A
Matéria de Edison Veiga (de Milão para a BBC News Brasil) a “A epidemia de
peste que quase dizimou a humanidade 5 mil anos atrás” aborda uma doença que
causou milhões de vítimas na Idade Média. Ainda nos primórdios do século XX,
cidades do litoral brasileiro estavam em sobressalto com o avanço dos casos de
peste que inclusive chegaram ao Porto do Rio Grande. As novas descobertas
trazem um cenário novo que é a longa duração temporal em que a peste bubônica
acompanha os seres humanos e propõe hipóteses plausíveis para sua difusão.
A
matéria foi publicada no dia 06 de dezembro de 2018 no site https://www.bbc.com/portuguese e está
sendo parcialmente reproduzida a seguir:
“A peste bubônica - também conhecida como
peste negra - é famosa por ter causado epidemias devastadoras que acometeram a
humanidade. Em 1347, por exemplo, estima-se que a doença tenha matado cerca de
um terço da população europeia.
Acreditava-se que essa teria sido a primeira
das grandes epidemias de peste. Mas uma descoberta de cientistas franceses,
suecos e dinamarqueses traz indícios de que uma cepa ancestral da mesma
bactéria - a Yersinia pestis - já causava mortes em humanos no Neolítico.
"Nossa pesquisa revelou o que
acreditamos que foi a primeira grande pandemia da história humana",
afirmou à BBC News Brasil o biólogo Nicolás Rascovan, principal autor do
estudo, publicado nesta quinta na revista científica Cell. "Essa pandemia
pode ter desempenhado um papel em importantes eventos históricos da
época."
Rascovan enumera três evidências principais
do estudo. Entre 5,7 mil e 5,1 mil anos atrás - para a história do mundo, um
espaço curto de tempo -, muitas linhagens independentes de Yersinia pestis
divergiram e se espalharam por toda a Eurásia.
No mesmo intervalo de tempo, meios conduzidos
por humanos e capazes de espalhar uma doença sobre grandes regiões geográficas
- como meios de transporte sobre rodas e tração animal - também se expandiram
por toda essa grande região.
A mesma época coincide com o surgimento dos
primeiros assentamentos humanos considerados de grande porte - ou seja,
aglomerações com até 20 mil pessoas que viviam em contato próximo com animais e
provavelmente sob condições sanitárias precárias.
"Assim, pela primeira vez na história da
humanidade, houve simultaneamente condições perfeitas para o surgimento de
doenças, nesses grandes assentamentos, ao mesmo tempo que havia tecnologia
suficiente para disseminá-las rapidamente por grandes distâncias",
prossegue o biólogo.
Para corroborar essas evidências, pesquisas
arqueológicas apontam que, no mesmo período, populações neolíticas europeias
estavam em declínio. "Ao mesmo tempo em que a peste emergiu e se espalhou.
Logo, supomos que ela tenha desempenhado papel importante nesse processo",
diz Rascovan.
Mas os pesquisadores analisaram também bancos
de dados com informações genéticas obtidas de fósseis humanos do período. E
chegaram a uma mulher, que teria vivido há mais de 5 mil anos onde hoje é a
Suécia e morreu com 20 anos em decorrência de uma cepa ancestral da peste. Tudo
indica, portanto, que esta seja a origem genética da Yersinia pestis.
"O tipo de análise que fizemos nos
permite voltar no tempo e observar como evoluiu esse patógeno que teve efeito
tão grande na humanidade", comenta outro autor da pesquisa, o cientista
Simon Rasmussen.
"Essa cepa nos permitiu aprender coisas
interessantes sobre o início da história da peste", afirma Rascovan.
"Como foi encontrada num lugar e tempo que não se encaixava em nenhum
modelo anterior do surgimento e propagação da praga, isso nos fez repensar tudo
e construir um novo modelo evolutivo. Ao descobrir que esta linhagem era a mais
antiga, a mais ancestral conhecida até o momento, podemos deduzir que a peste
provavelmente surgiu nos primeiros grandes assentamentos humanos europeus, de
onde provavelmente se espalhou rapidamente por toda a Eurásia."
Os cientistas acreditam que, a partir de
agora, arqueólogos que estudam remanescentes humanos do período Neolítico
poderão ter as atenções também voltadas para indícios da bactéria da peste.
Além, é claro, de considerar o impacto destrutivo das doenças em análises das
sociedades de então.
O que certamente permanecerá sendo mistério
foi como a humanidade primitiva conseguiu vencer a primeira grande pandemia,
não sendo extinta completamente. "A peste é causada por uma das bactérias
mais letais que já existiram para os humanos", completa Rasmussen.
O pesquisador acredita que a bactéria tenha
evoluído de algo praticamente inofensivo - e este ponto é importante para
entender como os patógenos se tornam mortais. "Muitas vezes, pensamos que
esses superpatógenos sempre estiveram por perto", afirma Rasmussen.
"Pois a peste evoluiu de um organismo
que era relativamente inofensivo. Mais recentemente, aconteceu o mesmo com
varíola, malária, ebola e zika. Trata-se de um processo muito dinâmico, que
continua acontecendo. Isso é muito interessante para ser estudado."
Rasmussen acredita que o achado completa o
que já se sabia sobre o declínio das populações europeias no período. "Os
dados se encaixam. Se a peste evoluiu nos grandes assentamentos, então, quando
as pessoas começaram a morrer, os assentamentos acabaram abandonados e
destruídos. Isso é exatamente o que se observa por volta de 5,5 mil anos
atrás", explica ele. "Então, as pessoas começaram a migrar ao longo
de todas as rotas de comércio possibilitadas pelo transporte da época,
expandindo-se rapidamente em toda a Europa nesse período."
O que explica o fato de a praga ter chegado
ao pequeno assentamento humano na região da Suécia, onde resquícios da bactéria
foram observados na tal mulher morta aos 20 anos”.
KARL-GÖRAN SJÖGREN / UNIVERSIDADE DE GOTEMBURGO. Reproduzido pela BBC. |
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