Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A LITERATURA EM RIO GRANDE NA DÉCADA DE 1860


Arcádia, 1869. Fonte: Biblioteca Pelotense,


        A cidade do Rio Grande ocupa um espaço especial na divulgação literária no Rio Grande do Sul. A “Arcádia Jornal ilustrado, literário, histórico, biográfico” (dirigido por Antonio Joaquim Dias), surge em Rio Grande num momento de crise econômica advinda da Guerra da Tríplice Aliança (1865-1870). O Império do Brasil nas décadas de 1850-60 estava em sérias dificuldades financeiras. Os gastos militares representavam a metade das despesas imperiais e, durante esta guerra, aumentou para cerca de três quintos do orçamento. O recrutamento praticado na Província do Rio Grande de São Pedro foi dos mais significativos para formação dos contingentes masculinos que lutaram neste conflito, chegando a 27% dos militares brasileiros no confronto. Em Rio Grande, inclusive homens que trabalhavam no comércio eram convocados para a guerra. A cidade, na década de 1860, já se consolidara como uma praça econômica essencial para a Província. A presença do porto marítimo fez surgiu um significativo comércio de exportação e importação e elites ligadas ao capitalismo comercial com conexões nos portos de Hamburgo, Liverpool, Lisboa, Boston etc, buscavam aformoseamentos urbanos em sintonia com os padrões estéticos e de consumo vigentes na Europa. Mesmo que o fluxo de exportação esteja ligado principalmente aos derivados da pecuária, atividade tradicional do Rio Grande do Sul luso-brasileiro, a elite da cidade, através das importações, mantém-se em sintonia com o consumo europeu de bens culturais e mercadorias.     
         Nestes bens culturais podem-se destacar atividades sociais como os bailes e o teatro, que teve na cidade a sua primeira casa edificada em 1832 (Teatro Sete de Setembro), além da publicação de folhetins na imprensa local com livros e contos de autores europeus, especialmente franceses, e também brasileiros. O surgimento de um grupo intelectual que publicasse periodicamente material literário não era um corpo estranho a uma cidade que deseja estar em sintonia com a cultura mais ampla. Daí a Arcádia surgir um ano antes da criação da Sociedade Partenon Literário em Porto Alegre, e ser ela, a “Arcádia”, a saudar com alegria em suas páginas o surgimento de um parceiro que teria o seu primeiro periódico publicado no ano de 1869.
Além da publicação da Arcádia desde 1867, a busca de institucionalização para impulsionar os estudos literários na cidade tomou forma com a instalação em 4 de abril de 1869 do Grêmio Literário Rio-Grandense tendo por presidente Frederico Bier. No discurso pronunciado pelos sr . José Vicente Thibaut, primeiro secretário, ele afirma que o objetivo do Grêmio Literário, era o estudo da literatura: “A definição de literatura, da palavra latina Littere, letras, varia conforme se considera arte, ou historicamente, e em sua compreensão. Considerada como arte, tem por objeto o belo, assim como a pintura, a escultura, a arquitetura, etc. Considerada historicamente, é o conjunto dos monumentos do pensamento humano, manifestados pela palavra escrita. Um história completa da literatura, deveria, pois, abranger a poesia, a eloquência, a filosofia, a política, a história natural, a retórica, a crítica, o romance, o gênero epistolar, a linguística e em geral as ciências, pois, para se manifestarem, todos os gêneros, todas essas ciências precisam tomar uma forma mais ou menos literária (...) O Grêmio abre para a cidade do Rio Grande uma era nova de ilustração. Esta heroica província de S. Pedro, já tão ilustre na carreira militar, na qual teve e tem ainda desse vultos majestosos, desses heróis, cujos nomes pertencem hoje, não as suas famílias sós, nem a ditosa província que lhe serviu de berço, mas sim a história universal” (Arcádia, 1869, p. 195-7).
Exaltando o surgimento do Grêmio Literário, Antonio Joaquim Dias ressaltou que “As letras são a luz da razão, e um seu tênue reflexo é bastante para suplantar as trevas da ignorância. A literatura é a fonte perenal de todos os conhecimentos profícuos e necessários. Não há progresso, civilização, sociedade, que não se tenha solidificado sobre as majestosas bases da literatura. Florescem as artes, a indústria, o comércio, a navegação toma extraordinárias proporções. Então é justamente neste século 19, que todas as coisas atingem a um espantoso grau de perfeição. O grande e maravilhoso invento do telégrafo elétrico, o vapor, as estruturas de ferro, o balão aerostático, as máquinas para substituir o trabalho braçal, a vacina, os aperfeiçoamentos em todas as artes, principalmente na da guerra, são incontestáveis provas de que a humanidade é infatigável, e espantosamente o mundo marcha, como disse Peletan. E a quem devemos tudo isso? A inteligência e as letras.”
Para estes intelectuais, a Literatura é o objeto principal e o fundamento dos estudos, pois as letras falam ao coração e a razão, formando o homem inteiro. Constata-se que a Literatura é apresentada como um grande guarda-chuva a ser usado por todos os gêneros científicos para poder tomar forma discursiva. A década de 1860 constituiu-se num momento especial para os estudos literários pois a “Arcádia” congregou junto de si os primeiros críticos literários. Entre os colaboradores estão Apolinário Porto Alegre, Bernardo Taveira Júnior, Aquiles e Apeles Porto Alegre, Glodomiro Paredes e outros. O romantismo predomina nos escritos e as raízes do regionalismo, construindo literariamente a identidade regional do gaúcho, deixará um legado por décadas.

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