O surgimento do Presídio e Povoação do Rio
Grande de São Pedro em 1737 inseriram-se no quadro de disputa entre as Coroas
de Portugal e da Espanha pela posse do Rio da Prata. A ação portuguesa de 1680,
fundando a Colônia do Sacramento, desencadeou um processo militar e diplomático
que trouxe fundamentais conseqüências à existência do Rio Grande no século 18 e
à continuidade do projeto missioneiro iniciado no Rio Grande do Sul em 1626.
Os
enfrentamentos entre lusos e espanhóis nas campanhas militares contra
Sacramento em 1681, 1704 e 1735 definiram a relação possível de negociação
entre as duas frentes de expansão ibérica. Rio Grande, enquanto um entreposto
de apoio a Sacramento, passou a ser alvo de preocupação das autoridades de
Buenos Aires na década de 1740. Os problemas iniciais da fundação do Rio
Grande, ligados à manutenção de condições mínimas para as tropas e incentivo à
vinda de colonizadores, persistiram alguns anos após a construção das primeiras
baterias de defesa.
A
manutenção da posição frente a um avanço espanhol era fator de apreensão por
parte das autoridades responsáveis pela Comandância Militar. A invasão da Vila,
em 1763, demonstrou a fragilidade de defesa diante de um exército numeroso e
com objetivos claros. A reconquista somente ocorreu no ano de 1776 com uma
grande concentração de tropas luso-brasileiras. Os desdobramentos posteriores
ao Tratado de Madri (1750) assumiram o rumo do enfrentamento militar que chegou
até o território de Santa Catarina. Antes do Tratado, a fronteira castelhana
era assegurada pela presença de sete povoados missioneiros, que deviam
obediência ao Rei da Espanha e às autoridades administrativas coloniais. O
Tratado de Madri e a decorrente Guerra Guaranítica (1753-56) alteraram o
panorama da fronteira, mantida pela presença de índios cristãos num espaço
reducional, para o enfrentamento direto entre as frentes de expansão lusa e
espanhola.
Antecedendo
estas ações militares, que ocorreram no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a
década de 1740 apresenta o confronto situado no Rio da Prata em torno de
Sacramento. Porém, a tensão ligada a possíveis avanços em maior escala de
portugueses em direção ao Prata foi fator de mobilização das autoridades
espanholas.
Um
relatório enviado pelo comandante de Montevidéu, D. Francisco de Gorriti, para
o Governador de Buenos Aires, D. Joseph de Andonaegui datado de 17 de setembro
de 1749, indica a prática de infiltrar espiões nas fileiras inimigas (ver:
CORTESÃO, Jaime. Tratado de Madri -
Manuscrito da Coleção de Angelis. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, v.
5, 1954, p. 366-368; 451; 457-459).
Já,
em 1744, jesuítas acreditavam no possível avanço português em direção ao Prata
e ao rio Uruguai com apoio de “vagabundos” (gaúchos). Posteriormente, em
documento escrito em
Buenos Aires , denunciou-se uma provável invasão de 400
famílias portuguesas destinadas a formar uma povoação no Alto Paraguai, a cem
léguas de Asunción, assim como conquistarem as reduções guaranis. Diante desta
denúncia de invasão lusitana, autoridades paraguaias investigaram a possível
veracidade, concluindo que “não obstante haver empregado alguns espias para
averiguar o fundamento da informação dada a descobrir mais alguma coisa, nada
pode conseguir”. (Carta do governador do Paraguai para o Marquês de La Ensenada sobre a
declaração anterior. Buenos Aires, 10/10/1748 In: CORTESÃO, p. 451).
Portanto
a prática de colocar espias para
averiguar as denúncias não era novidade, mas inseria-se nas mútuas desconfianças
com as decisões diplomáticas acertadas nos tratados entre os dois países
ibéricos e as mudanças de alianças e rompimento de pactos de paz frente ao
tênue equilíbrio europeu.
Um
suposto estado de guerra, com a ocupação de estâncias missioneiras por famílias portuguesas, motivou esta série
de correspondências entre as autoridades espanholas e Buenos Aires, Montevidéu,
Asunción e de padres jesuítas. A apreensão com movimentos de povoamento do
território em direção ao sul e a noroeste do atual Rio Grande do Sul que
pudessem levar a novo confronto militar entre Portugal e Espanha, continuou a
intensificar-se na correspondência do ano de 1749.
Neste
contexto de desconfianças em relação aos movimentos lusos ocorreu o episódio
relatado em forma de relatórios sobre a “diligência dos espias que foram ao Rio
Grande”. Os dados levantados pelo Tenente Luis Liscano podem ter sido obtidos
de maneira apressada devido às circunstâncias, mas pela questão da segurança
dos espanhóis e missioneiros dependerem da precisão destas informações, podemos
considerá-las uma importante contribuição para o conhecimento da Vila do Rio
Grande de São Pedro.
O
relatório referente ao Rio Grande de São Pedro traz uma série de dados que
negam o avanço do povoamento da região missioneira por casais portugueses a
partir da Vila do Rio Grande, pois não
confirmam a denúncia sobre a vinda destes casais e apenas informam sobre a
expectativa de autoridades locais na ampliação do número de habitantes:
“esperam para breve 200 casais de Lisboa e outros 200 da ilha da Madeira, os
quais devem povoar o Curral Alto a 35 léguas da povoação do Rio Grande,
formando um corpo de 400 famílias”. Em relação ao efetivo militar aquartelado em Rio Grande , o espia
constatou que “há 4 companhias de infantaria de 40 homens, não completas, e de 12 a 16 artilheiros e outras 4
companhias de Dragões do mesmo número. Esta tropa está no Rio Grande em
barracas, os soldados fazem todas as semanas exercícios a pé e a cavalo; estão
bem vestidos e tratados”. A população civil é estimada em “100 moradores com
outras tantas casas”. Constata também que “as famílias do Rio Grande estão
muito desgostosas com a má situação dos terrenos que ocupam; e a razão de
chamar outras é animar estas a que permaneçam”.
Portanto,
os problemas de manutenção da Vila ainda estão ligados ao próprio povoamento e
implementação de uma estrutura urbana mínima para a manutenção civil, e não
somente um núcleo militar e estratégico. O aproveitamento econômico do Rio
Grande em direção ao Taim, Chuí e ao forte de São Miguel ainda estava por ser
realizado frente à situação legal de um território em litígio.
Este
episódio secreto aos olhos portugueses, ocorrido em 1749, e os ingredientes
ligados à expansão luso-brasileira em direção ao Prata, teriam desdobramentos
nos anos seguintes através do pacto luso-espanhol de finalizar os conflitos
ligados a Sacramento; a anulação do Tratado de Madri pelo Tratado de El Pardo
de 1761; até a intensificação das hostilidades e a invasão da Vila do Rio
Grande de São Pedro que passa a ser domínio espanhol durante 13 anos.
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