Há 150 anos, foi criada em Rio Grande, a
primeira sociedade de emancipação de escravos do Brasil. O nome era Sociedade
Promotora da Emancipação de Escravos na Província do Rio Grande do Sul e a
proposição partiu da Loja Maçônica Acácia Rio-Grandense. A finalidade era a
manumissão de escravas na idade de procriação, entre 8 e 25 anos, com o
objetivo de os filhos nascessem livres e desta forma a escravidão teria uma
natural extinção em algumas (várias) décadas, pois escravas com mais de 25 anos
não eram aceitas para terem a sua liberdade comprada de seus proprietários.
O presidente da Sociedade era o médico João
Landel, porém, João Frick é tido como o seu idealizador, especialmente, pelo
livro que escreveu em Lisboa no ano de 1885, em que são obtidos detalhes sobre o
funcionamento da Sociedade (“Abolição da escravatura - Breve notícia sobre a
Primeira Sociedade de Emancipação de Escravos do Brasil”). Conforme, Frick, “apresentavam-se
muitas escravas de todas as idades, de todas as condições, sem autorização dos
senhores, umas pedindo informações, outras auxílio, outras queixando-se de que
não podiam arranjar os 5$000 réis da matrícula, outras maltrapilhas,
embriagadas”. Porém, o limite de idade afastava a maioria destas mulheres.
Conforme o estatuto da sociedade, “Cada sócio tem a obrigação de angariar
subscritores para a sociedade (...). A contribuição anual é de 6$000 para o
fundo de emancipação (...) Todo o fundo de emancipação é para alforriar
escravas; quaisquer despesas miúdas de anúncios, impressos etc., são por conta
dos sócios fundadores; - só poderão ser alforriadas escravas entre oito e vinte
e cinco anos (...) A alforria será por sorteio sobre o número de ordem das
escravas matriculadas; e esta para se habilitarem contribuirão com 5$000 réis,
e trarão o consentimento de seus senhores e a declaração da quantia que estes
pretendem pela liberdade (...) O sorteio terá lugar cada vez que haja dinheiro
para uma alforria; e logo que à escrava saia a sorte da liberdade, a Diretoria
da Sociedade tratará com o senhor sobre o preço da alforria; se não chegarem a
um acordo, entrará o número outra vez para a urna, e se procederá a novo
sorteio”.
A Sociedade foi criada em março e em agosto
de 1869 ocorreu a compra de duas alforrias. Uma das sorteadas foi a escrava
Amélia cuja proprietária Clara Vieira de Castro exigiu valor alto por sua
compra e se negou a aceitar um valor menor. Novo sorteio foi feito e novamente
Amélia foi sorteada e a comissão retornou a sua proprietária que negou
novamente a venda. A própria escrava conseguiu em três dias a diferença do valor
com doações e pagou a sua ex-proprietária o valor estipulado. De um lado
evidencia o escravismo brutal e inflexível da escravista e de outro a
sensibilidade de pessoas que doaram para que ela obtivesse a sua liberdade,
mesmo sendo um valor absurdo.
A carta de libertação é um documento
histórico que esclarece a relação propriedade e mercadoria: “Eu abaixo
assinada, D. Clara Vieira de Castro, declaro que sou legítima senhora da
escrava Amélia nascida nesta cidade, e filha de outra minha escrava de nome
Aldina, e que tendo recebido da Sociedade Promotora de Emancipação de Escravos
nesta cidade a quantia de dois contos de réis, desde este momento considero
liberta a minha referida escrava Amélia, e desisto de todos os direitos que
nela tinha como minha propriedade. Rio Grande do Sul, 6 de Setembro de 1869.
Clara Vieira de Castro”.
A Sociedade teve vida curta pois a Lei do
Ventre Livre (1871) garantia a liberdade aos filhos de escravas sem necessidade
de libertar suas mães. Também é preciso destacar que o idealizador, João Frick,
não era favorável a abolição da escravatura mas sim a um processo lento em que
o último escravo morresse por velhice no Brasil. Conforme o sanitarista João
Frick, “as moléstias de longa data, quando curáveis, devem curar-se
morosamente, e não de um só golpe; porque a cura rápida pode trazer
inconvenientes, ou novas moléstias”. A transição muito lenta seria necessária
para a readaptação dos negros livres e a adaptação dos proprietários as
mudanças econômicas inerentes ao desenvolvimento do capitalismo e de uma
sociedade não escravista. Ele era contrário a emancipação total dos escravos devido
a “circunstância de inferioridade de raça e da posição de embrutecimento que a
condição humilde da servidão dá ao escravo no Brasil”. Especialmente, a partir do movimento
republicano, o encaminhamento do fim da escravidão se deu, entre avanços e
recuos, de forma mais contundente em direção a abolição e não ao prolongamento
das relações escravistas. A Sociedade, dentro de seus objetivos, foi uma
experiência pioneira, mas, não deixou herança a ser seguida em outras cidades
brasileiras. Os clubes abolicionistas posteriores, foram mais amplos em sua
proposta, com homens e mulheres podendo obter sua liberdade.
Disputa entre escravistas e abolicionistas.Revista Ilustrada de Ângelo Agostini. |
Lei do Ventre Livre, Revista Ilustrada, 21-05-1871. |
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