“Assim como quatro
quintas partes do corpo
humano são água,
assim quatro quintas partes
da grande corpulência
do globo são mar.
Parecendo separar os
homens, o belo destino
eterno do mar é
reuni-los”.
Ramalho
Ortigão
O
banho de mar no Rio Grande do Sul tem origem na inspiração européia dos
balneários aristocráticos junto ao Mar Mediterrâneo. Entre a última década do
século 19 e as primeiras do século 20, passa a se tornar um hábito que
alcançaria proporções cada vez maiores até a atualidade. Joana Carolina
Schossler na dissertação de Mestrado “As Nossas praias: os primórdios da
vilegiatura marítima no Rio Grande do Sul, 1900 – 1950” (PPGHistória, PUCRS, 2010), analisa os primórdios e a
popularização dos banhos de mar no litoral norte do Rio Grande do Sul. A autora
enfatiza que a pratica do banho
e sua sociabilidade estavam organizadas em torno da doença. O banho não era uma
aventura marginal ou uma cerimônia de ostentação. Ele entreviu um método
curativo ou preventivo, definindo uma linguagem comum às múltiplas prescrições.
Ainda assim, a medicina dos banhos de mar estabeleceu regras e teorias,
formando um órgão decisivo na vigilância e ritualização de algo que se tornou
moda.
A
dissertação tratou da mudança que se operou no imaginário social dos gaúchos em
relação ao litoral. Pois, de uma série de atributos desabonadores (inóspito,
árido, desértico), esse “território do vazio” passou a ter uma representação positiva,
com a emergência da sociedade urbano-industrial. Assim, no decorrer do século
XX, o litoral acabou sendo integrado ao imaginário dos gaúchos com novos significados.
Entre a população urbana do interior do Rio Grande do Sul, a praia de mar passou
a ser um espaço de lazer e entretenimento desde as primeiras décadas do século XX.
Mas ela também se tornou um espaço social onde, inicialmente, uma elite interiorana
renovava ou ampliava seus laços de sociabilidade, seu prestígio e seu poder. Primeiramente
burguesa, a nova percepção do litoral do Rio Grande do Sul acabou se popularizando
ao longo das décadas, pois entre os códigos da elite e os populares, se opera
insidiosa circulação de práticas.
Vou fazer um recorte na
dissertação e transcrever os parágrafos dedicados ao atual Balneário Cassino.
Para
Joana Carolina Schossler “é importante salientar que no final do século XIX, a
parte sul do litoral gaúcho, também ganhou investimentos significativos de
imigrantes que almejavam promover hábitos europeus. Reunidos sob o projeto da
empresa Carris Urbanos, a estação balnear de Villa Sequeira, em
Rio Grande, envolvia imigrantes ingleses, comerciantes portugueses e
industriais alemães. Sem tardar, a companhia Carris divulgou na imprensa
que faria um balneário nos moldes de Pocitos, em Montevidéu.
Interessante notar que houve uma especulação de locais para edificação do
balneário, chegando a ser levantando o nome das primeiras praias balneares do
litoral norte, Cidreira e Tramandaí. Porém, devido à condição econômica
favorável de Rio Grande, a praia da Mangueira foi a eleita. Importante destacar
que, ao contrário das praias do litoral norte, Rio Grande possuía linhas
férreas, um benefício, que assim como nas praias francesas de Dieppe e
Biarritz, facilitava a viagem e aumentava o número de vilegiaturistas às
praias. Além disso, Antônio Cândido Siqueira, sócio-fundador da empresa Carris
Urbanos, obtinha conhecimento do sucesso dos balneários europeus Dieppe,
Trouville e Biarritz, o que o incentivou a prolongar a linha férrea até o
oceano. O Balneário Villa Sequeira foi inaugurado em 26 de janeiro de
1890, e logo foi sendo habitado com a construção de chalés luxuosos, hotel que
oferecia concertos, jogos e restaurante. O balneário possuía casas de banho
para troca de roupas, semelhante a das praias européias ou de Buenos Aires e
Montevidéu. A companhia Carris também importou dos Estados Unidos um ‘cata-vento’
que aproveitava a energia eólica para captação de água do lençol freático. A
construção de um balneário com estrutura nos moldes europeus aproximou a vilegiatura
marítima em Rio Grande de uma vilegiatura aristocrática européia. Pois no litoral
norte, por mais que se possuíssem alguns aspectos naturais e o desejo de se assemelhar
a um balneário de estilo europeu, não há referências de que se tenha planejado
um balneário com a mesma amplitude que foi Villa Sequeira. Esses fatores
permitem afirmar que o modelo de vilegiatura marítima no litoral norte foi mais
burguês, mais democrático e urbano, pois seus empreendedores, em sua maioria, foram
famílias imigrantes com um pequeno capital investidor. Já em Rio Grande, o investimento
para a criação do balneário partiu de uma empresa, a Companhia Carris. Esta,
ao se dar conta do crescimento do fluxo de passageiros, investiu, com auspícios
de imigrantes, na criação do balneário que atendia diretamente a uma ‘aristocracia’
luso-brasileira da região tradicional da campanha e a uma burguesia provinda de
uma variada imigração, principalmente de Pelotas e Rio Grande Conforme Rebecca
Enke, o poder aquisitivo da elite se fazia distinguir nos hábitos, que se
diferenciam nos trajes importados utilizados nas atividades a beira-mar. O luxo
da vestimenta foi notado pelas colunas jornalísticas da época, e os registros
fotográficos também representam a ostentação da época. Ainda é pertinente observar que a companhia
empreendedora de Villa Sequeira criou um guia para banhistas, semelhante
ao do escritor português Ramalho Ortigão. Já no litoral norte, ao que consta
até então, não existiu um informativo neste modelo até as primeiras duas
décadas do século XX. Tanto na parte sul quanto na parte norte do litoral
gaúcho, a frequentação da costa balneária foi emoldurada, inicialmente, pela
prática dos banhos medicinais. No entanto, ao longo da primeira metade do
século XX, as praias do litoral norte passaram por modificações materiais,
adequando sua infra-estrutura às necessidades dos banhistas, como almejava a
modernidade”.
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