Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 6 de agosto de 2017

RIO GRANDE NAS IMPRESSÕES DE UM COMERCIANTE INGLÊS

Setenta e dois anos após a fundação de fortificações militares que deram origem  a Rio Grande (1737) esteve na cidade o comerciante inglês John Luccock. Transcorria o ano de 1809, a preponderância inglesa no comércio exterior para o Brasil ampliava-se desde a vinda da família real portuguesa para residir no Rio de Janeiro fugindo do avanço napoleônico sobre Portugal.
         Luccock  trazia da Inglaterra tecidos de lã, cutelaria e ferragens para revender no mercado brasileiro em expansão com a permanência da nobreza lusitana. A forte concorrência de outros comerciantes ingleses na praça do Rio de Janeiro, o leva a Buenos Aires e a Rio Grande em busca de mercado para seus produtos.
         Durante os dois meses em que permaneceu em Rio Grande, Luccock descreve em seu diário (LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1975) as realizações e frustrações de suas atividades, tornando-se a melhor fonte de viajantes estrangeiros para o entendimento da vida econômica e social da cidade na primeira década do século XIX.
         Um lugar comum nas descrições dos viajantes estrangeiros é a dificuldade de acesso para desembarque no porto devido aos bancos de areia e a comprovação da indispensável atuação dos práticos. Conforme Luccock, após muita ansiedade dos tripulantes e passageiros do navio em que estava, “surgiu um bote que veio ao nosso encontro, com um piloto a bordo que, por meio de sinais apropriados”, indicou a rota que a embarcação devia seguir. Na chegada pela barra, o inglês fez a seguinte observação das cercanias: “Para leste somente areões soltos eram visíveis; mais além, uma ampla linha d’água, a Baía da Mangueira e ainda mais longe a pequenina e linda cidadezinha branca de São Pedro do Sul, mais comumente chamada de Rio Grande”.
O ancoradouro do navio prossegue Luccock, ficava “rente à aldeia de São Pedro do Norte” e a três milhas da “cidade principal, já que os bancos de areia não permitiram uma maior proximidade”. Da entrada do rio até o ancoradouro, por uma extensão de nove milhas “predominam as mesmas obstruções, deixando apenas um canal estreito e intrincado com água escassamente suficiente para  um brique bem carregado”.
         Ao desembarcar, o inglês foi conduzido por uma sentinela à presença do Governador Dom Diogo de Souza que o encaminhou para contatos com “meus conterrâneos e a outras pessoas cujas relações pudessem ser-me agradáveis”. A cidade, situada quase ao nível das águas “contém cerca de quinhentas habitações, e o total de habitantes fixos talvez ascenda a dois mil”. A distribuição urbana está constantemente ameaçada pelos personagens areia e vento:

A fileira principal de casas corre em direção leste-oeste, gozando de suas janelas de rótula a perspectiva de uma ilha extensa, chata e despida, do outro lado de um canal de cerca de seiscentas jardas de largura. Por trás dessa fileira de casas, que é realmente bonita e graciosa, fica uma rua de cabanas pequeninas e baixas, feitas de barro e cobertas de palha, habitações das classe mais baixas. Nesse lugar, aquelas acumulações de areia de que já falamos, freqüentemente se dão, e, durante a minha estada em São Pedro, muitas dessas casas foram quase soterradas e muito danificadas. Se não fosse essa barreira, as casas melhores estariam expostas ao mesmo destino.(p.117)
        
         Ao descrever os edifícios públicos e as residências “das personalidades mais iminentes da comunidade”, o comerciante destacava a “Catedral, cuja singeleza, tanto por fora como por dentro, não impede que seja um belo edifício”.  A igreja, erguida na metade do século XVIII, apresenta em seu interior “espaços gradeados reservados aos fiéis homens, enquanto que no centro se acha a localidade das mulheres”. O prédio possui uma altura de quinze pés acumulando-se a areia a igual altura. O vento soprando constantemente, “fez com que a areia se afastasse das paredes formando uma espécie de desfiladeiro profundo e sombrio que conduz à porta”. 
         A permanência de dois meses em Rio Grande  não foi um sucesso financeiro, mas em termos de registro da economia e sociedade nos primórdios do século XIX, os escritos preservaram importantes detalhes do modo-de-vida. O desenvolvimento capitalista e a expansão de um mercado consumidor provincial não correspondeu a expectativa de Luccock, pois não encontrou em Rio Grande e em suas adjacências, campo suficiente para a comercialização de mercadorias devido a restrita circulação de numerário e de público consumidor. Os escravos e a população campeira, estavam à margem do consumo e representavam considerável parcela dos habitantes. Apesar do fracasso econômico, o comerciante inglês tinha uma forte expectativa de crescimento econômico e populacional para a então Vila do Rio Grande de São Pedro. O porto representava a dinâmica de interação da Província com o demais centros comerciais:


A proximidade do oceano, porém, garante-lhe uma preeminência permanente. É aqui que todos os navios tem que entregar seus papéis, sendo que a maior parte deles raramente segue adiante. É aqui também que os principais negociantes residem ou tem seus agentes estabelecidos; de tal maneira que ela pode ser considerada como o maior mercado do Brasil Meridional. (p. 116-117)
Capa da edição de 1942 da obra de Luccock. 

Cadeira de arruar. 

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