Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A RODA DOS EXPOSTOS EM RIO GRANDE


A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre foi fundada em 1803. O atendimento hospitalar à população carente teve início em Rio Grande no ano de 1806, quando o padre Francisco Ignácio da Silveira, criou uma sociedade beneficiente voltada ao auxílio das famílias carentes com distribuição de esmolas e alimentos. Em 1807, esta sociedade tentou construir um prédio para ser utilizado como hospital uma obra que foi paralisada em 1811 pela falta de recursos financeiros. Em 1831, a Sociedade Beneficiencia foi criada para ajudar os enfermos com esmolas para os familiares. Esta sociedade em março de 1835 constitui a irmandade da Santa Casa sob invocação do Espírito Santo. Esta irmandade é que na década de 1840 passou a administrar os Expostos.
          Em 1861, o Irmão-Provedor da Santa Casa de Misericórdia da cidade do Rio Grande Porfírio Ferreira Nunes apresentou um relatório das atividades desta irmandade. Neste relatório é possível inferir sobre a situação dos Expostos na cidade.
         “Todas as misérias e todos os achaques que pesam sobre a humanidade recebem nestas casas estabelecidas para tão piedoso fim, alívios e socorros eficazes. Muitos entram vergados sob as dores e os tormentos das enfermidades, e saem enriquecidos de um tesouro que só deles depende a conservação – a saúde. Mas completa não é nossa missão, cujos embaraços aumentam apesar de todos os cuidados, planos e bons desejos que se empregam para realizá-la, ou pelo menos torná-la digna de sua instituição, que falar dos Expostos, daquelas inocentes criaturas, que antes e depois de nascidas, bebem a longos sorvos na taça da desgraça, e talvez do crime que lhes propina o veneno, para ocultar uma vergonha antes desconhecida, onde os prazeres, as paixões, ou talvez o interesse encubram com flores os espinhos agudos, que deviam rasgar o véu de um falso pudor ou a venda com que se procura mascarar os resultados de um passo errado. Tudo é lícito supor da parte dos entes desalmados que abandonam à caridade pública seus inocentes filhos, frutos de amores ilícitos, da devassidão e da preguiça. Um crime prende sempre outro crime, e os prejuízos, que tanta influência tem na sociedade, aconselham muitas vezes um atentado oculto, para impedir a fronte de corar e conservar-se altiva, embora a consciência reprove pretensões, honras e respeitos unicamente devidos à virtude!
A mortalidade em todas as partes onde existem estabelecimentos para a infância abandonada induz a crer que é devida a tentativas feitas antes de nascerem para delas verem-se livres as mães desalmadas que as geraram. Infanticídios estes, que não são provados porque os filhos mal manipulados, ou as doses despropositadas não preencheram os desejos e impediram a realização completa do crime: algumas horas de uma existência dúbia é bastante para lançar na roda dos infelizes salvar as aparências condenatórias e aumentar nos anais da santa Casa o rol dos óbitos, atribuídos à falta de cuidados, ou vigilância dos empregados desta, quando a maior parte das criaturas beberam com a vida venenos lentos ou sofreram suplícios a que não eram condenadas, porque não pediram a existência aos entes bárbaros que lhes deram sem quererem conserva-la. É fora de dúvida que a mortalidade dos recém-nascidos, lançados na roda da Santa Casa, não pode ser atribuída a outras causas, que não sejam os maus tratamentos, a privação de alimentos necessários, ou os cálculos de evitar algumas despesas para os últimos deveres, pois que muitas destas criaturas tem expirado poucas horas depois de haverem sido recolhidas na roda.
O nosso estabelecimento de expostos teve princípio em julho de 1843. A Câmara Municipal era quem até então se encarregava deste serviço, que passou a Santa Casa por proposta da presidência da Província, de 22 de dezembro de 1842 e recebeu da Câmara duas meninas que continuaram a ser socorridas e um prédio sito à rua da Praia que produz anualmente 480$000 réis de aluguel único patrimônio que esta repartição possui. Desde que a Santa Casa tomou a seu cargo curar dos expostos, até 30 de junho de 1860, vieram a roda 139 crianças com aquelas duas que recebeu da Câmara, e mais 11 que a roda recebeu neste último ano compromissal, fazem o número de 152; sendo 78 do sexo feminino e 74 do masculino; 121 brancos, 23 pardos e 8 pretos. Foram reclamados por seus parentes 9, ficaram maiores e a cargo das pessoas que os criaram 36, faleceram 81, existindo agora 26. Destes últimos, 15 são do sexo feminino e 11 do masculino; 23 brancos e 3 pardos. Destes, 9 percebem a mensalidade de 16$000 réis e 17 a de 12$000 réis, na forma estatuída. Nesta cidade criam-se em casas particulares 15, e fora delas 11. Pela estatística que vos apresento, tereis, como eu, de lastimar a extraordinária mortalidade destas infelizes criaturas, já este ramo de serviço havia ocupado a atenção de meus predecessores, que não puderam atingir o alvo que tanto desejavam, nem encontrar um remédio a tantas desgraças.
Com todo o desvelo me ocupei de prevenir a perda de tantas vidas; estudei todos os meios; observei as causas; consultei pessoas habilitadas e tenho de confessar que não pude atribuí-la a outros motivos senão aos que aponto no princípio do relatório. Busquei até o estimulo no interesse estabelecendo gratificações às amas durante os dois primeiros anos dos expostos, visitei-os e cuide que não lhes faltasse, e pouco consegui; porque a substância principal falta aos recém-nascidos: os carinhos maternais, aqueles cuidados que o coração inspira e que por uma espécie de influência magnética se infiltram nas tenras criaturas, não podem ser supridos por amas de empréstimo e assalariadas. No entanto, devemos confessar que todos nossos esforços não tem sido infrutíferos, atentas as dificuldades de meios e nosso atraso de conhecimento em tais materiais.
     Consola-nos poder reconhecer que temos alcançado, salvar, em proporção guardada maior número de expostos, dos quais nunca sobreviveram na Europa 40%. Geralmente os expostos a cargo da Santa Casa são bem tratados e entregues a amas escolhidas. Pela conta da receita e despesa desta repartição, vereis que há um déficit contra a Santa Casa de Rs. 1:010$013; tendo a Assembléia Provincial consignado apenas Rs. 5:000$000, impondo a obrigação de curar os presos e as praças de polícia. A Santa Casa aceitando o convite que lhe fez a Presidência da Província em 1842, cumpriu um dever, contribuiu poderosamente para o bem estar dos infelizes expostos e disso deve gloriar-se; porém, sendo diminuta a subvenção concedida pela Assembléia, priva a pobreza de uma quantia anual, que lhe é indispensável, diminui os seus recursos e lesa realmente os interesses da Santa Casa.”

         O serviço dos Expostos foi assumido pela Santa Casa de Misericórdia do Rio Grande a partir de 1843.Constata-se que a mortalidade era muito alta entre os expostos, justificada pelo Provedor devido aos maus cuidados da mãe ou familiares antes de entregar o bebê à roda. O dinheiro para manutenção era insuficiente, daí a pressão ao governo provincial para liberação de mais recursos. O pagamento para famílias criarem os expostos também era baixo, o que poderia resultar em problemas de nutrição e saúde que possam explicar uma mortalidade tão elevada.

Cartão-postal da Santa Casa do Rio Grande (aproximadamente 1909). 

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