No final dos séculos 18 e primeira metade do
19, os movimentos liberais e republicanos difundem-se na América do Sul e
promovem uma série de rebeliões em países governados por monarquias
absolutistas baseadas no direito divino dos reis. A Revolução Farroupilha foi
uma das rebeliões que questionaram o centralismo imposto após a independência
do Brasil em 1822, independência que assegurou a continuidade da monarquia, na
forma de um estado unitário e com os poderes recaindo no executivo.
Esta
revolução que eclodiu em 20 setembro de 1835, não surgiu do nada, mas é a
culminância de um desgaste entre as aspirações de maior autonomia da elite
pecuarista e demais segmentos sociais descontentes do Rio Grande do Sul, e o
descaso do Governo Central com as reivindicações político-econômicas. Difunde-se
na Província o ideário liberal radical de autonomia, federalismo, e, após a
proclamação da República Rio-Grandense em setembro de 1836, de separatismo do
Império Brasileiro. Abandonando as propostas de autonomia provincial e de
reivindicações de alteração na política fiscal, setores das elites locais
colocam em prática um projeto liberal e
republicano, que dividiu a província entre farroupilhas e legalistas.
OS
INTERESSES NORTE-AMERICANOS
As relações comerciais entre os Estados
Unidos (país que se tornou republicano em 1776) e o Rio Grande do Sul, já são
efetivas no ano de 1817. Rio Grande já mantinha intercâmbio com os portos
norte-americanos de New York, Boston, Salem, Filadélfia e New Haven. O
principal gênero importado era a farinha de trigo, além do sal, artigos
industriais e de mobiliário. Ao retornar, os barcos americanos transportavam
couros, chifres e demais derivados do gado. O crescimento do intercâmbio
comercial acarretou na presença de agentes consulares atuantes desde 1829. Em
correspondência dirigida no dia 1º de dezembro de 1829 ao Secretário de Estado
dos Estados Unidos, Austin Hayes cônsul dos Estados Unidos no Rio Grande de São
Pedro escreveu: “Tenho a honra de acusar o recebimento de seu comunicado de 8
de junho passado, juntamente com minha nomeação pelo Presidente para Cônsul
para este porto e suas cercanias”. Rio Grande e Porto Alegre são as duas
localidades em que a documentação é escrita, ocorrendo um deslocamento
sistemático do cônsul neste trajeto.
A REPRESSÃO AO CÔNSUL REPUBLICANO
O cônsul Austin Hayes, escreveu do consulado
em Porto Alegre no dia 7 de dezembro de 1835, apreensivo com o movimento
revolucionário em curso: “O presidente Antônio Rodrigues Fernandes Braga
(juntamente com os oficiais ligados ao seu partido) fugiram para a cidade de
São Pedro do Sul, deixando sua esposa, família e chaves do palácio, etc, aos
meus cuidados, o temor na época era grande e minha casa permaneceu por semanas
repleta de famílias desprotegidas procurando segurança sob a bandeira americana
(...) Estamos esperando um novo presidente do Rio de Janeiro, que espero que
seja aceito e restaure a ordem; se não o for, minha opinião é de esta Província
separar-se-á do Governo Central no Rio de Janeiro, tornando-se uma república”.
Em primeiro de janeiro de 1836, Hayes ao escrever ao Secretario de Estado em
Washington afirmou que a Província continua em estado de desordem “e posso
apenas insistir que alguns de nossos navios de guerra deveriam se fazer aqui
presentes”.
O porto em Rio Grande esteve fechado por
tropas imperiais desde abril de 1836, provocando protestos dos navios
norte-americanos que ficam retidos nos portos de São José do Norte e Rio
Grande. O cônsul apresenta uma posição atuante na defesa dos interesses de seu
país, afirmando da necessidade da vinda de “um navio armado de nossa esquadra a
Rio Grande”. Hayes acaba envolvido nos acontecimentos de retomada de Porto
Alegre pelas tropas imperiais em junho de 1836 sendo acusado e preso de ter
apoiado revolucionários republicanos. As agressões sofridas e a prisão, foram
registradas num instrumento público de protesto em que é exigida uma
indenização de duzentos mil dólares espanhóis devido às contra ele cometidas
sob a bandeira do Imperador D. Pedro II. Considerando que uma grave questão
diplomática ocorrera, o cônsul afirma que embarcará para os Estados Unidos a
fim de apresentar “um relato ao nosso Governo, convencido como estou, de que
meus compatriotas rapidamente procurarão reparação pelos insultos recebidos por
sua bandeira através das medidas injustas, ilegais e primárias usadas pelo
Governo Brasileiro”. A proposta de retaliação somada com a sugestão de que
navios de guerra norte-americanos estivessem disponíveis para a ação, demonstra
um possível interesse de uma intervenção militar que nunca chegou a
efetivar-se. Consumando-se o separatismo dos republicanos farroupilhas, qual
seria a postura do governo republicano norte-americano?
A GUERRA E OS ESTRANGEIROS
Em correspondência de 30 de junho de 1836,
Hayes refere-se a uma proclamação publicada em Porto Alegre em que norte-americanos
são acusados de estarem envolvidos em distúrbios políticos. O cônsul solicita
das autoridades imperiais “os nomes de quaisquer cidadãos dos Estados Unidos da
América que tenham de qualquer maneira interferido nas questões políticas da
Província”. É também renovada “minhas garantias de neutralidade”. O
envolvimento de Hayes vai além da prática diplomática, pois ele está
diretamente preocupado com os negócios ligados a firma em que é proprietário a
Hayes, Engerer & Cia. As acusações dos monarquistas é que o diplomata
apoiava financeiramente os republicanos e também contrabandeara armas e
munições para os revolucionários.
Com a partida de Hayes para os EUA, Ralph
Peacock assume em Rio Grande como Vice-cônsul. Em abril de 1837 os problemas
persistem: “lamento dizer que este Governo continua a praticar abusos contra
estrangeiros através do aprisionamento e expulsão à força do País”. A escuna de guerra Dolphin deslocou-se para Rio Grande para fazer frente à situação de
perseguição política e dificuldades econômicas impostas aos norte-americanos. A
documentação diplomática também assinala a perspectiva de que a guerra deveria ser longa. Uma projeção correta para
um conflito de difícil solução que perdurou por dez anos.
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