Mais de setenta anos já se passaram desde que o
monumento ao brigadeiro José da Silva Paes foi inaugurado em 2 de março de 1939.
O jornal Rio Grande realizou a
seguinte cobertura deste evento ocorrido no ano em que a Segunda Guerra Mundial
iniciou e cujo clima de exaltação nacionalista acentuava-se cada vez mais. O
jornal noticiava sobre a situação européia de que a futura guerra seria sem
precedentes na história. Neste sentido o monumento ao Brigadeiro sinalizava a
unidade de esforços que levaram a integração territorial brasileira no extremo
sul do Brasil.
“O Monumento em Bronze - A efeméride era, de
alta transcendência, importando na efetuação, que fora prometida e anunciada,
da homenagem, altamente expressiva, devida a figura ciclópica do Brigadeiro
Silva Paes, que a mando do governo de então, viera a esta banda extrema do
país, para aqui realizar a povoação de feição militar de que resultou a
florescente cidade, boa e bela, que hoje aí está, e melhor se fez em cada dia,
mercê da felicidade com que o destino lhe tem dado, a ela, quem bem lhe
compreenda as necessidades e os anseios, e melhoramentos ainda realize. (...)
Será, pois, amanhã, às 16 horas, a inauguração soleníssima do monumento ao
Brigadeiro José da Silva Paes, figura primacial da História do Rio Grande do
Sul, por isso que a ele se deve a fundação desta terra, consequentemente de
todo o nosso Estado, e o respectivo ingresso do mesmo no conjunto de todos os
elementos constitutivos da grande Pátria Brasileira (...) Transformando,
herculeamente, a areia ardente e sáfera em terra fecundante, transformando a solidão e o
silêncio deste extremo do país na vida tumultuosa e progressiva de hoje,
trocando a treva do nada pela luz forte do progresso e da civilização, o
Brigadeiro José da Silva Paes, aureolou de imortalidade, nimbou de glória o seu
nome, dilatou a terra de Santa Cruz, impôs potentemente à admiração do mundo
inteiro a lindeza sem par do nosso meritoso e incomparável Brasil.
Como surgiu o monumento – Há dois anos, em
1937, no dia 19 de fevereiro, completaram-se dois séculos da fundação desta
cidade pelo brigadeiro José da Silva Paes, encarrega pelo governo de vir ao
Sul, para aqui fundar um núcleo de feição militar, a que se atribuiu, durante
muito tempo, finalidades de presídio, conceito esse que já hoje se encontra de
todo banido. Entre as comemorações então aventadas pela municipalidade de então
e quantos nos projetos da mesma se solidarizaram, figurou a idéia de se erguer
na cidade em ponto de evidência, um monumento ao Brigadeiro (...) Aplaudida por
todos, essa idéia entrou no terreno da respectiva realização, através da
organização do preciso concurso, lançado para todo o Brasil pela comissão de
festas [neste concurso envolvendo 8 escultores, o projeto de Humberto
Carpinelli foi o vencedor].
O Monumento em Si Mesmo – O monumento é
composto por um bloco de granito róseo, medindo 10 metros de altura,
sobre sólida plataforma enriquecida por original escadaria num dos ângulos,
tudo apresentando linhas modernas e apreciáveis. O conjunto da maravilhosa obra
de arte mede 7,50 de frente por 6,50 de fundo. A frente, à direita está um
grupo de formoso simbolismo, concepção de rara felicidade, por parte de
Carpinelli, que pode justificadamente, orgulhar-se do trabalho que fez. Esse
grupo compõe-se de 7 figuras de bronze, com 2 metros de altura
obedientes a esta significação: os homens que plantam a Bandeira, a Conquista;
os que erguem um marco e recolhem as armas, a Fundação; o que está tombado
sobre uma roda de canhão, o Sacrifício; o que aponta a Bandeira e cobre o
herói, a Fraternidade. Na parte central do monumento está à imponente figura do
Brigadeiro José da Silva Paes, medindo 2,50m. A sua compostura é rigorosamente
militar, de absoluto respeito, e reproduz com inteira fidelidade todas as
fotografias conhecidas, fornecidas ao artista, para a perfeita efetuação do seu
brilhante encargo. Como complemento do monumento, na sua expressão geral, e
embora não figurasse no projeto respectivo, vê-se, à esquerda do bloco, o
brasão de armas do Brigadeiro (...).
O Escultor Humberto Carpinelli – O escultor
do monumento que amanhã vai receber a consagração dos aplausos gerais é um
rapaz paulista de 30 e poucos anos que amou e casou aos 19 anos (...) ainda é
um enamorado, mas da Arte, com a qual vive num idílio perene, de que amiúde
surgem frutos ótimos, como o deslumbrante monumento que o público vai admirar,
a partir das 16 horas de amanhã. A homenagem ao Brigadeiro constou na
inauguração, em nossa principal praça pública, o lindo jardim Xavier Ferreira,
de imponente e primoroso monumento de granito róseo e bronze, trabalho
magistral de um nosso talentoso patrício ali de S. Paulo, Humberto Carpinelli,
que através desta obra, se revelou profissional zeloso dos seus créditos,
artista legítimo. Como dissemos, o ato inaugural se revestiu de grande
solenidade, decorrente da presença de autoridades civis, militares e
eclesiásticas, as duas primeiras federais, estaduais e municipais, corpo
consular, representantes das nossas indústrias e do nosso comércio em geral,
médicos, advogados, professores, inúmeros representantes de outras classes
sociais, muitas famílias e volumosa onda popular [o Brigadeiro estava envolvido
pela bandeira nacional que ao ser retirada], a multidão irrompeu em vibrante
salva de palmas, ao tempo em que a Banda Musical do 9ºRI, para tal vinda de
Pelotas, executava, também sob aplausos gerais o nosso vibrante Hino Nacional. Durante
o resto da tarde e a noite, como ainda hoje, no decorrer de todo o dia, o local
em que foi assentado o belíssimo monumento, foi visitadíssimo, sendo todos
unânimes na dispensa de gabos incondicionais ao trabalho extraordinário do
jovem escultor Carpinelli, que se viu grandemente abraçado por crescido número
de pessoas.
O
Autor - Conforme o escultor, falando de sua obra no jornal do dia 10 de março
de 1939, é uma pedra do Rio Grande e um bronze de Piratininga que comemorando
um grande feito de nossa história, aqui ficam unidos como num abraço fraterno
aguardando unidos e fortes, os séculos e os furacões. Se aos que visitarem essa
magnífica cidade, não foi possível apresentar o meu trabalho como obra de arte,
podeis dizer, que é um exemplo de patriotismo deste povo que cultua com
dedicação os feitos grandes de nossa História, e que aquele nome rabiscado num
canto de bronze, representa um pedaço da alma de um vosso compatriota”,
finaliza a matéria do jornal Rio Grande.
O mito da fundação do Rio Grande reveste-se
de um processo épico de conquista da natureza e da geopolítica platina com a pressão
ou a presença espanhola no século 18.
A eloqüência desta energia necessária para fixação de
uma cabeça de ponte para o controle do Rio Grande do Sul está presente na
simbologia dos personagens que fazem parte deste monumento, o que o torna
carregado de expressivas representações da formação histórica rio-grandense,
onde se sobressai o espírito do sacrifício para obter a Conquista. No epicentro das ações de Conquista está o Brigadeiro
Silva Paes que traz o documento que traduz a intelectualidade do aparato
jurídico-político e de outra a espada, que simboliza o vigor da força. A nudez
glútea de personagens fazia parte da estética plástico-formal da década de
1930-40 no Brasil, exaltando a radicalidade do momento épico que lançava os
personagens a abrirem mão das próprias vestimentas e que teve um fundo de
verdade, pois o isolamento imposto pela navegação da Barra do Rio Grande em
diferentes períodos dificultava a chegada de mantimentos e também de uniformes.
É um monumento que merece ser redescoberto pela população e detalhadamente
observado pela sua rica simbologia.
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