Fachada do Clube Beneficente de Senhoras. Acervo:http://www.ebahl.files.wordpress.com |
Dentre as
inúmeras associações filantrópicas que desde o século 19 a cidade do Rio Grande já
teve ou ainda tem, uma destas associações está completando 110 anos. É o Clube
Beneficente de Senhoras, que foi fundado em 4 de agosto de 1901, tendo por
principais finalidades quando de sua criação: promover a caridade; criar e
manter, quando possível, anexo ao clube um hospital para crianças pobres;
manter, enquanto não existir o hospital, distribuição de leite as crianças
pobres; através de chás beneficentes, ajudar viúvas idosas; etc. No Estatuto
atual (aprovado em 04/07/1947) o estandarte do Clube tem o emblema “Fé,
Esperança e Caridade”. O capítulo XIII, art. 35 do estatuto, não permite que o
nome de pessoas que recebessem benefícios fosse publicado, buscando uma atuação
discreta e distante do egocentrismo ou do partidarismo.
Em 1910, o
Clube recebeu do coronel Augusto Leivas a doação de um terreno para edificação
do projetado hospital para criança. Através de chás, festivais e doações, foi
possível construir neste terreno à rua Carlos Gomes (nº 579, 581 e 583) um
prédio de dois pisos inaugurado em 1921 e que sofreu algumas alterações
arquitetônicas ao longo das últimas nove décadas. Por falta de recursos
financeiros foi inviável a efetivação da ideia de um hospital tendo o segundo
piso do prédio, em 1922, sido alugado para instalação do Conservatório de
Música municipal, atual Escola Belas Artes Heitor de Lemos. Desde então, o
valor do aluguel passou a ser utilizado para manutenção dos serviços de apoio
as viúvas e fornecimento de leite às crianças pobres.
Além do
trabalho sistemático de apoio a crianças e viúvas, em períodos de crise na
cidade, o Clube intensificou a sua atuação. É o caso da participação das
senhoras Helena Small e Antonia Futura Rocha, respectivamente presidente e
vice-presidente, além do corpo de associadas, durante a epidemia de Gripe
Espanhola em 1918. A
imprensa destacou a assistência prestada pelo Clube aos doentes num período em
que mais de 30.000 pessoas ficaram gripadas na cidade e mais de 600 perderam a
vida.
Mas como
tudo começou? Nos dias 2 e 3 de agosto de 1901, foi publicado o seguinte
convite no jornal Diário do Rio Grande:
“A comissão do Club Beneficente de Senhoras convida a todos quantos se
interessam por essa humanitária ideia a tomar parte na assembleia que se
realizará, domingo do corrente, às 18h30min, na sala principal da Sociedade Instrução e Recreio a fim de tratar-se da eleição das exmas.
senhoras que devem compor a primeira diretoria. Conta a comissão com a
assistência das ilustres senhoras que se inscreveram nas listas lhe sejam
remetidas até ao dia da reunião agora convocada. Rio Grande, 2 de agosto de
1901. O presidente - dr. Francisco Fernandes de Souza. O secretário Octávio de
Deus Freire”. A assembléia de fundação ocorreu, como previsto, no dia 4 de
agosto, sendo presidida pelo dr.
Francisco Fernandes de Souza, Venerável da Loja Henrique Valladares e ocorrendo a eleição da primeira
administração composta pelos seguintes membros: diretora – Ana Machado Lopes;
vice-diretora – Amélia Pereira Pegas; secretária – Julieta de Mello Monteiro;
adjunta – Laudoceana Mello Silveira; oradora – Revocata Heloisa de Mello;
adjunta – Amélia Marques; tesoureira – Ercilia Mello Reis; adjunta – Carolina
Silveira de Azevedo. Conforme documento de 1947, assinado pela então diretora
Maria Duarte Rheingantz, também foram sócios fundadores: Francisco Fernandes de
Souza (brasileiro e militar); João José Cezar (brasileiro e jornalista);
Guilherme Salies (brasileiro e comerciante); Lino Saraiva de Oliveira
(português e comerciante); Martucci Salvatore (italiano e alfaiate); Octavio de
Deus Freire (brasileiro e comerciário).
Conforme
João Lages (artigos sobre o Club de Senhoras publicados no Jornal Agora em julho de 2011), a criação do Club Beneficente de
Senhoras não foi uma ação isolada. O Club Beneficente de Senhoras foi fundado em Rio Grande por
iniciativa da Loja Maçônica Henrique
Valladares (posteriormente incorporada às lojas Philantropia e Estrela do Sul,
dando origem à atual Loja Philantropia do
Sul), que lançou a ideia de estabelecer aquela humanitária instituição em
julho de 1901. Entre agosto de 1900 e setembro de 1901, foram criados dezenove
clubes beneficentes, federados ao Club Central de Porto Alegre. Pela ordem
foram aquelas entidades estabelecidas em Porto Alegre
(26/08/1900), Palmeira das Missões, Montenegro, São Sebastião do Caí, São
Leopoldo, Jacuí, Santa Maria, Jaguarí, São Borja, Bagé, Cruz Alta, Rosário do
Sul, Jaguarão, Alegrete, Quarai, Itaqui, Pelotas e Rio Grande e Uruguaiana. A
criação da rede federada de Associações de Beneficência surgiu na administração
do grão-mestre Antunes Ribas. O primeiro estatuto do Clube Beneficente de
Senhoras teve seu anteprojeto elaborado pela literata Revocata Heloísa de
Mello, que compunha a comissão de redação em conjunto com as sócias Mary
Aveline Souza e Maria Carlota da Costa. O estatuto teve sua redação final
aprovada em assembleia de 9 de dezembro de 1901, o qual dispunha em seu art.
1º: “O Club Beneficente de Senhoras cujo fim principal é a prática da caridade”
e, em seu parágrafo único, previa a realização de reuniões de fins instrutivos
e recreativos. Conforme Lages, o clube sempre foi uma entidade aberta,
ecumênica, em favor da mulher, sem vinculação a ideologias, partidos ou
religiões, abrangendo como sócias pessoas de diferentes atividades e sempre
contou com abnegadas, que fizeram os ideais estatutários tornarem-se realidade.
Muitas esposas de prefeitos, comandantes militares, médicos e outras foram
colaboradoras que possibilitaram a consolidação da entidade e fizeram com que
chegasse aos 110 anos.
Ao longo de
mais de um século, inúmeras mulheres que participaram diretamente da construção
da sociedade local tiveram atividades no Clube. Uma das mais destacadas na
construção de uma imprensa literária feminina no Rio Grande do Sul Revocata
Heloísa de Mello (irmã da também fundadora Julieta de Mello Monteiro) teve
papel fundamental na fundação em 1901 e nas primeiras décadas da associação. Em
correspondência por ela assinada em 28 de março de 1901, refere-se ao esforço
em implantar a associação em
Rio Grande pois a mesma ainda era “encarada como utopia”. A
utopia concretizou-se e mulheres com sobrenomes como Lopes, Pegas, Monteiro, Rheingantz,
Salies, Meirelles Leite, Duhá, Llopart, Amaral, Pontes, Fresteiro, Braga e
tantos outros, participaram das diretorias ou contribuíram com a associação
nestes mais de um século de atividades voltadas a comunidade local. Em nome de
Débora Salies Plastina, atual vice-presidente, que gentilmente cedeu documentos
para a elaboração desta matéria, homenageio todas as mulheres que contribuíram
na construção do Clube Beneficente de Senhoras.
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