O jocoso
semanário ‘A Sentinela do Sul’ editado em Porto Alegre, trouxe em seu primeiro
número com data do dia 7 de julho de 1867, um breve comentário sobre a cidade
do Rio Grande. É um suposto diálogo entre um rio-grandense (como eram chamados
os moradores nativos da cidade antes da troca por rio-grandino na década de
1930) e um viajante. É claro que o autor tinha uma relação ácida com Rio Grande
e o suposto diálogo imaginário é o seguinte:
“Viajante: Com que esta é a cidade
do Rio Grande? Bonita não é.
Rio-grandense: mais vai ficar;
vamos ter ruas macadamizadas, um jardim de recreio com lindas árvores na praça
municipal, um cais de ferro no litoral,
iluminação a gás, encanamento de água, telégrafo, caminho de ferro para
Pelotas e arborização dos comoros.
Viajante: é muita coisa por junto,
quando a esmola é grande, o pobre desconfia. Mas enfim, enquanto estes
benefícios não estiverem realizados, o que é que vocês tem?
Rio-grandense: Temos areia com
fartura, lama quando chove, pó quando faz sol e aromas aromáticos a noite, quando
se passeia na rua da Boa Vista e do Canal.
Viajante: E tem bonitos passeios
fora da cidade?
Rio-grandense: Temos um que é
lindo.
Viajante: Para onde é?
Rio-grandense: Para o cemitério...
Viajante: Para la não quero ir
ainda”.
Traduzindo
na perspectiva histórica o irreverente diálogo, típico da imprensa desta época,
é possível fazer os seguintes esclarecimentos: ruas macadamisadas refere-se ao
sistema de calçamento com três camadas de pedra inventado pelo engenheiro
escocês John McAdam por volta de 1820 (daí a palavra macadâmia). Em Rio Grande,
devido a falta de rochas, as primeiras e tímidas iniciativas de calçamento remontam
entre 1856-1862. Somente a partir de 1874, os calçamentos na área central são
ampliados e o sistema não era o macadâmia; jardim de recreio com lindas árvores
é uma referência a atual Praça Xavier Ferreira que recebe obras relevantes na
década de 1870. O cais de ferro do litoral é a obra do primeiro cais de
concreto que ocorreu entre 1872-1876. Encanamento a gás são obras que ocorreram,
na área central na década de 1870 e os primeiros encanamentos de água surgem
entre 1874 e 1878 com a Companhia Hidráulica (responsável pela instalação de 4
chafarizes). A linha férrea ligando Rio Grande a Bagé e passando por Pelotas,
foi inaugurada em 1884; a visita a cemitério poderia ser feita desde o final de
1855 mas a permanência por tempo indeterminado no local era realmente
indesejada...
Portanto,
nas décadas de 1870-80, a cidade realmente recebeu vários serviços urbanos em
sintonia com a modernidade da época e não realizando a profecia pessimista do
autor do artigo. É claro que foram soluções restritas a pequenas áreas mais
privilegiadas e com soluções parciais dos problemas. Já as críticas relativas
ao mau cheiro ‘aromático’ do cais da rua da Boa Vista (atual Riachuelo) e da rua
do Canal (atual Barroso), não tiveram solução rápida. Também o pó, o
deslocamento da areia e a formação de barro e lodo, persistiram afligindo a
maior parte da urbe. Especialmente, com o crescimento industrial a partir da
década de 1870 até o final do século 19, aumentando muito a população e
trazendo inúmeros problemas de salubridade. O irreverente artigo publicado na
imprensa de Porto Alegre evidencia uma forma de atuação da época: através do
deboche e da irreverência se criticava os problemas urbanos.
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