Porto do Rio Grande em 1908

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domingo, 18 de março de 2018

EDGAR ALLAN POE NO CASSINO


O
 despertar foi opressor! Os olhos estavam demasiadamente embaçados e os pensamentos intraduzíveis. Tenho sentido tanto mal estar ultimamente, tantas dores generalizadas e tenho me superado no excesso do consumo de álcool. Tudo para aliviar esta insuportável dor existencial! Porém, não conseguir nem abrir os olhos? Sinto algo espigando a minha pele, um cheiro de maresia e um som de ondas ofegantes. O vento é gélido e minha carne parece estar sendo cortada. Espere aí? Depois das noites e dias de bebedeiras, ao despertar eu nunca senti isto! Sempre despertava com uma fome imensa, não de comida, mas de ideias desconcertantes para os meus contos. Imensos e impagáveis momentos de prazer que sentia ao despertar da letargia etílica ainda com o meu cérebro embriagado pelo torpor alcoólico, e pronto para explodir em imaginação funérea, porém criativa, que permitia minha sobrevivência num mundo cruel de venda de força de trabalho e de prostituição da essência intelectual. Entretanto, tenho que confessar que não consigo viver sem estas explosões criativas que brotam do obscuro de minha psique. 
E volto a insistir que a minha sensação atual é diferente a tudo que já senti de sofrimento e horror! Estou congelando e rodeado por sons e movimento de matéria que num turbilhão me envolve. Estarei morto e este é um pedaço ainda ignorado do inferno de Dante? Sempre imaginei que com a morte o calor seria sufocante, todavia o que sinto é um frio que me lança num abismo gélido. Sinto meu cabelo se movimentar freneticamente com o vento e sinto que ele está repleto de grânulos minúsculos que deve ser areia. Meus pés estão parcialmente enterrados e sem movimento e não consegui me mexer e nem respirar. É quando se sente que as coisas estão acontecendo, entretanto nenhum sentido físico pode afirmar que realmente estejam, ou seja, é como quando eu sentia os fantasmas a minha volta, a razão não permitia que eu os trouxe-se para o plano real. Estranhamente estou deitado na horizontal como se estivesse num caixão a céu aberto... O que me restou é a areia, o vento, o barulho da água ritmada em ondas, uma praia ignorada e sem sons humanos pela eternidade? Mas se morri deveria estar em algum caixão num cemitério em Baltimore, pois agora me lembro que tropecei e caí no meio fio e tudo se apagou em minha memória. Até este despertar...  
Será que o inferno ou o purgatório é ficar estendido numa beira de praia nos confins do fim do mundo?  E agora... Nevermore?


*Uma das traduções de “O Corvo” em língua portuguesa foi feita, em 1915, pelo intelectual nascido no Povo Novo Alfredo Ferreira Rodrigues e publicado em seu fabuloso “Almanaque Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul” foi uma inspiração para este escrito que acaba evocando E. A. Poe que vaga entre as dunas do atual Cassino, tropeçando em seu sono etílico pelas sarjetas mudas das ruas embriagadas. Em 7 de outubro de 1849, dia da morte de Poe, a solidão das dunas e do mar é que constituíam o Balneário que foi inaugurado em 1890. Entretanto, o poeta/contista cambaleou em seu sono mortis das ruas de Baltimore até as dunas do Cassino. Será que algum veranista, no passado, encontrou a sepultura perdida de Poe?
**Retirado do livro Histórias Irreais do Rio Grande, disponível neste blog. 



Poe em daguerriótipo de 1849. 

Edgar Allan Poe em seu caixão. 07-10-1849. 

Poe em 1848. 

Poe em 1848.

Edição norte-americana da Sterling (2015) com 1.040 páginas de escritos de Poe.


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