Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

domingo, 6 de agosto de 2017

A OCUPAÇÃO DA MARGEM NORTE DA BARRA

No ano de 1686, Francisco de Brito Peixoto fundou Laguna (Santa Catarina), posição voltada à defesa e apoio a Colônia do Santíssimo Sacramento do Rio da Prata. A viagem marítima da Colônia de Sacramento até o Rio de Janeiro durava cerca de quatro meses, surgindo entrepostos, como Laguna e posteriormente Rio Grande (1737), encurtar esta distância até o centro de suprimento, de tropas e de material bélico.
       No final de outubro de 1725 João de Magalhães, genro de Francisco de Brito Peixoto partiu com mais 30 homens da Vila da Laguna, com o objetivo de edificar uma povoação no canal do Rio Grande de São Pedro. Em um local situado ao norte do canal fundou a povoação que serviria de entreposto para controle do gado extraído do Pampa gaúcho-uruguaio e que ao mesmo tempo, demarcou a primeira ocupação luso-brasileira no Rio Grande do Sul.

A expedição
        Em correspondência datada de 1726, Francisco de Brito Peixoto relata ao tenente general Davi Marques Pereira, que já estava na margem norte, das motivações que o levaram a enviar a frota terrestre que chegou a região em novembro de 1725: “Mandei no serviço de S. Majestade que Deus guarde, para o Rio Grande de São Pedro 31 homens à minha custa e por capitão deles o meu genro João de Magalhães a quem ordenei que chegando à paragem do Rio Grande escolhesse algum lugar que fosse mais conveniente para formarem as suas casas em forma de povoação e logo façam canoas de pau, suficientes para serventia de passagens de gado, encomendando-lhe também aquele zelo e diligência de passarem gado para estas partes da nossa campanha para a multiplicação, pois é um grande serviço que se faz a El-Rei Nosso Senhor, enxotando-o para o meio da campanha para o dito gado tomar posse e hão de encurralar na povoação, e todas as vezes que tiverem necessidade ou carecerem de alguma coisa me mandará o dito capitão avisar por algum homem que tem em sua companhia. Também se me oferece dizer a Vossa Mercê que já desta bando do Rio Grande se acham 800 reses de gado vacum que mandei buscar das campanhas à minha custa, do tempo do governo do Sr. Francisco de Távora a esta parte, por entender que nisso fazia serviço a Sua Majestade que Deus guarde, para a multiplicação na  campanha desta parte, e por não haver nela gado algum e ter capacidade para nela estarem milhões de gado, e na diligência de conduzir mais estou sempre. Também digo a Vossa Mercê que tenho adquirido a boa amizade dos índios Minuanos à custa da minha fazenda por mimos que daqui lhes tenho remetido, e como já não podia com tanto gasto, pelo estado em que me acho, e ser conveniente ao real serviço a amizade destes gentios, por estarem às campanhas francas para delas se tirar quanto gado quiserem, recorri ao Sr. General mandasse alguns mimos por conta da Fazenda real os quais o dito Sr. mandou, e eu lhes remeti; e no que respeita ao que ordenei ao cabo que foi não tenho aviso; e no que respeita ao que diz Vossa Mercê se acham casais ou pessoas que eu possa nomear e queiram ir para o dito Rio Grande, respondo a Vossa Mercê que nesta povoação não há gente nenhuma que possa ir, porque aqui não há a necessária para esta vila, e se daqui se tirar algumas ficará outra vez deserta; mas o que posso assegurar a Vossa Mercê é que as campanhas do Rio Grande de São Pedro estão facilitadas. E como tudo o que digo a Vossa Mercê é verdade, nada mais tenho que informar. Deus guarde a Vossa Mercê por muitos anos (...)”. Carta de Francisco de Brito Peixoto ao tenente-general Davi Marques Pereira em 1726. In: MONTEIRO, Jônatas da Costa Rego. A Colônia do Sacramento. Vol. II, p. 177.

A primeira povoação
      Segundo o historiador Moacyr Domingues, o primeiro desbravador a estabelecer uma ocupação sistemática do canal do Rio Grande, João de Magalhães, era português do reino tendo casado com uma filha do Francisco de Brito Peixoto entrando para a História por ter conseguido estabelecer esta povoação na Barra norte do Rio Grande, ou seja, no atual município de São José do Norte. Nos escritos deixados por Cristóvão Pereira de Abreu, as notícias práticas, é feita referência ao padre Diogo Soares, um jesuíta português, que foi mandado ao Brasil para fazer levantamentos cartográficos. Conforme Domingues, “este padre passou pela Colônia do Sacramento em 1730 e o Cristóvão Pereira estava lá. Então, nesta ocasião, o Cristóvão Pereira deu a primeira notícia prática para o padre. Uma coisa muito bem escrita, descrevendo a Colônia do Sacramento, a parte do Uruguai etc. (...) Bom, o interessante é o seguinte: o Cristóvão Pereira escreveu isto aqui em 1738, e ele diz que em frente à cidade de Rio Grande há uma parte alta a que deram o nome de cidade. Agora eu pergunto aos senhores o seguinte: porque se daria o nome de cidade se ali não existisse nada? Como geralmente se supõe. Eu não tenho dúvida, até prova em contrário, que são remanescentes daquela expedição do João de Magalhães, que ali tiveram que construir curral para o gado, abrigo, porque eles ficaram lá muito tempo e naturalmente ali outras pessoas, que a História não registra, porque eram anônimas, mas que ali viveram e formaram uma meia dúzia de casas, ou seja lá o que for e que, em 1738, o Cristóvão Pereira diz que deram o nome de cidade. Para dar o nome de cidade me parece que não há outro motivo, salvo o de ter pessoas que viveram ali antes da fundação do Rio Grande em 1737. Isto eu acho que é uma novidade e eu lanço aqui, aos meus confrades, uma espécie de um desafio para que nós possamos esclarecer esta questão”.
       Domingues, prosseguindo em suas observações, concluiu: “Corroborando isto, que o Cristóvão Pereira escreveu, há uma carta, um mapa feito pelo Padre Diogo Soares, este um geógrafo, de quem eu falei há pouco, ele fez várias cartas, uma delas eu tenho, eu trouxe de Portugal a fotocópia dela. Pega do Guaíba para cima, vamos dizer do Guaíba para o norte. Mas existe uma outra do trecho anterior que pega do Rio Grande até, mais ou menos, o Tramandaí. Na obra do nosso saudoso confrade Abeillard Barreto, quando ele fala no Padre Diogo Soares, o Abeillard Barreto viu esta carta, esta que eu não tenho, esta da parte do Rio Grande. E o Abeillard Barreto cita a nomenclatura que aparece naquela carta. E la na carta do Padre Diogo Soares aparece um lugar assim: cidade, defronte ao Rio Grande. Exatamente isto que o Cristóvão Pereira escreveu. Então, realmente, quando o Padre Diogo Soares esteve lá em 1738 dava-se o nome de cidade, até talvez a título jocoso, uma brincadeira, chamar aquilo de cidade. Então isto vem confirma que, realmente, antes da fundação do Rio Grande, provavelmente existiu ali, defronte, em São José do Norte, um agrupamento de casas”. (Moacyr Domingues, O Rio Grande do Sul antes do Brigadeiro José da Silva Paes-Revista do IHGRS1988, n.133, p. 169-170).
     Portanto, antes da ocupação oficial do canal do Rio Grande nos quadros geopolíticos do Conselho Ultramarino Português (ocupação militar e povoamento), a partir de 1725, ocorreu à ocupação luso-brasileira na margem norte do canal nos quadros da economia fundada na circulação do gado e cujos atores foram os tropeiros que serão os agentes das estâncias e das delimitações de sesmarias que se definem a partir de 1732.



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