O vapor Santa Maria partiu do Rio de Janeiro em 1º de
agosto de 1865, trazendo a bordo o nobre francês Gastão de Orléans, o Conde
d’Eu (1842-1922) que vinha para a Província do Rio Grande do Sul a fim de juntar-se
ao sogro, o Imperador D. Pedro II. Conde d’Eu encontrava-se no mês de julho em
viagem à Europa, desfrutando suas núpcias com a Princesa Isabel, quando
chegaram notícias do início da Guerra com o Paraguai.
Sua viagem ao sul resultou num livro “Viagem
militar ao Rio Grande do Sul” onde relatou a sua participação no conflito e
especialmente, retratou a sua breve passagem por vilas e cidades no ano de
1865. Os comentários sobre a cidade do Rio Grande não poderiam faltar, pois o
porto do Rio Grande é era caminho natural para os viajantes que partiam de
outras províncias brasileiras rumo ao interior da Província ou ao Prata. A
cidade no contexto agitado da movimentação política e militar devido à guerra
do Paraguai, é retratada pelo Conde em seus comentários.
VIAGEM AO TEATRO DAS HOSTILIDADES
Após um desembarque no Desterro (atual
Florianópolis), a viagem prosseguiu e no dia cinco de agosto, um forte nevoeiro
impediu que a embarcação continuasse a navegar. Somente às oito horas da manhã
é que o fog começou a dissipar-se
sendo visível as terras do litoral sul “primeiro sob a forma de uma linha
escura quase imperceptível entre o mar e céu, depois como uma faixa mais larga
de areia branca. Umas vezes era uma praia plana, outras vezes eram cômoros
ondulados; mas sempre areia, nada mais que areia, sem um átomo de verdura
perceptível; aspecto que a saudade da
Província do Rio de Janeiro tornava duplamente triste. O céu parecia
querer pôr-se em harmonia com a terra, tomando uma cor cinzenta e baça; o vento
era de proa e glacial”.
À uma hora da tarde, o vapor Santa Maria
encontrou-se em frente à barra do Rio Grande. O comandante da barra, a bordo do
pequeno vapor Jaguarão, foi ao encontro da embarcação afirmando que não tinha
notícias do teatro das hostilidades com os paraguaios, somente sabiam que no
dia 29 de julho D. Pedro II chegou a Rio Pardo.
A entrada do porto do Rio Grande apresentava
canais navegáveis muito estreitos, apertados entre bancos de areia que se
estendiam, tanto ao meio da entrada como ao norte e ao sul e sobre os quais as
vagas constantemente rebentavam. Por isso quando, tendo entrado pelo canal do
norte, “passamos o semicírculo branco formado pela espuma das vagas, o
comandante veio anunciar-me com muita satisfação que já tínhamos salvado a
barra”. Deixando à direita a pequena povoação chamada Estação da Barra,
“continuamos a navegar entre duas margens igualmente chatas, igualmente
arenosas e, pelo menos, tão distantes uma da outra como as do Mersey em
Liverpool. Pareceu-me que do lado do sul alguma erva crescia na areia; pelo
menos, viam-se bois que pareciam estar a pastar na praia”. Prosseguindo não
“tardamos a avistar e a deixar também para a direita a torre da igreja e as
poucas e humildes casas de São José do Norte, vila que tem o título de heroica mas que deve ser bastante
triste. Estão ali ancorados alguns navios que na outra margem não encontram a
altura de água que demandam”.
Enfim, por detrás de uma saliência da margem
do sul vislumbra-se cidade do Rio Grande “precedida de uma floresta de
mastros”. Para aproximar-se dela é também preciso seguir um canal sinuoso e
estreito, porém bem balizado com uma série de bóias. O desembarque é feito às
21 horas e como o vapor por causa dos bancos, “só de dia pode fazer a maior
parte do trajeto daqui a Porto Alegre, tenho de dormir aqui. Aceito a
hospitalidade que me oferece o sr. Lopes de Araújo (a que vulgarmente chamam
Eufrásio), que já hospedou o imperador quando por aqui passou”.
A ACOLHIDA
No molhe de desembarque “está a Câmara
Municipal, cujo presidente faz um pequeno discurso, outras autoridades e grande
multidão, que solta os vivas do estilo e deita foguetes em todas as direções”.
O comandante é um tenente-general reformado que se encontrava enfermo. Na rua
principal posicionaram-se duas companhias da Guarda Nacional. Segundo
observação do Conde, esta Guarda Nacional só foi chamada ao serviço depois da
passagem do Imperador, por ter sido mandada para o interior a guarnição de
linha que até então ocupava a cidade. Compõe-se a Guarda Nacional unicamente de
habitantes da cidade, na maior parte empregados do comércio”.
Em conversas, Conde d’Eu foi informado que
cidade tinha cerca de 14.000 habitantes e apresentava muitas casas de comércio
europeias. As principais mercadorias para exportação eram os couros e a carne
seca. “As ruas principais, em que se veem lojas elegantes, são três, todas
paralelas à praia. Há muitas casas de azulejos, o que dá impressão de asseio e
elegância. A rua mais importante apresenta hoje muitas bandeiras de consulados”
Conforme suas observações, as ruas são
calçadas; mas antes de se “passarem as últimas casas da cidade, já se está num
mar de areia, em que se torna muito custoso andar. Vi, contudo, uma sebe viva,
não sei dizer de que espécie de planta, porque não tinha uma só folha; mas
tanto bastou para me recordar a Europa”.
O hospital da Santa Casa ainda estava em construção, chamando a atenção do visitante.
Em visita a trincheira, isto é, uma construção defensiva que cortava a porção de terra entre a Lagoa e o Saco da Mangueira, ele informou que “trabalham atualmente nesta trincheira 120 operários sob as ordens de um major de engenharia. Logo ao pé fica o quartel da Guarda Nacional, no qual também está instalado o hospital militar. Tem umas poucas salas, espaçosas e bem ventiladas, e parece, em suma, estar funcionando perfeitamente. Há agora neste hospital 49 doentes, pertencentes a corpos que marcharam para o interior; nove estão atacados de varíola. Há três médicos no estabelecimento.
Após o jantar, o Conde foi visitado por uma comissão de negociantes franceses que o felicitaram. Quando se preparava para dormir uma sociedade musical alemã vieram fazer uma serenata iluminando a rua com seus archotes “Tive de ouvir a música e por fim pude recolher-me ao leito. Se bem que a elegância do quarto de dormir estivesse em harmonia com a da sala de jantar, o leito deixava a desejar. Para agasalho só havia um lençol quase transparente e uma coberta de seda, tudo cortado à alemã, isto é, de menor dimensão que o leito. Tive muito frio”.
No dia 6 de agosto, a chuva foi torrencial durante toda a manhã. O conde foi à missa de carruagem e posteriormente almoçou. Em seguida dirigiu-se a pé para o molhe de embarque, “visto não haver meio de transporte, o que determinou uma lavagem pouco oportuna das casacas pretas da Câmara Municipal e das outras autoridades”. No almoço ele provou vinho brasileiro “que eu ainda não vira, pois a Província do Rio Grande do Sul é a única que por enquanto o produz. Este é feito na própria cidade do Rio Grande com uvas que se colhem numa ilha próxima”, a Ilha dos Marinheiros. O vinho é de cor vermelho-claro e tem um sabor “que não é propriamente desagradável, mas que é acre e se não parece com o de nenhum vinho europeu”.
Apesar das péssimas condições do tempo, o navio partiu para Porto Alegre cruzando a Laguna dos Patos. O conde teve a oportunidade de conhecer a difícil navegação com fortes ventos sul e chuva torrencial, uma quebra de leme e o encalhamento da embarcação. Ao chegar a Porto Alegre, concluiu que a “lagoa queria ser para nós pior do que o oceano”.
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