Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A GRANDE ENXURRADA

Entreposto de pescado parcialmente submerso na enchente de 1941.
Acervo: Relatório da Enchente de 1941 - . Carlos Santos. 


      Paulo Jolar Pazzini Galarça (http://cienciaearte.blogspot.com), afirma que poucos são os estudos meteorológicos voltados a temas como grandes precipitações, ondas de frio, nevascas, ou secas fortes, ocorridas no Rio Grande do Sul durante o século XIX. O estudo do ambiente natural do Rio Grande do Sul muitas vezes tem como fonte os escritos deixados pelos viajantes estrangeiros. Dentro da produção científica ligada a observação climática gaúcha, os estudos de meteorologia, é uma prática que oficialmente começou em 1909 com a fundação do Observatório da Escola de Engenharia de Porto Alegre. Capítulos anteriores da história do clima rio-grandense, nos últimos 12 mil anos da ocupação humana no Rio Grande do Sul, ainda apresenta lacunas significativas. Inúmeros eventos significativos e talvez dramáticos para a fixação humana nos diferentes ecossistemas do planalto, campanha, depressão central e planície litorânea, devem ter ocorrido nesta longuíssima duração temporal mas não deixaram registro documental.
       Remontando a um período mais próximo, o século XIX, Paula Galarça destaca um evento extremo ocorrido no ano de 1878 no município do Rio Grande, distrito do Taim. As chuvas intensas promoveram um fenômeno de remodelagem da paisagem nas proximidades das lagoas Caiubá e Flores. No dia 14 de novembro de 1878, intensas chuvas caíram nestas lagoas que em poucas horas aumentaram em até quatro metros o seu nível normal. Uma família moradora da região foi surpreendida pelo fenômeno: o casal Cardoso e seus oito filhos morreram afogados na enxurrada que encobriu os campos. “Grande quantidade de gado vacum, cavalar e lanígero foi arrastada pelo turbilhão, que rolava campo fora com medonha violência, destruindo e arrancando, arrasando tudo que encontrava em sua passagem devastadora”.
       Além das mortes e prejuízos provocados pelo turbilhão de água, a paisagem local sofreu uma grande transformação, especialmente o arroio Taim. As lagoas Caiuvá e Flores eram ligadas a lagoa Mirim pelo arroio Taim, que funcionava como um escoadouro natural. Este arroio iniciava na parte ocidental da lagoa das Flores e percorria 6 km até a lagoa Mirim. No dia 15 de novembro um forte vento de SO represou as águas das lagoas, o nível das águas baixaram devido à ação conjunta do vento e da insolação. No dia 18 podia-se observar grande quantidade de areia, troncos e diversos detritos que tinham obstruído a entrada do escoadouro isolando o canal da lagoa. Em aproximadamente 8 anos o arroio Taim ficou totalmente soterrado. Após o soterramento do arroio grandes dunas com até 16 m de altura surgiram no local, os campos do entorno converteram-se num cinturão, com um perímetro entre 6 e 8 km, de banhados.
       A absurda precipitação ocorrida no Taim, não foi um fato isolado para o ano de 1878. Grandes inundações ocorreram em Porto Alegre e outras partes do Rio Grande do Sul neste ano. Para Galarça, o El Niño é apontado como responsável por um período de intensas precipitações no Rio Grande do Sul. No modelo, em nível hemisférico, é aceito que no período da manifestação do fenômeno existe uma relação entre intensas chuvas na costa oeste da América do Sul, em especial no Pacífico equatorial, secas fortes no nordeste brasileiro e intensas chuvas no Rio Grande do Sul. O ano em foco está de acordo com este modelo, no qual houve a ocorrência de intensas chuvas no Perú, uma forte seca no nordeste brasileiro, e a ocorrência de fortes chuvas, seguidas de inundações, em diversas partes do Rio Grande do Sul. De acordo com o quadro de registros históricos o ano de 1878 foi de El Niño forte.

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