A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
foi fundada em 1803. O atendimento hospitalar à população carente teve início
em Rio Grande no ano de 1806, quando o padre Francisco Ignácio da Silveira,
criou uma sociedade beneficiente voltada ao auxílio das famílias carentes com
distribuição de esmolas e alimentos. Em 1807, esta sociedade tentou construir
um prédio para ser utilizado como hospital uma obra que foi paralisada em 1811
pela falta de recursos financeiros. Em 1831, a Sociedade Beneficiencia foi
criada para ajudar os enfermos com esmolas para os familiares. Esta sociedade
em março de 1835 constitui a irmandade da Santa Casa sob invocação do Espírito
Santo. Esta irmandade é que na década de 1840 passou a administrar os Expostos.
“Todas as
misérias e todos os achaques que pesam sobre a humanidade recebem nestas casas
estabelecidas para tão piedoso fim, alívios e socorros eficazes. Muitos entram
vergados sob as dores e os tormentos das enfermidades, e saem enriquecidos de um
tesouro que só deles depende a conservação – a saúde. Mas completa não é nossa
missão, cujos embaraços aumentam apesar de todos os cuidados, planos e bons
desejos que se empregam para realizá-la, ou pelo menos torná-la digna de sua
instituição, que falar dos Expostos, daquelas inocentes criaturas, que antes e
depois de nascidas, bebem a longos sorvos na taça da desgraça, e talvez do
crime que lhes propina o veneno, para ocultar uma vergonha antes desconhecida,
onde os prazeres, as paixões, ou talvez o interesse encubram com flores os
espinhos agudos, que deviam rasgar o véu de um falso pudor ou a venda com que
se procura mascarar os resultados de um passo errado. Tudo é lícito supor da
parte dos entes desalmados que abandonam à caridade pública seus inocentes
filhos, frutos de amores ilícitos, da devassidão e da preguiça. Um crime prende
sempre outro crime, e os prejuízos, que tanta influência tem na sociedade,
aconselham muitas vezes um atentado oculto, para impedir a fronte de corar e
conservar-se altiva, embora a consciência reprove pretensões, honras e
respeitos unicamente devidos à virtude!
A mortalidade em todas as partes onde existem estabelecimentos para a
infância abandonada induz a crer que é devida a tentativas feitas antes de
nascerem para delas verem-se livres as mães desalmadas que as geraram.
Infanticídios estes, que não são provados porque os filhos mal manipulados, ou
as doses despropositadas não preencheram os desejos e impediram a realização
completa do crime: algumas horas de uma existência dúbia é bastante para lançar
na roda dos infelizes salvar as aparências condenatórias e aumentar nos anais
da santa Casa o rol dos óbitos, atribuídos à falta de cuidados, ou vigilância
dos empregados desta, quando a maior parte das criaturas beberam com a vida
venenos lentos ou sofreram suplícios a que não eram condenadas, porque não
pediram a existência aos entes bárbaros que lhes deram sem quererem
conserva-la. É fora de dúvida que a mortalidade dos recém-nascidos, lançados na
roda da Santa Casa, não pode ser atribuída a outras causas, que não sejam os
maus tratamentos, a privação de alimentos necessários, ou os cálculos de evitar
algumas despesas para os últimos deveres, pois que muitas destas criaturas tem
expirado poucas horas depois de haverem sido recolhidas na roda.
O nosso estabelecimento de expostos teve
princípio em julho de 1843. A Câmara Municipal era quem até então se
encarregava deste serviço, que passou a Santa Casa por proposta da presidência
da Província, de 22 de dezembro de 1842 e recebeu da Câmara duas meninas que
continuaram a ser socorridas e um prédio sito à rua da Praia que produz
anualmente 480$000 réis de aluguel único patrimônio que esta repartição possui.
Desde que a Santa Casa tomou a seu cargo curar dos expostos, até 30 de junho de
1860, vieram a roda 139 crianças com aquelas duas que recebeu da Câmara, e mais
11 que a roda recebeu neste último ano compromissal, fazem o número de 152;
sendo 78 do sexo feminino e 74 do masculino; 121 brancos, 23 pardos e 8 pretos.
Foram reclamados por seus parentes 9, ficaram maiores e a cargo das pessoas que
os criaram 36, faleceram 81, existindo agora 26. Destes últimos, 15 são do sexo
feminino e 11 do masculino; 23 brancos e 3 pardos. Destes, 9 percebem a
mensalidade de 16$000 réis e 17 a de 12$000 réis, na forma estatuída. Nesta
cidade criam-se em casas particulares 15, e fora delas 11. Pela estatística que
vos apresento, tereis, como eu, de lastimar a extraordinária mortalidade destas
infelizes criaturas, já este ramo de serviço havia ocupado a atenção de meus
predecessores, que não puderam atingir o alvo que tanto desejavam, nem
encontrar um remédio a tantas desgraças.
Com todo o desvelo me ocupei de prevenir a perda de tantas vidas;
estudei todos os meios; observei as causas; consultei pessoas habilitadas e
tenho de confessar que não pude atribuí-la a outros motivos senão aos que
aponto no princípio do relatório. Busquei até o estimulo no interesse
estabelecendo gratificações às amas durante os dois primeiros anos dos
expostos, visitei-os e cuide que não lhes faltasse, e pouco consegui; porque a
substância principal falta aos recém-nascidos: os carinhos maternais, aqueles
cuidados que o coração inspira e que por uma espécie de influência magnética se
infiltram nas tenras criaturas, não podem ser supridos por amas de empréstimo e
assalariadas. No entanto, devemos confessar que todos nossos esforços não tem
sido infrutíferos, atentas as dificuldades de meios e nosso atraso de
conhecimento em tais materiais.
Consola-nos
poder reconhecer que temos alcançado, salvar, em proporção guardada maior
número de expostos, dos quais nunca sobreviveram na Europa 40%. Geralmente os
expostos a cargo da Santa Casa são bem tratados e entregues a amas escolhidas.
Pela conta da receita e despesa desta repartição, vereis que há um déficit
contra a Santa Casa de Rs. 1:010$013; tendo a Assembléia Provincial consignado
apenas Rs. 5:000$000, impondo a obrigação de curar os presos e as praças de
polícia. A Santa Casa aceitando o convite que lhe fez a Presidência da Província
em 1842, cumpriu um dever, contribuiu poderosamente para o bem estar dos
infelizes expostos e disso deve gloriar-se; porém, sendo diminuta a subvenção
concedida pela Assembléia, priva a pobreza de uma quantia anual, que lhe é
indispensável, diminui os seus recursos e lesa realmente os interesses da Santa
Casa.”
O serviço
dos Expostos foi assumido pela Santa Casa de Misericórdia do Rio Grande a
partir de 1843.Constata-se que a mortalidade era muito alta entre os expostos,
justificada pelo Provedor devido aos maus cuidados da mãe ou familiares antes
de entregar o bebê à roda. O dinheiro para manutenção era insuficiente, daí a
pressão ao governo provincial para liberação de mais recursos. O pagamento para
famílias criarem os expostos também era baixo, o que poderia resultar em
problemas de nutrição e saúde que possam explicar uma mortalidade tão elevada.
Cartão-postal da Santa Casa do Rio Grande (aproximadamente 1909). |
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