Porto do Rio Grande em 1908

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segunda-feira, 24 de junho de 2019

SOCIEDADE PROMOTORA DA EMANCIPAÇÃO DE ESCRAVOS



Há 150 anos, foi criada em Rio Grande, a primeira sociedade de emancipação de escravos do Brasil. O nome era Sociedade Promotora da Emancipação de Escravos na Província do Rio Grande do Sul e a proposição partiu da Loja Maçônica Acácia Rio-Grandense. A finalidade era a manumissão de escravas na idade de procriação, entre 8 e 25 anos, com o objetivo de os filhos nascessem livres e desta forma a escravidão teria uma natural extinção em algumas (várias) décadas, pois escravas com mais de 25 anos não eram aceitas para terem a sua liberdade comprada de seus proprietários.
O presidente da Sociedade era o médico João Landel, porém, João Frick é tido como o seu idealizador, especialmente, pelo livro que escreveu em Lisboa no ano de 1885, em que são obtidos detalhes sobre o funcionamento da Sociedade (“Abolição da escravatura - Breve notícia sobre a Primeira Sociedade de Emancipação de Escravos do Brasil”). Conforme, Frick, “apresentavam-se muitas escravas de todas as idades, de todas as condições, sem autorização dos senhores, umas pedindo informações, outras auxílio, outras queixando-se de que não podiam arranjar os 5$000 réis da matrícula, outras maltrapilhas, embriagadas”. Porém, o limite de idade afastava a maioria destas mulheres. Conforme o estatuto da sociedade, “Cada sócio tem a obrigação de angariar subscritores para a sociedade (...). A contribuição anual é de 6$000 para o fundo de emancipação (...) Todo o fundo de emancipação é para alforriar escravas; quaisquer despesas miúdas de anúncios, impressos etc., são por conta dos sócios fundadores; - só poderão ser alforriadas escravas entre oito e vinte e cinco anos (...) A alforria será por sorteio sobre o número de ordem das escravas matriculadas; e esta para se habilitarem contribuirão com 5$000 réis, e trarão o consentimento de seus senhores e a declaração da quantia que estes pretendem pela liberdade (...) O sorteio terá lugar cada vez que haja dinheiro para uma alforria; e logo que à escrava saia a sorte da liberdade, a Diretoria da Sociedade tratará com o senhor sobre o preço da alforria; se não chegarem a um acordo, entrará o número outra vez para a urna, e se procederá a novo sorteio”.
A Sociedade foi criada em março e em agosto de 1869 ocorreu a compra de duas alforrias. Uma das sorteadas foi a escrava Amélia cuja proprietária Clara Vieira de Castro exigiu valor alto por sua compra e se negou a aceitar um valor menor. Novo sorteio foi feito e novamente Amélia foi sorteada e a comissão retornou a sua proprietária que negou novamente a venda. A própria escrava conseguiu em três dias a diferença do valor com doações e pagou a sua ex-proprietária o valor estipulado. De um lado evidencia o escravismo brutal e inflexível da escravista e de outro a sensibilidade de pessoas que doaram para que ela obtivesse a sua liberdade, mesmo sendo um valor absurdo.
A carta de libertação é um documento histórico que esclarece a relação propriedade e mercadoria: “Eu abaixo assinada, D. Clara Vieira de Castro, declaro que sou legítima senhora da escrava Amélia nascida nesta cidade, e filha de outra minha escrava de nome Aldina, e que tendo recebido da Sociedade Promotora de Emancipação de Escravos nesta cidade a quantia de dois contos de réis, desde este momento considero liberta a minha referida escrava Amélia, e desisto de todos os direitos que nela tinha como minha propriedade. Rio Grande do Sul, 6 de Setembro de 1869. Clara Vieira de Castro”.
A Sociedade teve vida curta pois a Lei do Ventre Livre (1871) garantia a liberdade aos filhos de escravas sem necessidade de libertar suas mães. Também é preciso destacar que o idealizador, João Frick, não era favorável a abolição da escravatura mas sim a um processo lento em que o último escravo morresse por velhice no Brasil. Conforme o sanitarista João Frick, “as moléstias de longa data, quando curáveis, devem curar-se morosamente, e não de um só golpe; porque a cura rápida pode trazer inconvenientes, ou novas moléstias”. A transição muito lenta seria necessária para a readaptação dos negros livres e a adaptação dos proprietários as mudanças econômicas inerentes ao desenvolvimento do capitalismo e de uma sociedade não escravista. Ele era contrário a emancipação total dos escravos devido a “circunstância de inferioridade de raça e da posição de embrutecimento que a condição humilde da servidão dá ao escravo no Brasil”.  Especialmente, a partir do movimento republicano, o encaminhamento do fim da escravidão se deu, entre avanços e recuos, de forma mais contundente em direção a abolição e não ao prolongamento das relações escravistas. A Sociedade, dentro de seus objetivos, foi uma experiência pioneira, mas, não deixou herança a ser seguida em outras cidades brasileiras. Os clubes abolicionistas posteriores, foram mais amplos em sua proposta, com homens e mulheres podendo obter sua liberdade.
Disputa entre escravistas e abolicionistas.Revista Ilustrada de Ângelo Agostini. 

Lei do Ventre Livre, Revista Ilustrada, 21-05-1871.


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