A cosmologia é um campo do conhecimento
voltado a investigação da origem e evolução do Cosmos. Segundo Carl Sagan, o
Cosmos “é tudo o que existe, que existiu ou que existirá” e nosso futuro
depende de quanto saibamos sobre ele.
Num questionamento em nível temporal, constatamos que os cinco milhões
de anos de experiência humana (quando surgem os primeiros hominídeos na
África), constituem um tempo recente frente ao abismo da temporalidade cósmica
onde reside nossas origens. Possuímos uma consistência material, um invólucro
frágil e complexo que concentra energia orientada pelo instinto, hormônios e
cérebro, voltado a desenvolver atividades num período normalmente inferior a
cem anos. Esse invólucro é constituído de tecidos, órgãos, células, componentes
sanguíneos, os quais são formados por átomos e partículas. Nossos laços com o
Cosmos estão no nosso corpo: somos porções mínimas de matéria produzida no
interior de estrelas que lançaram elementos químicos mais pesados na poeira
cósmica que formaria o planeta Terra a cerca de 4,6 bilhões de anos.
CALENDÁRIO
CÓSMICO
Carl
Sagan, no livro Os Dragões do Éden,
contribuiu para uma compreensão da temporalidade e destacou nossa limitada
percepção cosmológica. Pressupondo que o Cosmos originou-se a 15 bilhões de
anos (com o Big Bang) e convertendo esse
período num calendário de doze meses (de janeiro a dezembro), Sagan propõe a
seguinte visualização: grande explosão no dia 1º de janeiro do ano cósmico;
origem da Via Láctea no dia 1º de maio; origem do sistema solar no dia 9 de
setembro; formação da Terra no dia 14 de setembro; origem da vida (unicelular)
no dia 25 de setembro; formação das rochas mais antigas no dia 1º de novembro;
primeiros dinossauros no dia 24 de dezembro; extinção dos dinossauros no dia 28
de dezembro; primeiros seres humanos (Australopithecus) no dia 31 de dezembro
às 22h30min; uso disseminado de artefatos de pedra no dia 31 de dezembro às 23
horas; revolução agrícola (dez mil anos atrás) às 23h59min20s; primeiras
dinastias na Suméria e Egito às 23h59min35s; nascimento de Cristo às
23h59min56s; descoberta da América às 23h59min59s. No último segundo do
calendário, que no Ocidente corresponde à História Moderna e Contemporânea,
ocorreu o fortalecimento e derrocada do absolutismo, as revoluções burguesas, a
revolução industrial, a revolução russa, as utopias e os conflitos entre
capital e trabalho, as grandes guerras mundiais do século XX, a corrida
espacial e a crise do leste europeu. A cidade do Rio Grande surge na segunda
metade do último segundo. Nos últimos milésimos de segundo surgem as
universidade no Brasil e ainda mais recente, em 1969, é criada a Fundação
Universidade do Rio Grande.
No
último segundo deste calendário, desde o renascimento intelectual do século 16,
o homem sapiens sp busca estabelecer as bases de uma reflexão racional, fundada
em teorias sobre o Cosmos. E estas
interpretações buscam explicar os segundos, minutos, horas e meses anteriores ao
tempo presente.
RIO
GRANDE E A LONGA DURAÇÃO
A
cidade do Rio Grande teve como início de seu povoamento europeu a primeira
metade do século 18, com a chegada de uma frota naval e a fundação de um
presídio militar e demais fortificações. Entretanto, antes das disputas entre
portugueses e espanhóis pelos territórios da Bacia Platina Oriental, tivemos
uma história de maior duração. Corresponde aos últimos doze mil anos antes do
presente, em que populações com diversificadas tecnologias e adaptação ao meio
ambiente exploraram os diferenciados ecossistemas do planalto, campanha,
litoral e vale dos rios. De caçadores-coletores a horticultores de floresta
tropical e subtropical, a Bacia Platina estava unificada pela diversidade de
povoamentos. A história platina, onde a cidade do Rio Grande está inserida,
constitui também a história da caminhada humana desde o Continente Africano e
sua dispersão pelo Oriente, Velho Mundo, Continente Americano e Brasil. Somos
uma das últimas fronteiras na expansão de nossos antepassados, com suas
bagagens genéticas e culturais.
A
cidade, surgida da geopolítica da conquista, desencadeou sua urbanização
lutando contra as dunas e os ventos que recobriam as ruas, trazendo contínuas
camadas de areia. Em outras dunas e elevações, formadas há milênios, estão os
vestígios de outras populações e modo-de-vida, que são os registros de sítios
arqueológicos com cerâmica Vieira. Ambas as ocupações recorrem e dependem, em
diferentes níveis, da Lagoa e do Oceano para sobreviverem.
A
Barra do Rio Grande com seus naufrágios e fantasmas,
dinamizou a cidade com o universo exterior. O comércio portuário movimentou
mercadorias e colocou a cidade no mapa do capitalismo nacional e internacional
com os caminhos de ferro, que dirigem
a produção para o porto. A temporalidade da produção industrial em uma
sociedade tecnológica terceiro-mundista, são momentos de uma história muito
anterior, onde caçadores, coletores, pescadores, horticultores, pecuaristas,
agricultores, comerciantes, portuários, proletários e empresários, podem ser
metodologicamente colocados num plano de inteligibilidade, buscando uma
causalidade que lhes dê algum sentido em comum, ou seja, a idéia de humanidade:
produção e reprodução do cotidiano e dinâmica sócio-cultural.
TEMPO E
TRANSITORIEDADE
Entender como produzimos e reproduzimos nossa
porção de humanidade (apropriação do espaço e da tecnologia), como organizamos
sócio-economicamente a desigualdade, são elementos fundamentais para nos
definir e refletir sobre nossas possibilidades de sobrevivência no planeta.
Nessa direção, os nossos antepassados, ameríndios, europeus ou africanos, não
consistem num mero vestígio arqueológico ou histórico, que interesse a alguns
especialistas ou a roteiristas para
criarem personagens. As populações que povoaram Rio Grande viveram num espaço
com determinada tecnologia, numa organização sócio-econômica de igualdade ou
desigualdade na distribuição dos bens, ritualizando e dando sentido a sua
existência e, especialmente, viveram a crise da transitoriedade biológica.
Nasceram e morreram encontrando diferentes
respostas para esses limites. Partilharam a mesma porção da superfície do
planeta, desconhecendo ou não que a Terra gira em torno de uma estrela e que
fazemos parte do sistema solar, o qual está situado a trinta mil anos-luz do
centro de nossa galáxia, que é apenas uma das centenas de bilhões de galáxias
que constituem o Cosmos e que talvez seja apenas um dos Cosmos separados de
outros por bilhões de anos-luz de distância.
O
período de ocupação humana em
Rio Grande , registra uma fração mínima de uma temporalidade
mais ampla que a ciência constantemente interroga e onde a imaginação viaja.
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