A
multifacetada imprensa da cidade do Rio Grande é um precioso campo para as
pesquisas dos últimos 186 anos da história local com suas inserções/interfaces com
a história regional, nacional e internacional.
Uma das
abordagens possíveis é a análise do uso da poesia nos jornais. Francisco das
Neves Alves no artigo [“Usos e abusos da poesia no contexto da imprensa rio-grandina”
In: História & Literatura no Rio Grande do Sul. Rio Grande: Curso de
Especialização em História/FURG (Coleção Pensar a História Sul-Rio-Grandense), 2001],
discorre sobre uma das apropriações mais incomuns na utilização (e
subutilização) da poesia pelo jornalismo caricato foi feito pelo jornal a “Comédia
Social”, em sua edição de 13 de maio de 1888. Neste dia foram publicados uma série
de anúncios, todos eles versejados. Segundo o autor, esta estratégia prendia-se à
grande carência de matéria publicitária nos jornais caricatos, buscando a folha
criar uma alternativa, um diferencial, para atrair os possíveis anunciantes. As
propagandas eram dos mais variados produtos, serviços e estabelecimentos, como:
mercearia, armarinho, armazém, alfaiataria, farmácia, relojoaria, joalheria,
livraria, dentista e lojas de fazendas, calçados e apetrechos de montaria e
caça.
Alves
enfatiza que poesia “significa ato de fazer algo, portanto, implica a idéia de
ação e criação”, no “seu sentido mais vasto”. No entanto, ela envolve outros
aspectos como o ritmo, a melodia e uma “linguagem de conteúdo lírico ou
emotivo” . Nestes casos em estudo há uma certa esterilidade no aspecto
artístico das poesias, nenhuma preocupação com estilo, métrica, escolas
literárias e, certas vezes, nem com a própria gramática. Há, isto sim, uma
utilização objetiva, direta e pragmática da poesia. O que se pretendia era
passar uma mensagem que, ritmada, permitia uma comunicação mais apelativa. Numa
analogia limitada pelas discrepâncias cronológicas, mas, ainda assim, válidas,
como os jingles, os bordões e/ou os jargões, utilizados pelos meios de
informação de massa, contemporaneamente, a poesia visava chamar e/ou prender a
atenção e, se possível, alojar-se na memória mnemônica do público leitor,
surtindo, em muitos momentos, um efeito mais imediato e incisivo que as longas matérias
editoriais ou informativas, constituindo-se, portanto, em excelente estratégia
discursiva para os padrões de então, conclui o autor.
Vejamos alguns exemplos destes anúncios
publicados há 130 anos:
BRAGA E SILVA
Caixinhas das mais mimosas
Com frutas cristalizadas
Queijo de Minas tão frescos
Que até parecem cocadas!
Açúcar sem competência
Nos preços e qualidade
Por mais que busquem, procurem
Não há igual na cidade
Biscoitos finos, ingleses
Manteiga nacional,
De um sabor muito agradável,
A 2 e cem por sinal.
E muitos gêneros, todos
Bons, gostosos, delicados
A eles pois quem quiser
Só não se vendem fiados.
AO SANDIM JÚNIOR
Gêneros todos
Superiores,
Sim, pois melhores
Quem é que tem?
Queijos, sardinhas,
Doces, cerveja
Que faz inveja
Sabem a quem?
A quem
deseja
Querer passar-nos,
E eclipsar-nos
Com seus anúncios,
Mas nós seguimos
Sempre adiante.
Dizendo: - avante,
Salta pafuncios.
ALFAIATARIA LUZITANA
Casimira das mais finas
Sortimento primoroso,
Padrões modernos, à escolha
Do freguês mais caprichoso;
Com máxima brevidade
Se apronta qualquer costume
Que faz morrer aos colegas
Nos anseios do ciúme.
Tesoura já adestrada
Não teme competidoras,
Pois corta segundo a moda
As roupas mais sedutoras.
Nos preços - negócio a parte -
Ninguém nos iguala, e é certa
A barateza que espanta
Deixando de boca aberta.
RELOJOARIA MASSERAN
Relógios para senhora,
Prá cavalheiros também;
De plaqueta, de prata e ouro,
Como iguais ninguém mais tem.
Pêndulas boas e finas,
Garantidas sem rival,
Relógios para parede,
Correntes de bom metal.
Também se fazem consertos
Por preços mui reduzidos,
Garantindo que os fregueses
Saem todos bem servidos.
A fama que há muito goza
Esta casa, na cidade,
Bem mostra ser conhecida
Por sua capacidade.
ESTABELECIMENTO DE ANTONIO JOÃO DA EIRA
Ricos e lindos selins
Nacionais e estrangeiros,
Prá montaria de damas
E também de cavalheiros;
Lombilhos e serigotes,
Badanas acolchoadas,
Mantas prá selim e rédeas
Com bem feitas cabeçadas.
Barrigueiras com espelhos,
Lisas e bem lavradas,
Bons arreios para carros,
Obras mui bem acabadas.
Estribos, bocais, esporas,
Espingardas de dois canos,
Sortimento de cartuchos
E revólveres soberanos.
PHARMACIA MASSERON
Medicamentos modernos
Dos mais célebres autores
Nacionais e estrangeiros,
Não tememos competência
Nos preços nem qualidades;
De xaropes e pastilhas
Temos mil variedades.
Com prontidão aviamos
Receitas a qualquer hora.
Prima sempre a nossa casa
Em não ter nisso demora.
Farinhas prá sinapismos,
Prá cataplasmas também,
Ungüentos e laxantes
Como iguais ninguém mais tem.
GABINETE DENTÁRIO
Tiram-se dentes sem dor
Trabalho assaz delicado,
Pelos modernos sistemas,
E preço mui moderado.
Vende-se pó Trajanino
Que limpa e embeleza os dentes,
Sendo já reconhecido
Ser de efeitos excelentes.
Também se atende a chamados
Prá os misteres já sabidos,
Fazendo-se dentaduras
Por preços mui reduzidos.
Das nove às quatro da tarde
Podemos ser procurado
Na rua dos Príncipes, esquina,
Da Zalony, num sobrado.
LIVRARIA AMERICANA
No seu gênero, a primeira
Que temos nesta cidade;
Vende papel, penas, tinta,
Da mais fina qualidade.
Lousas, lápis, livros, lacre,
Papel próprio prá impressão,
Romances, dramas, comédias,
Tudo em conta e em profusão.
Livros próprios para estudo,
Ditos em branco, poesias,
Poemas de bons autores,
Verdadeiras harmonias.
Também fazem-se cartões
Com presteza e nitidez;
E imprime-se qualquer obra
Ao agrado do freguês.
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