Porto do Rio Grande em 1908

Porto do Rio Grande em 1908

sábado, 5 de agosto de 2017

A PRESENÇA COMERCIAL PORTUGUESA

O livro de Solismar Fraga Martins (Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanidade (1873-1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2006), destaca a presença dos comerciantes portugueses em Rio Grande. O papel econômico e social foi contextualizado frente à expansão urbana e importância portuária da cidade desde as primeiras décadas do século 19, trajetória que iremos acompanhar a seguir. Martins utiliza como um dos vieses interpretativos a obra do geógrafo Raphael Copstein.

 PORTUGUESES EM RIO GRANDE

Solismar Martins afirma que as condições fisiográficas, não totalmente favoráveis à cidade do Rio Grande, devido ao constante assoreamento da entrada da barra, que dificultava a entrada das embarcações, determinava a única opção para a província em termos de ancoradouro para o transporte marítimo, exceção à concorrência do porto da capital uruguaia. A inexistência de outro meio de transporte que ligasse o solo gaúcho com o restante do país e que pudesse fazer concorrência com o transporte marítimo também representou um fator significativo para o desenvolvimento comercial da cidade. 
Conforme Copstein, seria somente através do porto que se daria a principal relação comercial entre o Rio Grande do Sul e o restante do mundo, principalmente num período em que se importava quase tudo no que se refere a produtos manufaturados. Em 1822 a rua da Praia, atual Marechal Floriano, concentrava o maior número de casas comerciais e de serviços. A dragagem e construção do primeiro porto da cidade foram concluídas em 1823, junto ao aterro da Rua Nova das Flores, mais tarde rua da Boa Vista (atual Riachuelo), paralela à rua da Praia. O aterro para a construção da Rua Nova das Flores e do porto foi adquirido graças aos entulhos oriundos da destruição do forte da Vila. Os comerciantes ajudaram nestas obras permitindo o atracamento de embarcações de até 200 toneladas. As principais obras públicas no período tiveram participação dos comerciantes, como a construção de um teatro, a melhoria do Paço do Conselho, que estavam em andamento, e a construção de um novo prédio da Alfândega.
A presença do capital comercial também está relacionada à fundação em 1844 da Associação Comercial do Rio Grande, primeira do RS. Essa associação teve participação efetiva em termos políticos para o melhoramento da barra do Rio Grande no começo do século 20. A associação reunia não somente os empresários comerciais, mas também criadores e posteriormente industriais. O capital comercial representou a base para o acúmulo de capital e o conseqüente desenvolvimento industrial da cidade do Rio Grande, embora esse vínculo não seja exclusividade desta, já que as origens da indústria na província no século 19 estão diretamente vinculadas ao capital comercial e a mão-de-obra imigrante.
A cidade do Rio Grande era um ponto crucial para os navios que se dirigiam à região platina. A cidade representava a única opção de ancoradouro e abastecimento seguros para as embarcações ao sul de Laguna em terras lusas e passagem obrigatória para as que se dirigiam ao Prata. Portanto, as grandes companhias teatrais, ao se dirigirem para as cidades platinas, muitas vezes faziam escala na cidade do Rio Grande, e na maioria dos casos apresentavam-se na cidade. Apesar da importância comercial e financeira que os imigrantes e comerciantes detinham no âmbito econômico dessas cidades, o que incluía Porto Alegre, esse segmento não tinha os seus interesses representados no plano da política da província, já que este era dominado pelos pecuaristas da campanha. Dos imigrantes estrangeiros que passavam pela cidade, muitos acabaram fixando residência. Isso proporcionou a existência de um número expressivo de estrangeiros residentes na cidade no final do século 19. Historicamente o burguês imigrante teve um papel decisivo no desenvolvimento comercial e posteriormente industrial no Estado, em parte justificado por ter trazido experiência profissional na gestão de alguma empresa. Em abril de 1888, um recenseamento municipal registrou uma população de 20.277 habitantes, dos quais 14.345 residiam na cidade. Os estrangeiros perfaziam 21,70% do total. Dos estrangeiros, 2.790 moravam na cidade e 323 na cidade nova. A cidade ou cidade antiga era limitada ao norte pelo Canal do Norte, ao sul pelo Saco da Mangueira e a leste pelos banhos que seriam aterrados posteriormente no início do século 20 para abrigar o Porto Novo. A cidade velha ou simplesmente cidade representou a constituição espacial da cidade do Rio Grande como centro político e comercial, e somente no final do século 19 se efetivaria a ultrapassagem desses limites.
Rio Grande recebeu imigrantes não nos moldes de colônias agrícolas como foi comum no RS. A maioria dos imigrantes que ficaram no Rio Grande estavam vinculados diretamente as atividades urbanas, principalmente ao comércio e aos serviços. A colonização portuguesa foi a mais representativa para a cidade, não na quantidade de investimentos, mas nas marcas deixadas na cultura, na arquitetura, no comércio e na indústria. Conforme Copstein, a mais numerosa e importante das colônias estrangeiras e a que maior influência exerceu sobre a cidade do Rio Grande foi à portuguesa. No setor primário, além da agricultura como a da Ilha dos Marinheiros, a pesca teve um lugar de destaque. No comércio foi particularmente o setor de secos e molhados que constituiu a área de preferência dos lusitanos. Os estabelecimentos varejistas, até o advento dos supermercados, além de numerosos eram facilmente reconhecíveis pelos nomes com que se os batizavam. Lembravam a terra ou ostentavam denominações pitorescas. De forma semelhante se pode falar dos seus restaurantes, cafés populares e padarias. Sua presença foi uma constante no mercado público seja nas bancas de verduras ou nos quartos.
Um exemplo de transferência do capital comercial para o capital industrial no Rio Grande é o do empresário português Albino da Cunha Amaral. Ele fundou, juntamente com um sócio brasileiro, Francisco Domingos Freitas, a Cunha, Freitas & Cia. Importadora e Exportadora, em 1876. A empresa revendia os produtos para todo o território do RS e até mesmo para outras unidades do país, o que incluía especialidades como vinhos franceses e sardinhas portuguesas. Possuiu também representação no transporte lagunar. Posteriormente fundaria uma empresa industrial moageira e no ramo de conservas. Outra empresa comercial fundada por portugueses foi a José da Silva Fresteiro Cia., fundada em 1880. Teve atuação por mais de 50 anos na cidade, exportava produtos agropastoris e importava produtos diversificados de países diversos como Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, Itália e Portugal. Também exportava couro para a Europa e Estados Unidos. Em 1910 era a vez da casa importadora e exportadora Rache Leite & Cia, formada pelo Barão Tavares Leite (português) e por Frederico Rache (brasileiro). Além da importação de produtos diversificados, essa companhia foi grande importadora de sal que se destinava às charqueadas ainda existentes. Outras empresas fundadas por portugueses no setor de importação e exportação foram Campos Assunção e Correa Leite. A firma Campos Assunção foi fundada em 1889 como uma casa de importação, tendo destaque para o atacado de madeiras e outros materiais de construção como cimento e folhas de zinco. Já a empresa Correa Leite Cia., fundada em 1895, importava uma gama de produtos bastante diversificados que se estendia dos alimentos aos produtos de ferragens e tintas; no ramo da exportação, atuava principalmente com o charque. A firma Correa Leite também atuou com empresas de navegação.

Os portugueses tiveram participação em outros setores em Rio Grande, como na fundação dos dois principais hospitais da cidade, a Santa Casa de Misericórdia, hoje Associação de Caridade Santa Casa, fundada em 1835, e a Sociedade de Beneficência Portuguesa, em 1859. A fundação dessas sociedades hospitalares foi fruto do empenho de imigrantes portugueses, e seus prédios hoje compõem o patrimônio histórico da cidade do Rio Grande. Também faz parte de criação dos portugueses na cidade o clube Centro Português (1932) e de igrejas católicas e instituições escolares, além de inúmeros pequenos estabelecimentos comerciais. Além da contribuição a indústria e a arquitetura. Fotografia tirada da esquina da rua 24 de Maio em que se observa o prédio do Hospital Beneficência Portuguesa.  

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