Titan operando na construção dos Molhes da Barra por volta de 1912. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense. |
Superar os perigos da Barra Diabólica mobilizou a opinião pública da
cidade do Rio Grande ao longo do século 19. A imprensa ocupou um lugar especial no
encaminhamento de discussões sobre as dificuldades ocasionadas para a navegação
e ao comércio provincial devido aos perigos no acesso ou o fechamento por
semanas ou meses do acesso a Barra do Rio Grande.
Um dos piores anos para o acesso marítimo ao Porto do Rio Grande foi o
de 1881, com o fechamento sistemático da Barra e os prejuízos causados ao
comércio de exportação e importação. O historiador Francisco das Neves Alves (O
Acesso Portuário Rio-grandino no ‘Tétrico’ ano de 1881 a partir da perspectiva
da imprensa citadina In: Biblos.
FURG, 2009), fez uma análise dos reflexos desta obstrução da Barra nas páginas
dos jornais rio-grandinos.
A IMPRENSA E A BARRA
No ano de 1881, inúmeras embarcações ficaram imobilizadas esperando para
sair ou entrar pela Barra que não apresentava calado seguro, especialmente no
inverno, para o movimento marítimo. Os jornais terão a dupla função de noticiar
e de criticar o cenário melancólico. O
Commercial (20 de agosto de 1881), ressaltava que se achavam na Barra,
havia longos dias, à espera do sinal de saída, trinta e tantos navios,
carregados de gêneros de exportação da província, ao passo que, fora da Barra,
ansiosos pelo sinal de entrada, velejavam
mais de dez navios, carregados de produtos de importação, alguns dos quais já
escasseavam no mercado. Descrevia a ansiedade perante a desagradável situação
dos passageiros que, à vista da Barra, não podiam, contudo, transpô-la, ou
ainda daqueles navios em que a falta de alimentos e os horrores da fome acudiam
ao espírito da tripulação. Destacava que os comentários davam conta de que a
Barra estava impraticável, o canal estreitara-se e mudara de direção, os ventos
eram contrários, o mar alteroso, as vagas sucessivas e as águas baixas, numa perspectiva,
enfim, tétrica para os navegantes.
O Echo do Sul (25 de agosto de
1881) fazia várias cobranças quanto a providências, por ser a Barra a mais
arriscada de todas quantas havia no litoral de um a outro extremo do Império,
e, portanto, a que deveria merecer mais atenção dos poderes públicos, já que
era cheia de escolhos, sujeita a constantes evoluções, de maneira a não
inspirar confiança. Ainda de acordo com o periódico rio-grandino, os navios
permaneciam dias e dias fundeados na costa, sem haver meio de comunicação com
eles, por falta de uma embarcação apropriada, com segurança e calado para
transpor a Barra, e o governo sabia ou deveria saber de tudo isso, mas nenhuma
providência dava, apesar das reclamações dos seus funcionários, do comércio e da
imprensa.
A péssima situação da Barra no ano de
1881 também foi enfatizada nas páginas do Diario
do Rio Grande, que publicou alguns artigos sobre o tema. Em setembro
daquele “nefasto” ano, o Diario lembrava
que havia pouco clamara por providências a fim de atenuar as condições físicas
da Barra, que eram as mais deploráveis possíveis, funestas para o comércio e
para a navegação, e manifestava satisfação pela possibilidade que o
melhoramento pela folha sugerido – a obtenção de uma catraia a vapor – estaria por
ser providenciado pelas autoridades governamentais.
O jornal O Artista propunha
utilizar dinamite para desobstruir a Barra. Foi feita a experiência pela
Marinha de lançamento de torpedos não se obtendo resultado positivo. Outra
tentativa foi noticiada pelo Echo do Sul
em 4 de novembro: por iniciativa de alguns cavalheiros e com o concurso do
corpo comercial da praça, se iria tentar, por meio de uma grade dentada,
remover parte das areias que obstruíam o canal.
A
imprensa insistia em tratar das peripécias por que passavam aqueles que
pretendiam adentrar ao Rio Grande. Era o caso do O Commercial (21-22 de
novembro de 1881), ao relatar que a Barra da Província, ficava em tal situação
que se conservavam à vista muitos navios, ora fundeados, ora velejando, por
espaço de dois, três e mais meses, aguardando ensejo favorável a entrar.
Explicava que os navios teriam que buscar os portos de Santa Catarina ou
Montevidéu para desembarque. Destacava que eram então forçados esses navios a
conservarem-se à vista da Barra, sujeitando-se a todas as contrariedades. Destacava
ainda que, nesse transe, seria necessário que os navegantes procurassem
suprir-se, vindo a terra, mas só o poderiam fazê-lo vencendo um longo espaço,
arrostando alterosas vagas em uma frágil embarcação miúda, e isso mesmo em
ocasiões em que o mar não estivesse cavado e tormentoso.
O Echo
do Sul (29 de novembro de 1881) buscava demonstrar o quanto se tornava cada
vez mais negativa a visão sobre o Rio Grande no exterior. Afirmava que na
Europa já não era fácil encontrar-se navio de certo calado que se prestasse a
receber frete para o Rio Grande do Sul, como no caso do porto de Cádiz, onde
constava que dificilmente se encontrava navio para carregar sal para esta
província, salvo de pequena lotação.
Encerrado
o ano de 1881, as manifestações quanto ao ingresso pelo litoral, continuariam a
se fazer ouvir, como nos primeiros dias do ano seguinte, quando a imprensa
rio-grandina produziria uma série consecutiva de artigos sobre a Barra da
Província. Chamava-se atenção para o estado de interdição natural da Barra, o qual estaria a trazer repercussões
no quadro local, regional, nacional e internacional, principalmente tendo em
vista a constante existência de grande quantidade de embarcações, em longo
aguardo, para entrar ou sair do Rio Grande. Apontava-se que várias foram as
soluções pensadas, mas nenhuma tivera o desejado resultado. Concluía-se, conforme
O Comercial, que a situação não
poderia ser mais desanimadora, e o remédio estaria única e definitivamente em
se fazer alguma coisa de sério e de permanente, que restabelecesse a confiança
e que autorizasse a volta de toda a navegação desviada, e com ela a vida e
animação essenciais ao progresso da província, esperando-se as devidas medidas
das autoridades governamentais. Segundo a imprensa, a Barra do Rio Grande era
conhecida pelos marítimos como a mais perigosa e temida de toda a América
Meridional. Conforme Alves, os acontecimentos retratados pelos jornais à época
seriam fundamentais para uma tomada de decisões no que tange à planificação
quanto ao remédio aquele “mal” rio-grandino, de modo que, no lustro seguinte,
estariam projetados os molhes da Barra, embora a sua execução e realização,
assim, como a do Novo Porto, só tenham se concretizado depois de mais de três
décadas. Tornava-se, assim, a imprensa um dos mais importantes porta-vozes da
comunidade rio-grandina em sua diuturna luta contra o “mal maior” e em prol de
buscar-se a solução para a “magna questão”, tão evidenciada naquele “tétrico”
ano de 1881.
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