Padre Ambrósio Schupp no livro Os Muckers, 2. edição, 1912 . |
O padre Ambrósio Schupp foi autor de vários livros e artigos
a maioria impressos em Paderborn na Alemanha. Nascido em 1840, tendo ingressado
para a Companhia de Jesus em 1869, o padre Schupp desenvolveu uma ampla
atividade literária e religiosa desde sua chegada ao Brasil em 1874. Escreveu
em 1891 Besuch am La Plata (Visita ao
Prata), posteriormente elaborou uma coleção de contos de fadas, tornando-se
conhecido pela obra romântico-histórica Die
Mucker – eine episode aus der geschichte der deutschen kolonien in Rio Grande
do Sul (Os Muckers – um episódio da história das colônias alemãs no Rio
Grande do Sul).
Adaptando
as necessidades práticas no seminário dos jesuítas em São Leopoldo com a
experiência teatral que possuía, Schupp produziu muitas peças dramáticas como Die swilling (Os gêmeos), Treu bis in den tod (Fiel até a morte), Der Sternwirt (O taberneiro das
estrelas), etc. Os dramas escolares escritos pelo padre contavam somente com
papéis masculinos.
Schupp viveu em Rio
Grande, sendo Reitor do Colégio São Luís Gonzaga no ano de 1899. O trabalho
publicado em alemão com o título de Am
strand von Rio Grande (1906) foi publicado em português no Anuário de
Estado do Rio Grande do Sul (1908) com o título de Na praia do Rio Grande, obra de onde foram retirados os trechos a
seguir. O educador faleceu em Porto Alegre no ano de 1914.
A PRAIA VISTA DA CIDADE
O artigo trata essencialmente
de observações ligados a fauna existente na então denominada praia do Rio
Grande ou da Macega (atualmente localizada na área ocupada pela Capitania dos
Portos e indústrias pesqueiras da rua Marechal Andréa) e secundariamente são
feitos comentários sobre as atividades portuárias no final do século XIX. Nesta
descrição de mais de um século no passado, é possível montar um cenário dos
elementos componentes da paisagem natural e humana vislumbrada pelos visitantes
desta área próxima ao atual centro da cidade.
Segundo o padre Schupp, a
cidade está situada sobre uma “língua de terra que é banhada por três lados
pelas águas salobras da Lagoa dos Patos e como pelo quarto lado só se comunica
com a planície coberta de areias movediças, não oferece naturalmente lugares
apropriados a passeios pitorescos”. Como a região da praia é que despertava
maior interesse, “para ela me dirigi muitas vezes, quando após os trabalhos da
semana, queria procurar distração para o espírito”.
A vista
junto à “praia do Rio Grande” era agradável, pois destacava-se São José do
Norte. À direita e a esquerda vislumbravam-se algumas ilhas “aqui está a
estrada fluida que liga a Lagoa dos Patos ao alto mar”. O padre presenciou o deslocamento de uma
grande embarcação até o porto do norte, “toda a habilidade de um prático bem
experimentado foi preciso para conduzi-lo aquele lugar por entre os bancos de
areia da barra. Por ser o porto do Rio Grande muito baixo, não se arrisca o
gigante à nele entrar. Por isso se acha ele cercado de barcaças que vão
recebendo seus tesouros para recolhê-los a Alfândega”. Constata-se que no final
do século XIX o baixo calado do porto e da barra era fator de apreensão.
Situação que somente foi superada com a construção do Porto Novo (1915) e dos Molhes
da Barra.
Conforme
Schupp, o lugar que ele costumava caminhar era conhecido pelo nome de Macega, denominação dada ao capim de
banhado que se disseminava naquela área. “Em geral se encontra o terreno
gramado debaixo de uma camada rasa de água; o caminho, porém, é seco, salvo
quando uma chuva forte o tem tornado intransitável”.
Segundo
ele, o que primeiramente se destaca ao passear pela Macega são os milhares de caranguejos “que em posições esquisitas
ocupam lugares destituídos de grama, ora sob a superfície da água, ora sobre
pequenos montinhos de terra, - mas sempre procurando encontrar uma presa. Com
quanto seja enorme a concorrência parece que não lhes falta alimentação”.
Pequenos peixes são atacados “com a rapidez do relâmpago”. Os caranguejos
costumam escalar o capim-macega em busca de alimento, “em tais ocasiões é
difícil conter-se o riso ao ver-se as evoluções de ginástica com as quais
executam a subida e a descida”. Os caranguejos, para Schupp, estariam
realizando uma “perigosa obra de destruição” transformando o solo junto à praia
numa “esponja porosa” que vai sendo tragada pelas águas. “Se sobrevem um vento
forte ou antes, uma tempestade que atire as ondas com violência sobre a praia,
pode acontecer que faixas inteiras de terra se desprendam, as quais serão
emborcadas pela fúria da maré”.
A alguma
distância da praia, vêem-se algumas estacas batidas, que afloram da água, sendo
raro “vê-las sem que um pássaro qualquer aí não esteja pousado. Geralmente é o
biguá, um pássaro pescador, de plumagem preta e aparentado com o cormoran da Alemanha. Imóvel, como se
fora talhado em pedra, atira ele de seu pouso arejado olhares cobiçosos sobre a
presa”.
O autor
também observou a ação dos siris que exercem “a profissão de ladrão da praia”, devido
as suas “más particularidades de caráter é ele um mau companheiro para os
pequenos habitantes da água; o peixinho ou o camarão que ele apanha é levado
direitinho para a boca, para o que as tenazes lhe servem de mão. Como a carne
destes é muito gostosa, são eles muito perseguidos e sempre se encontram no
mercado do Rio Grande siris vivos, expostos à venda ao lado de vários peixes”.
Schupp
refere-se à presença de medusas fosforescentes e relata a seguinte história:
“Há alguns anos, e isso foi num dia 27 de julho, o ar estava frio, e as ondas
no porto bem agitadas, pois havia dias que reinava forte temporal; naquele dia,
porém, havia calmaria. Um de nossos alunos me trouxe oito a dez medusas que
tinha apanhado na profundidade do prédio da Alfândega”. Também é feito o relato
da presença de botos na área da Macega, os quais eram freqüentemente observados
de visita na Lagoa. O crânio de um boto identificado pelo autor foi recolhido
ao “pequeno museu do Rio Grande”.
Este
relato do padre Schupp, descrevendo a fauna encontrada na então denominada
praia do Rio Grande, finaliza com uma pescaria que infelizmente acabou não
sendo realizada: “É possível que na Macega se possa pegar muito peixe
interessante; mas nós vamos deixar a pesca para outra ocasião”.
Porto Velho do Rio Grande em 1909. Acervo: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. |
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