Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 3 de junho de 2018

FRANCISCO XAVIER FERREIRA: UM HOMEM PÚBLICO


 “Somos um exército, o exército de um homem só
No difícil exercício de viver em paz
Nesse exército, o exército de um homem só
Todos sabem
Que tanto faz
Ser culpado
Ou ser capaz
Tanto Faz...”. Engenheiros do Hawaii


Francisco Xavier Ferreira era natural da Colônia do Sacramento onde nasceu em 4 de dezembro de 1771. O pai nasceu em Portugal e a mãe era natural da Colônia do Sacramento sendo que ambos morreram na Vila do Rio Grande. Dos dez filhos do casal, três meninas e um menino estavam vivos quando a família foi obrigada a abandonar Sacramento em 1779, quando esta praça passou para o controle espanhol. Francisco Xavier Ferreira chegou a Rio Grande com apenas sete anos sendo alfabetizado nesta Vila. Em 1789, ano de eclosão da Revolução Francesa, seguindo o conselho de seu pai que era boticário, foi para o Rio de Janeiro onde cursou Química e Farmácia. Retornou dois anos depois com 20 anos de idade, exercendo o comércio como farmacêutico sendo chamado de “Chico da Botica”. Casou-se em 1793 com outra exilada da Colônia do Sacramento, Ana Joaquina, que também rumou com os pais para a Vila do Rio Grande onde se estabeleceram. O único filho do casal faleceu em 1821, com 26 anos de idade.
Francisco Xavier Ferreira destacou-se como escritor, jornalista e grande orador. Foi eleito Deputado à Câmara Constituinte do Império. Iniciado na Maçonaria foi destacado pelo Grande Oriente do Brasil para fundar uma filial maçônica na Vila do Rio Grande, organizando em 1820 a Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional. Tornou-se amigo do também maçon, D. Pedro I, a quem Xavier Ferreira encaminhou a representação de elevação de Porto Alegre à condição de cidade em 1822. O pedido foi aceito pelo Imperador que destacou o autor do pedido em Carta Imperial de 14 de novembro de 1822. D. Pedro I indicou Xavier Ferreira para compor a Quarta Junta Governativa para a Província de São Pedro a qual atuou entre novembro de 1823 e março de 1824.
Foi membro da Câmara Municipal do Rio Grande entre 1826 e 1829. A amizade com o Imperador foi desaparecendo e Xavier Ferreira defendeu a abdicação deste, que ocorreu em 1831. Neste ano, com máquinas compradas em Porto Alegre, ele monta uma tipografia em Rio Grande cuja primeira impressão foi um Hino de aclamação à elevação de D. Pedro II a condição de futuro Imperador do Brasil. Nesta mesma tipografia foi publicado o primeiro jornal da Vila do Rio Grande, O Noticiador que circulou a partir de 3 de janeiro de 1832 perdurando até 17 de novembro de 1835, quando o editor transfere-se para Porto Alegre, onde o jornal prossegue até fevereiro de 1836. O periódico realizava fortes ataques aos conservadores que se mantinham antagônicos às posturas liberais. O posicionamento pró-revolucionário marcou a existência do jornal e de certa forma selou o destino de seu editor quando da repressão anti-liberal.
A dedicação de Xavier Ferreira por assuntos ligados a Rio Grande expressou-se quando da elevação da localidade à condição de cidade em 27 de junho de 1835, um projeto por ele apresentado à Assembléia Legislativa da Província. Com a eclosão da Revolução Farroupilha, a postura liberal assumida por este deputado na crítica à política centralista e autoritária durante o período regencial (1831-1840), torna-o um alvo de destaque frente aos defensores do Império, ainda mais por ter assumido a presidência da Assembléia Provincial sob intervenção farroupilha em novembro de 1835. Em junho de 1836, ele foi preso em Porto Alegre após o fracasso do controle farroupilha na capital e enviado para prisão de Villegagnon no Rio de Janeiro. Durante vinte e dois meses foi mantido prisioneiro em calabouços insalubres sem responder a um processo. Faleceu no cárcere em abril de 1838.
Em relação a sua morte, o jornal farroupilha O Povo publicou em 1º de setembro, a seguinte matéria: “A alegria dos tiranos denuncia a grande perda que tivemos, tal era o temor que a ilustre vítima, se bem que sepultada viva em horrendo cárcere, ainda lhe inspirava... As palavras consoladoras da Religião não suavizaram seus últimos sofrimentos! Uma só lágrima dos amigos não caiu sobre o seu leito de morte... Ninguém houve que lhe ministrasse os extremos ofícios da piedade! Depois de uma vida de virtudes e de zelo patriótico, levaram-no para as masmorras de Villegagnon onde, apesar de suas moléstias, foi desapiedadamente encarcerado (...) levaram-no ao jazigo dos mortos, sem que o povo, que lhe era tão caro, pudesse dar o público testemunho da sua dor! Francisco Xavier Ferreira soube muito bem servir ao Brasil ainda que como simples cidadão, com os seus conhecimentos de Química, com seus talentos políticos e econômicos, como escritor e jornalista de muita erudição...”
Sepultado num dos jazigos da Ordem Terceira de São Francisco no Rio de Janeiro, Francisco Xavier Ferreira, o jornalista que representou o espírito liberal farroupilha e que publicou o primeiro jornal da então Vila do Rio Grande, teve o seu nome perpetuado na atual praça Xavier Ferreira no centro da cidade onde ele exerceu sua militância.


*Ao escrever a matéria sobre este fascinante personagem  - Xavier Ferreira - estava escutando uma música da banda gaúcha Engenheiros do Hawaii que foi inspiradora e reflexiva. A presença do escritor e filósofo Albert Camus está em várias passagens. Reproduzo a seguir a letra.

O Exército de Um Homem Só.
Engenheiros do Hawaii. Composição: Augusto Licks / Humberto Gessinger
 
Não importa se só tocam
O primeiro acorde da canção
A gente escreve o resto em linhas tortas
Nas portas da percepção
Em paredes de banheiro
Nas folhas que o outono leva ao chão
Em livros de histórias seremos a memória dos dias que virão
Se é que eles virão

Não importa se só tocam
O primeiro verso da canção
A gente escreve o resto sem muita pressa
Com muita precisão
Nos interessa o que não foi impresso
E continua sendo escrito à mão
Escrito à luz de velas quase na escuridão
Longe da multidão

Somos um exército, o exército de um homem só
No difícil exercício de viver em paz
Somos um exército, o exército de um homem só
Sem bandeira
Sem fronteiras
Pra defender
Pra defender

Não importa se só tocam
O primeiro acorde da canção
A gente escreve o resto e o resto é resto
É falsificação
Sangue falso, bangue-bangue italiano
Suíngue falso, turista americano
Livres desta estória, a nossa trajetória não precisa explicação
E não tem explicação

Somos um exército, o exército de um homem só
No difícil exercício de viver em paz
Somos um exército, o exército de um homem só
Sem bandeira
Sem fronteiras
Pra defender
Pra defender

Não interessa o que o bom senso diz
Não interessa o que diz o rei
Se o jogo não há juiz
Não há jogada fora da lei
Não interessa o que diz o ditado
Não interessa o que o Estado diz
Nós falamos outra língua
Moramos em outro país

Somos um exército, o exército de um homem só
No difícil exercício de viver em paz
Nesse exército, o exército de um homem só
Todos sabem
Que tanto faz
Ser culpado
Ou ser capaz
Tanto Faz...

 


Cartão-postal da Praça Xavier Ferreira datado de 08-11-1904. Na época era chamada de Praça General Telles. Acervo: Leonardo Barbosa. 

Cartão-postal da Praça Xavier Ferreira por volta de 1905-1910. Acervo: Museu da Cidade do Rio Grande. 


Rua Marechal Floriano e Praça Xavier Ferreira em 1937. Espaço para o footing. Acervo: Arquivo Nacional.




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