O artigo “Um
drama no mar: uma face desconhecida de Koseritz” (Mafuá, Florianópolis, n. 13, março
2010) escrito por Juliane Cardoso de Mello analisa a novela Um Drama no Mar de
autoria do jornalista alemão, radicado em Rio Grande, Carlos de Koseritz. A
história foi baseada em fatos reais acontecidos no litoral do Rio Grande do Sul
e a novela, tida como perdida, foi encontrada pelo prof. Artur Vaz (Programa de
Pós-Graduação em Letras-FURG) e analisada por Juliane Cardozo de Mello (que
defendeu dissertação de mestrado com o mesmo tema neste programa de
Pós-Graduação).
Conforme Juliane esta é uma novela
de Carlos de Koseritz (1830-1890) publicada quando este morava na cidade de Rio
Grande e que tem sido considerada como desaparecida. Em pesquisas no jornal Eco do Sul do ano de 1862, foi
encontrado um folhetim denominado Um
drama no mar, atribuído a X. Y. Z. Além de Koseritz ser, então, um dos
colaboradores deste jornal rio-grandino, o principal aspecto que confirma que
esse folhetim é de autoria de Koseritz é o anúncio publicado no Eco do Sul de 18 abril de 1863,
divulgando a venda do romance com o mesmo título e de autoria de Carlos de
Koseritz.
Através de
buscas na Biblioteca Rio-Grandense (Rio Grande, RS), encontrou-se um exemplar
de um romance homônimo, sem capa e, portanto, sem indicação de autor, data ou
local de publicação, mas – no entanto – com texto igual ao folhetim publicado
no Eco do Sul em 1862, o que
traz a luz definitivamente mais uma obra desse importante autor radicada no Rio
Grande do Sul. Conforme nota ao final desse volume, Um drama no mar
baseia-se numa tragédia ocorrida em praias gaúchas no ano de 1862, e que o nome
real do personagem Elissandro Moriby era Ferdinando Petrina e que esse foi
executado no dia 30 de dezembro de 1862, fato confirmado por um site em língua
inglesa[2],
constituindo-se, assim, num romance histórico.
Esse romance
contrapõe-se a face realista e racionalista tradicionalmente conhecida de
Koseritz, jornalista influente durante décadas na capital gaúcha, pois se trata
de romance tipicamente romântico, com o conflito constituído por um triângulo
amoroso entre Elissandro, L... e Marília, o que acarretará todo o desenlace da
trama, que gira em torno do amor entre L... e Marília e do amor não correspondido
de Elissandro juntamente com seu ciúme e seu sentimento de vingança por ter
sido desprezado pela amada e humilhado por seu esposo. E isso também fica
explicito na representação dos personagens que são idealizados, sendo descritos
com um vocabulário bastante positivo, sendo que até Elissandro, o antagonista,
é representado como possuidor de um bom caráter, mas com traços obscuros em sua
personalidade.
Um trecho do
romance é reproduzido a seguir:
“Julgais,
leitores, que vou contar-vos alguma dessas novelas que nascem no cérebro do
escritor e cujas peripécias são meras invenções, que nada contêm de real?
Não; o que vou narrar-vos tem um fundo de verdade; os fatos se deram, e deram-se bem perto de nossas praias, deram-se há bem pouco tempo; ainda todos estremecem ao recordarem-se da primeira notícia desses horríveis crimes, que circulou pela nossa pacífica cidade. Os fatos são reais; alguns aumentos, algumas liberdades são perdoáveis por certo ao escritor, que se vê obrigado a revestir o descarnado esqueleto da horrível realidade, como os ouropéis de fantasia. Nesse horripilante drama, que durante dias formou o assunto de todas as conversações, houve mistérios ocultos, abismos, que não foi permitido perscrutar ao público, mas que pode o escritor utilizar-se deles para colorir a sua narração. Nem tudo quanto vou narrar-vos é constatado pelos fatos, nem tudo é real; muitas vezes, abandonarei as rédeas à minha fantasia, mas muitas outras cenas são a fiel pintura do ocorrido, e vós o sabeis. Impressionam-me esses sombrios dramas que se passam por entre as gigantescas vagas do oceano, naquela vasta solidão tão animada pelos grandes espetáculos da natureza; impressionam-me tanto mais, quanto conheço o oceano e as emoções que ele desperta, quanto amo aquela vida rude e perigosa, de que por minha vez já fiz profissão. Só quem conhece o oceano pode descrevê-lo; só quem viveu no meio da borrasca, só quem ouviu o roncar da tempestade, pode pintá-la; as outras cores são pálidas e desbotadas; a palavra do poeta, o pincel do pintor, só acham vida na realidade; ante os grandes espetáculos da natureza, a imaginação perde a sua elasticidade, a fantasia, as suas brilhantes cores. Só o marítimo descreve o mar, só o marítimo conhece-lhe os segredos, só ele sabe compreender-lhe as emoções. E, pois, embora o diário lidar da imprensa periódica me tenha gasto a imaginação, tenha cortado as asas à minha fantasia, embora a realidade da vida material tenha, uma por uma, destruído as minhas ilusões poéticas da primeira juventude, em que me extasiava a vista de verdejante prado, de argênteo riacho, o doce trinar do rouxinol; embora esse santo tempo de enlevos poéticos já vá longe, digo, ainda me fala à alma a majestade do oceano e, onde a doce poesia já não acha eco, o ribombar da tempestade ainda desperta simpatias, ainda me inspira. Vou narrar-vos um drama do mar, uma daquelas horríveis peripécias, que parecem exclusiva propriedade da fantasia do poeta, e que, contudo, nada mais são que a cruel realidade.”
Não; o que vou narrar-vos tem um fundo de verdade; os fatos se deram, e deram-se bem perto de nossas praias, deram-se há bem pouco tempo; ainda todos estremecem ao recordarem-se da primeira notícia desses horríveis crimes, que circulou pela nossa pacífica cidade. Os fatos são reais; alguns aumentos, algumas liberdades são perdoáveis por certo ao escritor, que se vê obrigado a revestir o descarnado esqueleto da horrível realidade, como os ouropéis de fantasia. Nesse horripilante drama, que durante dias formou o assunto de todas as conversações, houve mistérios ocultos, abismos, que não foi permitido perscrutar ao público, mas que pode o escritor utilizar-se deles para colorir a sua narração. Nem tudo quanto vou narrar-vos é constatado pelos fatos, nem tudo é real; muitas vezes, abandonarei as rédeas à minha fantasia, mas muitas outras cenas são a fiel pintura do ocorrido, e vós o sabeis. Impressionam-me esses sombrios dramas que se passam por entre as gigantescas vagas do oceano, naquela vasta solidão tão animada pelos grandes espetáculos da natureza; impressionam-me tanto mais, quanto conheço o oceano e as emoções que ele desperta, quanto amo aquela vida rude e perigosa, de que por minha vez já fiz profissão. Só quem conhece o oceano pode descrevê-lo; só quem viveu no meio da borrasca, só quem ouviu o roncar da tempestade, pode pintá-la; as outras cores são pálidas e desbotadas; a palavra do poeta, o pincel do pintor, só acham vida na realidade; ante os grandes espetáculos da natureza, a imaginação perde a sua elasticidade, a fantasia, as suas brilhantes cores. Só o marítimo descreve o mar, só o marítimo conhece-lhe os segredos, só ele sabe compreender-lhe as emoções. E, pois, embora o diário lidar da imprensa periódica me tenha gasto a imaginação, tenha cortado as asas à minha fantasia, embora a realidade da vida material tenha, uma por uma, destruído as minhas ilusões poéticas da primeira juventude, em que me extasiava a vista de verdejante prado, de argênteo riacho, o doce trinar do rouxinol; embora esse santo tempo de enlevos poéticos já vá longe, digo, ainda me fala à alma a majestade do oceano e, onde a doce poesia já não acha eco, o ribombar da tempestade ainda desperta simpatias, ainda me inspira. Vou narrar-vos um drama do mar, uma daquelas horríveis peripécias, que parecem exclusiva propriedade da fantasia do poeta, e que, contudo, nada mais são que a cruel realidade.”
As
novelas Um Drama no Mar, Laura e A Donzela de Veneza, de autoria de Koseritz,
foram publicadas no ano passado no livro organizado por Artur Vaz e Juliane
Cardozo de Mello.
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