O
Balneário Vila Sequeira ou Cassino, enquanto um espaço de banhos criado em 1890
e voltado a saúde/lazer das elites do
Rio Grande do Sul, se converteu em sua primeiro meio século de existência num
multifacetado espaço onde as nacionalidades estavam expressas inclusive com
hastemento de bandeiras. Em dois momentos críticos na Europa, que foram as duas
grandes guerras mundiais, o conflito harmonioso levou as discussões ou
confrontos entre veranistas do balneário do extremo sul do Brasil.
Um destes momentos foi a I Guerra
Mundial que foi declarada em 28 de julho de 1914 e teve seu encerramento em 11
de novembro de 1918. O conflito levou a morte de mais de 19 milhões de pessoas.
Inicialmente, o Brasil se manteve neutro mas com o afundamento de navios
brasileiros e a mobilização popular nacionalista nas ruas, o governo brasileiro
declarou guerra contra a Alemanha e seus aliados em 26 de outubro de 1917.
Foram apreendidos 44 navios alemães que passam a compor a frota nacional
(representando 25% do total), o que evidencia a forte presença comercial alemã
no Brasil. Um navio foi confiscado no Porto do Rio Grande: o Monte Penedo da
operadora Hamburg Süd que passou a se chamar Sabará e posteriormente, em 1948,
Ascânio Coelho.
Os
resultados da guerra foram catastróficos para a Alemanha e inclusive, para o
Kaiser Guilherme II que abdicou do trono e foi exilado do país. O Brasil teve
pouca participação militar no conflito mas pagou muito caro pelo envio de ajuda
médica a área em litígio: importou desta região a Gripe Espanhola que fez
dezenas de milhares de mortos no Brasil e infectou, somente no Rio de Janeiro,
600 mil pessoas.
A
imprensa é uma fonte de pesquisa que contribui para a preservação documental
dos conflitos no cotidiano. Um reflexo da guerra pode ser observado numa
matéria escrita pelo colunista da Crônica Cassinense (cujo pseudônimo é
Periscópio) do jornal Echo do Sul, publicada no dia 7 de fevereiro de 1918. É
feita uma referência aos ‘súditos do kaiser’ que entoavam o hino alemão, num período
em que a guerra já estava declarada. Em qual residência será que isto
aconteceu?
“Chronica
Casinense
Tivemos uma nota dissonante no Cassino,
na última semana. Os súditos do Kaiser ou os apaixonados pelo seu poderio
militar ou ainda, os influenciados pelo seu patronato nefasto e incoerente,
cantaram em sua casa, em
pleno Cassino , o hino alemão!
É uma audácia sem classificação e,
sobretudo, uma injustificável irreflexão, pois não se compreende como dentro de
um país em estado de guerra com outro, se possa cantar o hino deste último, sem
a intenção imperdoável de ser uma provocação.
Eles devem estar satisfeitos com o
tratamento gentil que têm conseguido por parte do nosso governo e do povo do
Brasil e, por isso mesmo, deveriam manter uma conduta mais respeitosa com
aqueles que lhes tratam com amenidade e com uma certa bondade, talvez agora
imerecidas.
Os brasileiros que estão no Cassino não
têm senão sido gentis para estes que agora lhes afrontam o patriotismo, não têm
senão procurado amenizar o seu sofrimento moral de abandono dentro de um país
que não é amigo no momento presente, deixando que vivam a vontade e de acordo
com o seu temperamento: mas, agora, não foi possível suportar com calma esta
indefensável atitude atrevida e, sobretudo, provocadora, dos alemães e seus
comparsas aqui domiciliados.
Mas, os retovados, esses que não são
nem alemães nem têm outra nacionalidade definitivamente determinada, esses são
os mais audaciosos e inventores desses fatos que tanto aborrecem e contrariam
aqueles que cá vieram para o gozo calmo e quieto de uma estação alegre e cheia
de prazeres.
Andou muito bem quem, com a compreensão
nítida do cumprimento do dever, comunicou às autoridades locais o que havia
sucedido. Essa paixão profunda dos súditos do Kaiser pelo seu ambicioso e
atrabiliario soberano, deve ser um termo dentro dos limites do bom senso e da
conveniência deles próprios, porque, caso contrário, talvez o arrependimento já
venha tarde demais para as más manifestações incontidas. Esta seção não é destinada
a apreciações desta natureza; mas, desta vez, o repórter mundano não pode
conter a sua contrariedade ante esse fato, que foi uma nota triste no momento
em que todos os que aqui vivem se preocupavam, somente, com os prazeres da
estação e da elegância”.
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