E quando o flagelo das águas alcançou o
máximo da sua extensão, um verdadeiro mar cobria os quadrantes Norte, Sul e
Oeste da cidade. Daí, então, saiu o contingente formado por milhares de
flagelados com que a nossa população pagou o seu tributo à Grande Enchente.[1]
Foi um outono muito chuvoso no Rio Grande do
Sul. No mês de abril os municípios de Santa Maria, Carazinho, Gravataí, Arroio
do Meio, São Sebastião do Caí, Santo Antonio da Patrulha, Novo Hamburgo e São
Jerônimo, apresentavam alagamentos. Em várias outras cidades, no mês de maio,
os rios romperam o leito e provocaram alagamentos. Foi o caso, no Vale do Rio
Pardo, de Venâncio Aires com 1.000 desabrigados e Rio Pardo, com 500. Também na
Lagoa dos Patos, os efeitos se fizeram em São Lourenço do Sul e
Pelotas, além de outras localidades.
As notícias da enchente em Porto Alegre ,
começaram a alarmar os moradores da cidade litorânea do Rio Grande que passam a
acompanhar com expectativa o fluxo intenso das águas que chegavam até a Barra. Em Rio Grande , entre 10 de
abril e 14 de maio, choveu em 24 dias, num total de 397,7mm. Algo diferente
estava ocorrendo num solo já encharcado mas que ainda permitia a manutenção das
atividades normais. Porém, no dia 4 maio as águas transbordaram e alagaram
várias residências e empresas inviabilizando a continuidade das atividades
produtivas de vários estabelecimentos. Os prejuízos foram enormes com a
destruição de parte dos maquinários, matéria-prima ou produtos já
industrializados, além da destruição de vários trapiches entre a região do
Bosque até o Porto Velho. A inundação surgiu pelo cais fronteiro ao Mercado
Público, pela rua Riachuelo e por toda a extensão da margem do canal.
Rapidamente, todo o litoral norte e sul, incluindo o Saco da Mangueira, foram
invadidos pelas águas. O jornal O Tempo
ressaltava na capa do dia 11 de maio que a enchente atingia proporção jamais
vista. Neste dia 11, um domingo, às 21 horas, as águas atingiram o máximo de
altura até então verificada, ficando completamente interrompido o trânsito nas
ruas Riachuelo, Marechal Floriano, no trecho compreendido entre a Travessa do
Afonso e a rua Andrade Neves, General Osório, Francisco Campelo, Avenida
Portugal e ruas transversais. As ruas General Vitorino, General Câmara, Barão
do Cotegipe e outras, paralelas, ficaram totalmente alagadas em toda zona
oeste”.[2]
Neste dia, a água tornara impossível a entrada na Santa Casa pela porta
principal, onde na frente do prédio, ficava um cais de atracação. A água estava
a dois centímetros de invadir o hospital! As principais ruas do comércio, a
Marechal Floriano e a Riachuelo tiveram suas atividades totalmente paralisadas
nos dias seguintes.
Um cronista do jornal O Tempo, captando o sentimento simultâneo aos acontecimentos, afirmou
que a cada olhar uma interrogação dolorosa, dirigida ao próprio mar, que se
transformou em algoz. O
“estado d’alma” da população estava torturado pela elevação da maré. Os bondes
ficaram paralisados nas linhas Matadouro e Porto (Macega) sendo modificado o
itinerário do Circular em vista das águas que atingiram as ruas Riachuelo e
Barroso. “No Bosque Silveira as águas avançaram cerca de 550 metros além do mar.
Em virtude da inundação de diversas guaritas de cabos subterrâneos, o serviço
telefônico local foi prejudicado elevando-se a 252 o número de aparelhos sem
ligação. Ontem pela manhã dois menores brincavam dentro de um caixote de
madeira nas águas existentes a rua Francisco Campelo esquina General Neto. Em
dado momento a correnteza das águas carregou o barco improvisado para o lado do
mar, com grande risco de vida para os dois imprudentes menores. O sr. Julio
Rodrigues, capataz geral da L. P. que se encontrava nas proximidades, com uma
corda conseguiu laçar o caixote e trazer para terra firme as duas crianças que
foram entregues às respectivas famílias”.[3]
Conforme a Revista do Globo, na rua Riachuelo as águas subiram a mais de meio
metro de altura, invadindo residências e estabelecimentos comerciais. Os
armazéns do Porto Velho, repletos de mercadorias, não foram alagados, faltando
poucos centímetros para a invasão das águas. “Na rua Riachuelo, como nas
principais ruas de Porto Alegre, também navegaram as canoas por trechos nunca
dantes navegados, oferecendo espetáculos curiosos à população”.[4]
A Revista do Globo também destacou
com fotografias a rua Coronel Sampaio e General Osório que ficaram inundadas em
toda a sua extensão. Os trilhos da Viação Férrea foram arrastados pelas águas
numa extensão de 300
metros entre o Povo Novo e o Capão Seco, impedindo a
chegada dos trens. Cenas típicas da cidade de Veneza, o vai e vem das canoas
junto das edificações, passam a fazer parte do cotidiano da cidade naqueles
dias.
Entre
os dias 4 e 20 de maio de 1941 o município teve o seu cotidiano rompido pela
dimensão do fenômeno. Um
acontecimento ímpar mas que é compreensível frente a posição geográfica junto
ao Estuário da Lagoa dos Patos e da Barra do Rio Grande e a fenômenos como o El Niño. Esta história é retratada
no livro-álbum Águas de Maio: a
enchente de 1941 em Rio
Grande.
[1] Relatório – Extensão, repercussão e danos
causados pela Grande Enchente 1941. Dirigido ao Prefeito Municipal do Rio
Grande Dr. Roque Aita. Rio Grande: julho de 1941. Relatório gentilmente cedido
por Cícero Vassão.
[2] O Tempo. Rio Grande: 13 de maio de 1941.
[3] O Tempo. Rio Grande: 13 de maio de 1941.
[4] Revista do Globo. Porto Alegre: 31 de
maio de 1941, p. XIII.
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