de fevereiro de 1959).
Bailes também tradicionais na cidade eram os
de Debutantes e o de Reveillon, especialmente os do Clube do
Comércio. O de Debutantes do Clube do Comércio era realizado no dia 31 de
dezembro (junto com o Reveillon) ou em 6 de setembro, junto com as comemorações
da Independência do Brasil. Conforme Pelissari, as debutantes saiam de um tipo
de porta retrato de néon quando o seu nome era chamado, com uma flor na mão que
era entregue a sua mãe. Era um baile importante para as debutantes e para sua
família, não só por que a partir desse dia as meninas passariam a ‘fazer parte’
da sociedade, mas também por ser uma oportunidade para cada uma, junto com sua
família, mostrar seus atributos, sua beleza, educação, simpatia e, talvez, a
sua riqueza.
Os bailes
nem sempre tinham um tema definido. Os clubes ofereciam as festas com
orquestras que eram fator essencial para promover a animação das pessoas.
Orquestras vindas de fora da cidade como Cassino de Sevilha e Suspiros
de España, lotavam o salão. Grupos da cidade eram elogiados como Nunes e
seus rapazes, Orquestra Piragine, Luiz Laviaguerra e seu
conjunto e o Conjunto do Percy.
Ouviam-se
principalmente boleros, jazz, valsas, tangos, fox, sambas e músicas latinas
como o cha-cha-cha e o mambo. O rock’n’roll que estava surgindo nesta década
ainda estava de fora dos bailes, os quais tinham uma atmosfera mais séria ou
formal. Alguns bailes eram promovidos em homenagem aos navios que atracavam
alguns dias em Rio Grande. Havia uma relação de cordialidade entre os oficiais
e os rio-grandinos e sempre que os navios estavam na cidade grandes festas
aconteciam. Além dos bailes nos Clubes, os próprios oficiais ofereciam festas
nos navios. Essas festas são sempre descritas como muito glamorosas, com música
e comida de qualidade e sempre concorridas. “Na noite de domingo realizou-se o
grandioso baile na Sociedade Amigos do Cassino. Como só o número de marujos
visitantes é suficiente para lotar qualquer Clube, a SAC esteve concorridíssima
e o baile sempre animado”. Os bailes ficavam repletos de moças casadoiras
e de brotinhos procurando um namorado ou um marido. Quem não gostava
muito dessas visitas eram os rapazes da cidade que vagavam entre a fúria e a
ironia. “Um dos rapazes de maior projeção entre as garotas comentou com os
amigos: Eu estava mesmo precisando repousar um pouco, assim vou aproveitar a
chegada dos marinheiros para fazer um retiro” (crônica do jornal Rio Grande, 14
de setembro de 1959).
Foi um
período em que nos bailes se promoviam concursos de beleza como o Miss Rio
Grande e o Miss Bangú. No balneário também ocorria concurso de beleza: “O baile
do Glamour realizado sábado, no Cassino, nos amplos salões da Boite Blue Moon
deu início à série de festas programadas, como já anunciei em crônica anterior.
Os veranistas não podem e não devem ausentar-se de festas desta natureza que
sobressaem pela perfeita organização que lhes é imprimida. Novamente tivemos
oportunidade de observar com abundância de detalhes a beleza, graça, elegância,
charme e glamour das diversas representantes gaúchas que nos foram exibidas”
(Rio Grande, 6 de fevereiro de 1957).
A escolha
das palavras para descrever os bailes não era feita ao acaso pelos cronistas
sociais. Palavras como grandioso e magnífico tem a intenção de
evidenciar a imponência, assim como às expressões completamente lotado
ou número elevadíssimo de pares dançando, não deixam dúvida do sucesso
de público. Os freqüentadores são chamados de gente bem, belíssimos,
chics, distintos. A expressão gente bem é usada para definir os
freqüentadores. Durante certo período, funcionou no Clube do Comércio a Boite
Bem, que era freqüentada por essas pessoas, especialmente pelos jovens, e
que funcionava em fins de semana que não aconteceriam os bailes. Portanto, além
de se autodenominarem gente bem esse grupo ainda fundou uma festa com
esse nome, reafirmando ainda mais a sua identidade.
Os bailes oferecidos pelo Clube do Comércio,
pela Associação dos Empregados do Comércio e pelo Clube Caixeral e,
principalmente, o discurso resultante dessas festas, buscava, além de
proporcionar divertimento aos seus sócios, uma reafirmação da identidade do
grupo freqüentador. As características dos bailes, e as recomendações de
sociabilidade para a participação nos mesmos, referiam-se especialmente a uma
estratégia de especificação dos segmentos sociais que ali circulavam. Esse fato
demonstra o esforço de um grupo em se diferenciar e se preservar perante os
demais. As diferenciações podem ser percebidas nas recomendações de modos e
estéticas e no modo de descrever os acontecimentos, indicando, com isso,
importantes aspectos de uma elite da cidade do Rio Grande.
O discurso
presente nas crônicas do jornal Rio Grande, não dá espaço para falas com um tom
negativo, não dá atenção a aspectos da sociedade que possam ofuscar o brilho
social da festa relatada. Talvez como uma tentativa de manter o status
ou por realmente não sentirem esses aspectos o fato é que o discurso não fala
de problemas enfrentados pelas pessoas ou relativos à vida econômica da cidade.
Os bailes eram glamurosos e todos pareciam ter dinheiro para pagar a sua mensalidade
de sócio. Se a situação aconteceu de forma diferente é muito difícil de saber –
o silêncio da tradição, a vontade manter as aparências foi mais forte – o que
se sabe é a maneira que esse grupo escolheu – conscientemente ou não – para se
representar, conclui a autora.
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