Uma parte da história da cidade do Rio Grande
está escrita nas ruas, mais especificamente, no calçamento das ruas. Um dos
maiores desafios enfrentados para a constituição de um centro urbano na cidade
foi o controle do deslocamento da areia e as inundações, especialmente no
inverno. Os aterros e o calçamento tornaram-se vitais para a circulação da
população e a manutenção das atividades comerciais deste importante centro de
comércio da província do Rio Grande de São Pedro. A ausência de matéria-prima e
os poucos recursos financeiros dificultaram a realização de obras essenciais
para uma vida urbana. A história dos calçamentos e aterros reflete
essencialmente a natureza da experiência civilizatória na cidade do Rio Grande,
onde o homem lutou constantemente contra a ação da natureza.
Desde os primórdios da ocupação militar e
civil, a luta contra o vento, as chuvas, o deslocamento da areia, a falta de
material de construção estão presentes nos relatos oficiais ou de viajantes. As
ruas do centro urbano nascente estavam a descoberto de calçamento como relatou
Saint-Hilaire em 1820, situação que seria mantida até a década de 1850.
URBANIZAÇÃO
E CALÇAMENTO
Os esforços para promover aterramentos e
calçamento de ruas esteve presente nos relatórios da Câmara municipal, onde é
possível acompanhar o lento desenrolar das iniciativas e da captação de
recursos públicos e privados para as obras. O relatório de 1851 ressaltou que
muitas “são as ruas e praças desta cidade que precisam de aterro em razão de se
tornar intransitáveis na estação invernosa. Para esta despesa e para as
eventuais, orçadas em 2:000$000 pede a Câmara a competente autorização. Outras
ruas da cidade precisão ser abertas. A bela rua do Rosário, por exemplo, acaba
na rua do Pito, havendo, aliás, toda a facilidade em abri-la até a rua Direita;
porque contanto a Câmara, com a cooperação dos moradores dela, pequena será a
despesa municipal, para a desapropriação de dois prédios insignificantes que
embargam o seguimento da mesma rua. A rua do Carmo, também reclama a mesma
providência, e por certo não depende isso de muito maior despesa. É fundada
nestas razões que a Câmara incluiu no seu orçamento 3:000$000 para socorrer a
estas necessidades”.
No relatório de 1853 a Câmara continuou a
pedir autorização para desapropriações de prédios para abertura de ruas.
Novamente insistiu que no inverno as ruas tornam-se intransitáveis, pedindo 3
contos de réis para enfrentar parcialmente o problema com aterros. “Na estação
invernosa a parte mais freqüentada e importante da cidade, isto é, a praça
municipal, desde a casa ocupada pelo comando da guarnição, propriedade hoje do
cidadão Porfírio Ferreira Nunes, até o edifício da Alfândega e daí ao primeiro
alagado, torna-se por alguns dias, quase intransitável, a pé enxuto, em
conseqüência dos pântanos e lagoas que se forma nessa distância; a Câmara
querendo curar deste mal, tem em vista mandar fazer um lajedo dessa distância e
direção, com o qual, calçados os pontos por onde passam as carroças e carros,
ficará a principal rua da cidade com um melhoramento digno dela. Como, porém
sinta a falta de autorização para despender com isso a quantia calculada de
1:600$000, vem pedi-la ao corpo legislativo compreendendo-a no seu orçamento.”
Apenas com o orçamento municipal buscou-se
reduzir os problemas com aterramentos, porém “a experiência tem, contudo
mostrado que os aterros das ruas não é o meio econômico de melhorá-las. O
calçamento delas é tudo, e para esse fim a Câmara pede uma consignação de
3:000$00 réis e a autorização de engajar um hábil engenheiro por conta desta
verba para fazer o nivelamento preciso”. (Relatório 24 de setembro de 1855).
Em 1856, a falta de material exigia a utilização
do existente em outras construções como é o caso do aproveitamento das pedras
da cadeia velha para “fazer caminhos nos lugares que eram mais precisos para
assim facilitar o trânsito público”. O presidente da Província nomeou uma
comissão para organizar o nivelamento das ruas, passo que seria indispensável
para iniciar o calçamento, sendo solicitado 6 contos de réis a Assembléia. As
atividades de calçamento tiveram início entre 1857 e 1858, pois o relatório de
setembro de 1858 afirma que “deu-se já princípio ao calçamento que tem de
continuar como convém, para o que a câmara pede aumento na respectiva verba”.
Em 1859 para continuidade do calçamento pediu-se 6 contos de réis. O resultado
deste esforço inicial redundou até 1860 no calçamento parcial das ruas
Francisco Marques, Zallony, d’Afândega, do Poço e do Rosário. “Está se dando
princípio ao calçamento da travessa do antigo Arsenal de Marinha. A Câmara tem
dado preferência daquelas ruas que mais necessitam de tão importante
melhoramento” 9 de outubro de 1860.
Em 1861, o relatório reconhece-se que as obras
não marcham com “o progresso que a utilidade pública na realidade reclama,
porque os poucos fundos de que a municipalidade pode dispor não permitem que
ela dê mais de um passo em cada ano até que uma subvenção dos cofres
provinciais possa vir auxiliá-la. Por isso pede-se no orçamento autorização
para despender a quantia de 4:500$000 réis”.
O esforço da Câmara para aplicar recursos
públicos nestas obras foi reconhecido no relatório de 1862. “Em virtude das
ordens repetidamente expedidas, das providências tomadas, nota-se já nas ruas
mais limpeza. A rua da Boa Vista, por exemplo, onde se via efetivamente
embaraçado o trânsito público com depósito de madeiras, embarque e desembarque
de cavalos etc, já se acha em mais livre e satisfatórias condições. Não sendo
possível cuidar-se do calçamento de todas as ruas (...) e com a prontidão que
convinha pela falta de fundos para melhoramentos tão despendidos é fora de
dúvida que nas circunstâncias desta municipalidade, não se tem feito pouco em
um ano apenas de exercício. As ruas do extinto Arsenal e do Carmo, desde a da
Praça e da Boa Vista, pode-se dizer que estão calçadas; em diversas outras em
algumas das quais as água pluviais impediam o trânsito, tem feito largos
cordões de pedra e aterros conforme se tem podido com as preferências reguladas
pelas mais ou menos urgentes necessidades. Ainda que em uma direção provisória,
com a ajuda de alguns interessados, abriu-se a rua do Castro, desde a do Fogo
até encontrar, na rua Direita, um beco que da saída para a Praia e praça
Municipal. Diversas desapropriações de terrenos acham pendentes para outros
melhoramentos idênticos, os quais não é possível levá-los todos a efeito, com a
mesma rapidez, razão da falta de meios para as indenizações, eles se irão
realizado com a brevidade que for compatível com as circunstâncias e desejos
que anima a Câmara. Era sensível a falta de pessoa habilitada para dar o
alinhamento da planta adotada, aos prédios que iam edificando; este
inconveniente, porém está removido desde que a Câmara, competentemente
autorizada, encarregou ao capitão Nabor Delfim Correia não só esse serviço como
os mais de engenharia e agrimensura de que ela necessite”. 7 de janeiro de
1862.
Portanto, as primeiras
obras de calçamento das ruas da cidade do Rio Grande foram realizadas entre
1857 e 1862.
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