A década de 1910 foi marcante para a cidade
do Rio Grande. Foi o período da construção dos Molhes da Barra e do Porto Novo,
atividades que geraram cerca de 4.000 empregos. Nesta década, a Primeira Guerra
Mundial entre 1914-18 provocou a retração no comércio internacional
refletindo-se numa crise na cidade, inclusive, promovendo desemprego e
ampliando as condições precárias de existência. No ano de 1917, a Revolução
Russa lançará, há médio prazo, novas perspectivas nos enfrentamentos entre
trabalhadores e empresários, na tensa relação entre o capital e o trabalho. As
greves, fenômeno de liderança anarco-sindicalista se manifestará com
intensidade até o ano de 1919. A inauguração do grande frigorífico
norte-americano Swift em 1918, representará o início de um novo período de
geração de emprego e renda na cidade, apesar de promover a dependência e a
descapitalização dos estancieiros rio-grandenses. As grandes obras portuárias e
do frigorífico, em sintonia com o desenvolvimento industrial intensificado
desde a segunda metade da década de 1890 foram significativos na atração de
trabalhadores da metade sul do Rio Grande do Sul e também imigrantes
portugueses, poloneses e espanhóis. Entre estes milhares de trabalhadores,
cerca de 40% eram mulheres ligadas especialmente à indústria têxtil. O
crescimento industrial liderado pelas empresas Rheingantz, Ítalo-Brasileira e
Leal Santos, gera emprego mas também traz inúmeros problemas ligados a questões
de qualidade de vida urbana. Precárias condições de assistência médica e
hospitalar, ruas sem calçamento ou em más condições de trânsito, alagamentos,
falta de iluminação pública, dificuldades no fornecimento de água tratada,
casas em péssimas condições de manutenção, proliferação dos cortiços, baixa
escolaridade e acesso a informação, altos níveis de mortalidade adulta e
absurda mortalidade infantil.
A história do medo se manifesta através das
notícias da epidemia de gripe espanhola que assolava o Rio de Janeiro. Rio
Grande, enquanto cidade portuária é uma janela aberta para o mundo:
mercadorias, pessoas, culturas e também doenças são recebidas por seus braços
abertos, os Molhes da Barra. O medo desembarca no cais do Porto Velho e o
pânico tomará as ruas naquele mês de outubro de 1918. E depois o silêncio da
espera pelos próximos acontecimentos e a expectativa de sobrevivência quando
ocorrer à contaminação pelo vírus de influenza.
Há 100 anos se viveu uma fronteira entre o
medo e a sanidade, entre o pessimismo e a esperança. Impossível resgatar as
vozes de todos os que estavam vivendo aquele momento seja na Cidade Antiga que
viveu parte de sua vida dentro muros ou trincheiras, seja na Cidade Nova que
ainda tinha um horizonte de crescimento. Resgatar estas vozes nos daria a
dimensão do significado daqueles dias e das cicatrizes deixadas na memória dos
anos que se seguiram. Mas a cidade sobreviveu, apesar das sequelas,
evidenciando a grande capacidade humana em resistir e continuar repondo
rotinas, hábitos, reproduções conscientes ou inconscientes, identidades de
classe e cultura, referenciais públicos e privados, em suma, o cotidiano.
Porém, a viagem no tempo passado através dos vestígios deixados, que é o estudo
da História, nos permite fazer uma reflexão sobre como no presente
enfrentaríamos uma epidemia nas dimensões que aquelas pessoas enfrentaram? Será
que todo o desenvolvimento hospitalar, farmacológico e da medicina estaria disponível
à população, nos propiciando um enfrentamento completamente diferente de 100
anos no passado?
Gripe e a força policial em Seattle, EUA, em 1918. |
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