Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 3 de junho de 2018

NA PRAIA DO RIO GRANDE

        
Padre Ambrósio Schupp no livro Os Muckers, 2. edição, 1912 .

O padre Ambrósio Schupp foi autor de vários livros e artigos a maioria impressos em Paderborn na Alemanha. Nascido em 1840, tendo ingressado para a Companhia de Jesus em 1869, o padre Schupp desenvolveu uma ampla atividade literária e religiosa desde sua chegada ao Brasil em 1874. Escreveu em 1891 Besuch am La Plata (Visita ao Prata), posteriormente elaborou uma coleção de contos de fadas, tornando-se conhecido pela obra romântico-histórica Die Mucker – eine episode aus der geschichte der deutschen kolonien in Rio Grande do Sul (Os Muckers – um episódio da história das colônias alemãs no Rio Grande do Sul).
        Adaptando as necessidades práticas no seminário dos jesuítas em São Leopoldo com a experiência teatral que possuía, Schupp produziu muitas peças dramáticas como Die swilling (Os gêmeos), Treu bis in den tod (Fiel até a morte), Der Sternwirt (O taberneiro das estrelas), etc. Os dramas escolares escritos pelo padre contavam somente com papéis masculinos.
Schupp viveu em Rio Grande, sendo Reitor do Colégio São Luís Gonzaga no ano de 1899. O trabalho publicado em alemão com o título de Am strand von Rio Grande (1906) foi publicado em português no Anuário de Estado do Rio Grande do Sul (1908) com o título de Na praia do Rio Grande, obra de onde foram retirados os trechos a seguir. O educador faleceu em Porto Alegre no ano de 1914.

A PRAIA VISTA DA CIDADE
O artigo trata essencialmente de observações ligados a fauna existente na então denominada praia do Rio Grande ou da Macega (atualmente localizada na área ocupada pela Capitania dos Portos e indústrias pesqueiras da rua Marechal Andréa) e secundariamente são feitos comentários sobre as atividades portuárias no final do século XIX. Nesta descrição de mais de um século no passado, é possível montar um cenário dos elementos componentes da paisagem natural e humana vislumbrada pelos visitantes desta área próxima ao atual centro da cidade.
Segundo o padre Schupp, a cidade está situada sobre uma “língua de terra que é banhada por três lados pelas águas salobras da Lagoa dos Patos e como pelo quarto lado só se comunica com a planície coberta de areias movediças, não oferece naturalmente lugares apropriados a passeios pitorescos”. Como a região da praia é que despertava maior interesse, “para ela me dirigi muitas vezes, quando após os trabalhos da semana, queria procurar distração para o espírito”.
        A vista junto à “praia do Rio Grande” era agradável, pois destacava-se São José do Norte. À direita e a esquerda vislumbravam-se algumas ilhas “aqui está a estrada fluida que liga a Lagoa dos Patos ao alto mar”.  O padre presenciou o deslocamento de uma grande embarcação até o porto do norte, “toda a habilidade de um prático bem experimentado foi preciso para conduzi-lo aquele lugar por entre os bancos de areia da barra. Por ser o porto do Rio Grande muito baixo, não se arrisca o gigante à nele entrar. Por isso se acha ele cercado de barcaças que vão recebendo seus tesouros para recolhê-los a Alfândega”. Constata-se que no final do século XIX o baixo calado do porto e da barra era fator de apreensão. Situação que somente foi superada com a construção do Porto Novo (1915) e dos Molhes da Barra.
        Conforme Schupp, o lugar que ele costumava caminhar era conhecido pelo nome de Macega, denominação dada ao capim de banhado que se disseminava naquela área. “Em geral se encontra o terreno gramado debaixo de uma camada rasa de água; o caminho, porém, é seco, salvo quando uma chuva forte o tem tornado intransitável”.
        Segundo ele, o que primeiramente se destaca ao passear pela Macega são os milhares de caranguejos “que em posições esquisitas ocupam lugares destituídos de grama, ora sob a superfície da água, ora sobre pequenos montinhos de terra, - mas sempre procurando encontrar uma presa. Com quanto seja enorme a concorrência parece que não lhes falta alimentação”. Pequenos peixes são atacados “com a rapidez do relâmpago”. Os caranguejos costumam escalar o capim-macega em busca de alimento, “em tais ocasiões é difícil conter-se o riso ao ver-se as evoluções de ginástica com as quais executam a subida e a descida”. Os caranguejos, para Schupp, estariam realizando uma “perigosa obra de destruição” transformando o solo junto à praia numa “esponja porosa” que vai sendo tragada pelas águas. “Se sobrevem um vento forte ou antes, uma tempestade que atire as ondas com violência sobre a praia, pode acontecer que faixas inteiras de terra se desprendam, as quais serão emborcadas pela fúria da maré”.
        A alguma distância da praia, vêem-se algumas estacas batidas, que afloram da água, sendo raro “vê-las sem que um pássaro qualquer aí não esteja pousado. Geralmente é o biguá, um pássaro pescador, de plumagem preta e aparentado com o cormoran da Alemanha. Imóvel, como se fora talhado em pedra, atira ele de seu pouso arejado olhares cobiçosos sobre a presa”.
        O autor também observou a ação dos siris que exercem “a profissão de ladrão da praia”, devido as suas “más particularidades de caráter é ele um mau companheiro para os pequenos habitantes da água; o peixinho ou o camarão que ele apanha é levado direitinho para a boca, para o que as tenazes lhe servem de mão. Como a carne destes é muito gostosa, são eles muito perseguidos e sempre se encontram no mercado do Rio Grande siris vivos, expostos à venda ao lado de vários peixes”.
        Schupp refere-se à presença de medusas fosforescentes e relata a seguinte história: “Há alguns anos, e isso foi num dia 27 de julho, o ar estava frio, e as ondas no porto bem agitadas, pois havia dias que reinava forte temporal; naquele dia, porém, havia calmaria. Um de nossos alunos me trouxe oito a dez medusas que tinha apanhado na profundidade do prédio da Alfândega”. Também é feito o relato da presença de botos na área da Macega, os quais eram freqüentemente observados de visita na Lagoa. O crânio de um boto identificado pelo autor foi recolhido ao “pequeno museu do Rio Grande”.
        Este relato do padre Schupp, descrevendo a fauna encontrada na então denominada praia do Rio Grande, finaliza com uma pescaria que infelizmente acabou não sendo realizada: “É possível que na Macega se possa pegar muito peixe interessante; mas nós vamos deixar a pesca para outra ocasião”.


Porto Velho do Rio Grande em 1909. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Área da Estação Marítima com a paisagem do tempo do padre Schupp (à esquerda o estilo neogótico do "Sobrado da Macega" e ao fundo o Moinho Rio-Grandense). O caminho à esquerda (Rua General Andréa) levava a região descrita pelo autor.  Estimativa da imagem: 1910-1920. Acervo: Biblioteca Rio-Grandense.




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